Greve. Governo preocupado com conflito na Autoeuropa

Fábrica de Palmela representa 1,1% do PIB de Portugal e é responsável por 3,7% das exportações, o alicerce do crescimento económico

O governo está apreensivo com o conflito que opõe a administração aos trabalhadores da Autoeuropa e que culminou ontem numa greve histórica que fez parar a produção da fábrica de Palmela.

A situação não é para menos. Na Autoeuropa assenta grande parte do sucesso da economia portuguesa. Os números históricos de recuperação que o ministro das Finanças anunciou na semana passada viriam por água abaixo caso, por exemplo, o conflito laboral chegasse a um ponto em que a fábrica alemã acabasse por decidir que o novo SUV – T-Roc – já não seria produzido em Portugal.

Na sexta-feira Mário Centeno convocou os jornalistas para comentar os dados da economia e garantir que a “execução orçamental permite antecipar o cumprimento dos objetivos orçamentais para 2017”.

O Orçamento do Estado para este ano prevê um crescimento do PIB de 1,8% e de 1,9% no próximo. Esta previsão de crescimento está alicerçada nas exportações e em junho, o Banco de Portugal destacava que as vendas ao exterior iriam ainda beneficiar “no final de 2017 e ao longo de 2018, do aumento previsto da capacidade produtiva de uma unidade industrial do setor automóvel”.

O modelo da Volkswagen (VW) que começou a ser produzido na Autoeuropa no início deste mês será responsável por 24% das exportações da fábrica. Até ao final de dezembro sairão 28 mil unidades, o que significa que quase 66% da produção irá ter lugar nos últimos cinco meses do ano.

Além do T-Roc, que é exclusivo, a Autoeuropa fabrica o Scirocco, o Sharan e o Seat Alhambra. Este ano as exportações vão crescer para 117 mil unidades e no próximo ano a produção total será de mais de 200 automóveis.

Mais de 180 mil serão VW T-Roc, a comercializar a partir de novembro no mercado europeu, seguindo-se a China e os EUA.

A marca acredita que até 2027 deverão existir 11 milhões de veículos deste modelo, que deverão gerar 40% das vendas.

A Autoeuropa pesa 1,1% no PIB português e representa 3,7% das exportações de Portugal – é a segunda maior exportadora do país a seguir à Galp, e a terceira maior importadora – consolidando três importantes mercados de destino dos veículos produzidos na fábrica de Palmela. Alemanha com 38,1%, China com 24,4% e Reino Unido com 7,5% são os principais destinos dos produtos saídos de Palmela.

Para a economia nacional, a perca de exportações nestes três mercados teria um efeito que dificilmente seria reparável a médio prazo. Além disso, a fábrica de Palmela, que apesar de ser a terceira maioria importadora portuguesa, conta com fornecedores portugueses para mais de metade do seu volume total de aquisições de bens e serviços. Uma qualquer disrupção na produção levaria a prejuízos em cadeia junto das empresas fornecedoras e teria um impacto na atividade económica significativa.

A administração aceitou reunir com o sindicato que convocou a greve, mas não aceita negociar enquanto não for eleita a nova comissão de trabalhadores – o que só acontece a 4 de outubro – que afirma ser o seu único interlocutor nesta matéria. Segundo os números da administração, apenas 41% dos trabalhadores aderiram à greve.

A decisão da administração de não dialogar com os sindicatos merece o protesto de Carlos Trindade, que faz parte da corrente do PS dentro da CGTP. Trindade acredita que esta posição da administração pode mesmo vir a reforçar aqueles que têm “uma visão radical” das relações laborais dentro da Autoeuropa. “São os trabalhadores que escolhem os seus representantes. Nenhum sindicalista pode aceitar que a empresa imponha interlocutores. Não se pode aceitar isto”.

Trindade afirma que há uma “questão estratégica” que importa resolver agora: conciliar melhores condições de trabalho com “a manutenção de elevados níveis de produtividade e competitividade” de uma fábrica que é referência a nível mundial e é “de uma importância capital para o tecido económico nacional”. Admite que, ao parar a produção, a greve “foi um êxito” mas que os sindicatos têm agora a “responsabilidade” e o “desafio” de fazer com que na Autoeuropa se mantenha a história de “direitos adquiridos de forma sustentada e manutenção de elevados níveis de produtividade”.