O clima no PSD é o de uma paz podre. A união aparente resulta da vontade de não prejudicar o partido em vésperas de autárquicas, mas o descontentamento com a liderança vai acentuar-se ao longo dos próximos meses, numa contagem decrescente para o congresso do próximo ano, naquilo que já há quem diga que será «a época da caça ao coelho».
Pedro Passos Coelho está definitivamente na mira dos críticos internos. A forma distante como conduziu o processo autárquico valeu-lhe descontentamentos de norte a sul. As escolhas para Lisboa e Porto traduziram-se num desânimo pouco natural num partido de grande dimensão autárquica como o PSD. E os resultados económicos do Governo – mesmo que os sociais-democratas desconfiem deles – ajudam a uma sensação de desgaste do discurso do líder.
Os generais
Nas sombras já há movimentações a acelerar, sempre com duas incógnitas na cabeça de quem quer jogar este jogo de xadrez: saber em que ponto se posicionam os dois generais do partido, Marco António Costa e Miguel Relvas. «Ainda é muito cedo para perceber isso», aponta um dos críticos da liderança, duvidando de que Marco António, por exemplo, dê algum sinal enquanto Passos Coelho se mantiver na corrida para o próximo Congresso.
Neste jogo de sombras, joga-se também um campeonato de gerações e há novos nomes a querer figurar nas listas de putativos candidatos a líder.
Os senadores do partido e a geração a seguir
Rui Rio – o único que já está na estrada à procura de apoios – e Pedro Santana Lopes fazem parte dos seniores. Em relação a Rio duvida-se da sua capacidade de mover o aparelho e aposta-se que só poderá ter hipóteses se surgir contra Passos, capitalizando o descontentamento em relação ao líder.
Santana já deixou claro que não correrá contra Passos Coelho e é visto no partido como uma «caixa de surpresas». Bem ao seu estilo, tem dado a entender que «anda por aí» sem ser claro sobre se já desistiu ou não de voltar à liderança.
Mais novos, Paulo Rangel, José Pedro Aguiar-Branco e Luís Montenegro fazem parte de uma geração intermédia que não quer perder o comboio da liderança. Rangel e Aguiar-Branco só avançarão depois de contadas as espingardas, porque sabem bem o peso que os king makers do aparelho têm no partido. Ambos estão a esperar para ver.
Montenegro, visto como o delfim de Passos, pode reunir os apoios passistas, mas isso significa que só avançará caso Passos renuncie a continuar.
Na geração mais jovem, mas com vontade de chegar «à liga dos crescidos» – como nota um dos apoiantes de uma destas alas – estão Pedro Duarte e Pedro Rodrigues.
Os jovens turcos
Pedro Duarte faz parte de um grupo que inclui o líder da distrital de Lisboa, Miguel Pinto Luz, e o presidente da concelhia Mauro Xavier. Apesar das divergências em relação à candidatura para a capital, o grupo continua coeso e pode preparar uma estratégia conjunta para o próximo Congresso, mesmo que seja só para marcar terreno para uma próxima disputa pela liderança.
Diretor de campanha de Marcelo Rebelo de Sousa e ex-líder da JSD, Pedro Duarte é visto como alguém com capacidade para arregimentar tropas e até encabeçar uma lista. Mas já por duas vezes frustrou as expectativas dos seus apoiantes, recusando ir a terreiro primeiro num Conselho Nacional que antecedeu o último Congresso e depois nesse Congresso de Espinho.
Uma coisa é certa, Pedro Duarte, que já foi um passista, tem afiado o discurso contra o líder. Ainda esta semana na TSF, confessou a «estupefação de quem vê de fora» de «não ver da parte da direção política nacional do PSD um empenho para aproveitar as eleições autárquicas como forma de afirmar localmente o PSD nos diferentes concelhos do país».
Pedro Rodrigues é a ala alternativa desta geração mais jovem. Quando a oposição a Passos ainda se fazia muito em surdina, Rodrigues lançou o movimento Portugal Não Pode Esperar. Foi um sinal de que se estava a posicionar para o futuro. O período de definição autárquica fê-lo – como a todos os críticos – tentar ser mais reservado, mas nas próximas semanas deve apresentar novas iniciativas para marcar a agenda.
A reserva para o futuro
No tabuleiro das gerações, há ainda outro grupo a considerar. Ainda que para já não se anteveja que nenhum deles possa avançar para a liderança, António Leitão Amaro, Hugo Soares e Duarte Marques terão uma palavra a dizer no futuro do partido quando se olha para um ciclo mais longo do que aquele que se relaciona com o próximo congresso.
«Macron tem 41 anos, Renzi tinha 38 quando foi eleito. A própria Assunção Cristas tem 41. As pessoas querem pessoas novas e com energia», diz um dirigente social-democrata, que acha um erro não olhar a sério para as hipóteses das gerações mais novas.
A principal incógnita é, porém, a de saber o que fará Pedro Passos Coelho depois das autárquicas. Conhecido pela sua resiliência quase sobre-humana, o líder do PSD deixou um recado no Conselho Nacional desta quinta-feira à noite aos que acham que ele pode estar prestes a atirar a toalha ao chão depois de um mau resultado eleitoral nas autárquicas.
«Não somos daqueles que amuam ou fazem fitas», garantiu, assegurando que encarará com «fairplay» qualquer resultado eleitoral. De resto, Passos Coelho afastou a ideia de que o PSD esteja condenado a uma hecatombe eleitoral em outubro.
Os recados de Passos
«Eu gostava de dizer a todos, aos de dentro e aos de fora, que estamos nestas eleições com os dois pés assentes na terra, fizemos boas escolhas e por isso estamos convencidos de que iremos ter um bom resultado eleitoral», disse, num recado aos que «têm o convencimento de adivinharem o resultado das eleições».
«É amplamente visível que conseguimos no Porto uma boa candidatura», com o nome do independente Álvaro Almeida, disse, mostrando-se satisfeito com a «escolha forte» de Teresa Leal Coelho para Lisboa.
Mas é notório que o convencimento do líder em relação aos candidatos para as principais câmaras do país não reúne entusiasmo entre as hostes sociais-democratas e isso foi visível no ambiente morno do Conselho Nacional.
Apesar disso, os militantes «não estão prontos a correr com Passos», como nota um destacado social-democrata. Persiste no partido um sentimento de reconhecimento pelo trabalho feito por Pedro Passos Coelho no Governo e a ideia de que a receita que tinha para o país era a mais adequada.
É por isso que é tão importante para os putativos adversários de Passos Coelho entender se o líder poderá sair pelo próprio pé depois das eleições e, ao mesmo tempo, não o hostilizar demasiado até à contagem dos votos.
A aparente falta de ânimo com que Passos Coelho se tem apresentado e até a forma – nada habitual no seu feitio – como perdeu a cabeça por duas vezes num debate quinzenal com António Costa fizeram alguns ver sinais de um desgaste que o pode levar a desistir, até por «questões pessoais».
Para já, todas as nuances do seu comportamento são analisadas à lupa dentro do partido. «No último debate quinzenal em que interveio, vi-o pela primeira vez impreparado. Não parecia ele», comenta um deputado, que viu nisso um sintoma de que Passos Coelho, o resiliente, pode finalmente ter perdido a paciência para um partido que anda inquieto com as perspetivas para as autárquicas, mas ainda mais com os resultados das sondagens que mostram o poder cada vez mais longe dos sonhos dos sociais-democratas.
Uma coisa é certa: se for para ficar, ninguém espere um Passos reinventado. «Prefiro receber a crítica de que mudámos pouco do Governo para a oposição por sermos coerentes do que se nos estivessem a apontar o dedo por sermos uns troca tintas», avisou o líder no Conselho Nacional.