PR faz ponte entre Costa e Altice

O Presidente tentou apaziguar as relações do Estado com a Altice depois de Costa ter feito, no Parlamento, críticas incomuns num primeiro-ministro a uma empresa privada.

«Por mim, já fiz a minha escolha da companhia que utilizo». Nas vésperas da Altice anunciar o acordo para a compra da Media Capital – detentora da TVI – e até agora propriedade da empresa espanhola Prisa, o primeiro-ministro fez uma declaração surpreendente no Parlamento, afirmando que a PT – agora propriedade da Altice – se poderia transformar numa «nova Cimpor» e acusando a MEO de ter sido responsável pela quebra de comunicações durante os fogos de Pedrógão Grande. E, inusitadamente, afirmou, no que toca a operadoras de cabo, ter feito a sua escolha – não a MEO, mas a Vodafone ou a NOS.

Marcelo Rebelo de Sousa recebeu ontem, fora da agenda oficial, o acionista da Altice, Patrick Drahi. E, segundo apurou o SOL, aproveitou para tentar acalmar os ânimos entre o Estado português e os empresários franceses, depois do ataque feito pelo primeiro-ministro durante o debate do Estado da Nação.

Mas Patrick Drahi reuniu-se também com António Costa, a seguir ao encontro com o Presidente da República. Segundo fonte do gabinete, a audiência ficou fora da agenda oficial, mas enquadra-se na prática habitual de reuniões entre empresas e primeiro-ministro quando estão em causa grandes investimentos.

O Presidente da República acabou também por receber, além do acionista principal da Altice, o representante da Prisa Jose Luís Cebrian, atual proprietária da TVI, e Francisco Pinto Balsemão, da concorrente Impresa, detentora da SIC, acompanhado pelo filho e atual chairman, Francisco Pedro Balsemão.

Depois dos encontros, que eram para serem privados, terem sido tornados públicos, o Presidente da República acabou por publicar uma nota na sua página oficial: «O Presidente da República recebeu hoje [ontem] ao final da manhã uma delegação da Altice, Prisa e Media Capital. O Presidente recebeu também ao início da tarde os drs. Francisco Pinto Balsemão e Francisco Pedro Balsemão».

A violência da reação do primeiro-ministro contra a Altice levou esta semana o líder da oposição, Pedro Passos Coelho, a comparar Costa a Donald Trump. «Não sei o que é que terá levado o dr. António Costa a, de certa maneira, fazer uma admoestação pública a uma empresa», disse Passos. «Nunca, julgo eu, tinha ouvido um primeiro-ministro atirar-se assim publicamente a uma empresa. Acho que nem o engenheiro Sócrates teve coragem para fazer isto e, atualmente, o primeiro-ministro sente-se com à vontade de poder admoestar publicamente uma empresa privada», criticou o antigo primeiro-ministro, que aproveitou para comparar a atuação de António Costa com a de Donald Trump: «Lembro-me de aqui há uns meses do escândalo que foi quando o presidente dos Estados Unidos ter discriminado negativamente uma cadeia de empresas norte-americanas».

 

Fora da política

Ontem, na conferência de imprensa sobre a compra da Media Capital, o CEO da Altice procurou afastar-se desta polémica. «Não estamos aqui para fazer política. Apresentamos um projecto forte industrial para o país». disse Michel Combes, acrescentando que a rede que está a ser construída em Portugal é única.

Combes revelou ainda que no incêndio de Pedrógão Grande a PT trabalhou para resolver as situações, dizendo que esteve sempre em contacto para perceber o que se estava a passar. A PT fez «tudo para [a operação] funcionar, nem sempre é fácil» e confessou-se «orgulhoso do que foi feito na companhia, pelos trabalhadores e empresa».

 Michel Combes disse ainda que «qualquer país estaria satisfeito com o investimento» feito pela Altice.

 

Obstáculos externos e… internos

Apesar de tudo, há ainda alguns obstáculos a ultrapassar – além da oposição política à Altice, com BE e PCP a amplificarem as críticas de António Costa.

Por um lado, BE e PCP, com o primeiro-ministro, não vão deixar cair a guerra contra os despedimentos e a reestruturação da PT e demais empresas.

Por outro lado, a Altice conta com contestação interna na PT. Além, naturalmente, da comissão de trabalhadores e dos sindicatos, também quadros herdados da estrutura de poder anterior resistem à estratégia do novo acionista.

Mas a questão política deverá ser mais mediática, sobretudo a partir do momento em que a compra da Media Capital foi anunciada.

De acordo com o deputado do PCP Bruno Dias, há um «problema» de «ação e vontade política», uma vez que sendo este um setor estratégico, o Estado devia recuperar o controlo sobre a PT Portugal. A PT «já controla a rede de Televisão Digital Terrestre (TDT) e o maior operador de TV por cabo [através da marca MEO], e está a preparar-se para uma operação de concentração e verticalização sem precedentes no setor», argumentou.

Para o PCP, com a compra da Media Capital, a Altice passará a controlar um dos principais operadores de televisão por cabo (a MEO), a rede de TDT, o canal de televisão com maior audiência (a TVI) e uma das principais produtoras de conteúdos audiovisuais portuguesas (a Plural).  Assim, passa a deter toda uma cadeia no setor da televisão, passando pela produção, pela emissão e pela distribuição. Bruno Dias expôs todo o argumentário numa audiência na Assembleia da República com o ministro do Planeamento.

Pedro Marques recusou comentar o negócio, argumentando que o problema se coloca apenas ao nível das entidades reguladoras.

Na sua intervenção, o governante afirmou-se «seguro» de que «o regulador estará atento à situação da empresa».

Sobre a aprovação das entidades reguladoras, o CEO da Altice disse que a «expetativa» é que o «processo decorra de forma suave», tal como já aconteceu noutros países.

Mas suavidade está longe de ser consesual. «Acreditamos que a aprovação do negócio pelas autoridades portuguesas deve arrastar o processo e não excluímos uma análise aprofundada pelas autoridades da concorrência que pode criar obstáculos para a operação»,disse um analista de mercado citado pela imprensa especializada.

Além disso, «depois de o primeiro-ministro português ter feito comentários em relação à Altice, acreditamos que possa haver alguns obstáculos políticos para a Altice avançar com este negócio».

Veremos.