PS e PSD. Passo a passo, cada vez mais de costas voltadas

Debates quinzenais com o primeiro-ministro têm vindo a mostrar um afastamento cada vez maior entre PS e PSD na frente parlamentar

A frente parlamentar viveu ontem mais um debate quinzenal com o primeiro-ministro. O tema escolhido pelo governo de António Costa foi “o crescimento económico sustentado”. Mas, nos registos, o que verdadeiramente marcou este debate, numa tendência que vem de trás e em crescendo, foi o tom crispado e até, por vezes, exaltado deixado no confronto verbal entre primeiros-ministros, o atual e o anterior. Como diz o povo, “uma peixeirada”.

Mas vamos por partes. O homem que liderou o executivo durante os anos da troika, Pedro Passos Coelho, esperou pelo final do tempo de que dispunha na sua intervenção para acusar o atual primeiro-ministro de querer “enlamear o anterior governo” no chamado caso das offshores quando se sabe que, sobre esta matéria “não existe nada que envolva responsabilidade política” do gabinete que dirigiu durante quatro anos.

De acordo com as palavras de Passos Coelho, desta polémica ficou a saber-se que, afinal, “mais de metade do que supostamente não passou pelo crivo do fisco devia ter passado já depois de o governo que liderou ter cessado funções” e, por isso, o que se passou nos últimos dias mais não foi do que uma tentativa do atual executivo para “enlamear o anterior governo”.

O ex-primeiro-ministro foi até mais longe e acusou Costa de lançar insinuações sobre o governo PSD/CDS, lamentando que este não tenha pedido desculpas por essa atitude.

Na resposta, o primeiro-ministro afirmou-se surpreendido pelo que classificou como “desfaçatez” de Passos Coelho, reclamando igualmente um pedido de desculpas. Invocou mesmo notícias que apontam para ter sido insultado durante uma recente reunião da bancada “laranja”.

Para António Costa, “ficou claro” que Passos Coelho “não está satisfeito por o país viver um bom clima de cooperação entre os órgãos de soberania” e de “paz social”, e rejeitou que haja “crispação na Assembleia da República”. “O que há é uma bancada ressabiada” por o PSD ter “falhado tudo”, atirou.

O tom crispado estava definitivamente espalhado pelas bancadas. E a prova disso chegou do lado dos líderes dos dois maiores grupos parlamentares, Luís Montenegro, do PSD, e Carlos César, do PS, os quais não abdicaram de deitar achas na fogueira num debate já exaltado.

Entre repetidos pedidos de defesa da honra, Montenegro veio acusar Costa de ser “mal-educado com aqueles que no parlamento representam os portugueses”.

César nem hesitou. Assegurou que o PS se sentia “ofendido quando se transforma a Assembleia da República num espaço de insulto e de intolerância e num espaço de guerrilha mediática”.

O nome do governador do Banco de Portugal (BdP), Carlos Costa, também passou pelo debate quinzenal, talvez em dose mais fraca do que a esperada, tendo em atenção a mediatização que tombou sobre a entidade reguladora nos últimos dias, em particular devido ao chamado caso BES. Todavia, o outro Costa, o primeiro-ministro, foi institucional na abordagem do tema, como se exige no exercício das função que ocupa, limitando-se a recordar que o governador foi nomeado pelo anterior executivo e que nessa ocasião criticou o que achou por bem, mas na qualidade de líder do PS. Hoje, assegurou, trabalha “de forma leal e construtiva com as instituições que existem e que estão em funções”.

“palavras são para usar”

Mas se do lado do governo houve a necessária e exigida compostura institucional, já da bancada que o sustenta houve uma subida no tom. Carlos César, o líder parlamentar, veio dizer que “as palavras são para usar”. E usou-as: “Não é falta de cultura democrática reiterar o entendimento de que o Banco de Portugal não foi suficientemente atento”, numa referência à atuação do BdP antes do estoiro do universo BES, que girava em torno da figura de Ricardo Salgado. O PCP ignorou neste debate a figura do governador, mas o Partido Ecologista “Os Verdes”, que está no parlamento por integrar a coligação liderada pelos comunistas, não teve dúvidas: “Este governador do BdP não tem condições para contincuar”, reivindicou Heloísa Apolónia. Do lado do Bloco de Esquerda, Catarina Martins lembrou que o BdP “não está acima da lei” e reafirmou que Carlos Costa não foi independente na sua relação com os banqueiros.

Voltando agora ao tema do debate, “o crescimento económico sustentado”, António Costa avançou com os dados de que o governo dispõe. Em termos homólogos, o crescimento chegou aos 2% no último trimestre de 2016, o défice fixou-se nos 2,1%, o desemprego aproximou–se dos 10 por cento no final do ano passado. “A realidade impôs–se ao pessimismo”, acentuou. Já Passos Coelho lê os números de outro ângulo: os resultados desse crescimento “ficam aquém do que o governo se propôs”.