Governo paga 37 mil euros por focus group para reunião de Aveiro

Cidadãos que vão fazer perguntas ao primeiro-ministro e aos ministros recebem valores que ultrapassam os 200 euros. Governo e Universidade dizem desconhecer as condições oferecidas aos participantes no ‘focus group’ encomendado pelo Executivo da ‘geringonça’.

Governo paga 37 mil euros por focus group para reunião de Aveiro

O Governo gastou 36.750 euros para recrutar os 50 cidadãos que vão participar este domingo num estudo na Universidade de Aveiro e que depois vão colocar questões aos membros do Executivo de António Costa na presença dos jornalistas. O SOL sabe que, além das despesas de deslocação e alimentação, cada cidadão vai receber um valor que, nalguns casos, ultrapassa 200 euros. O reitor da Universidade de Aveiro, Manuel Assunção, assegura que a instituição «apenas disponibilizou o espaço» ao Governo, adiantando que o fez numa «lógica de cortesia».

Confrontado pelo SOL, o gabinete do primeiro-ministro disse que foi solicitado «ao centro de investigação GOVCOPP da Universidade de Aveiro a elaboração de um estudo quantitativo, coordenado pelo Professor Carlos Jalali que aborda duas vertentes: por um lado, o cumprimento das promessas por parte deste Governo e por outro as preocupações que os inquiridos identificam como prioritárias para o futuro».

Adiantando que, «de acordo com os critérios estabelecidos pelo centro de investigação GOVCOPP da Universidade Aveiro, foi solicitado à Aximage a definição técnica para a constituição de uma amostra adequada e que procedesse ao recrutamento dos participantes, bem como que assegurasse a gestão das deslocações que sejam necessárias efetuar pelos participantes, incluindo a realização de todos os atos necessários ao transporte, alojamento e refeições».

Cachet é quase meio salário mínimo

Mas um familiar de uma pessoa que foi contactada – e rejeitou o convite – revelou ao SOL que não foi só isso que foi oferecido. Maria (nome fictício), que vive fora de Aveiro, explica que as condições era bastante tentadoras: «Hotel, comida e transporte», além do pagamento de mais de 200 euros. Uma informação que depois o SOL confirmou junto de fontes próximas da instituição de ensino superior.

Outro dos detalhes que, segundo Maria, foi transmitido no convite foi a possibilidade de a comunicação social estar presente no evento, nomeadamente durante a sessão em que serão colocadas questões aos ministros, ou seja, da parte da tarde. 

O professor que coordena a parte científica, Carlos Jalali, explicou ontem ao SOL que, «à semelhança de qualquer estudo, foi feito um recrutamento em que se solicitava um painel que permitisse um estudo», adiantando que «os moldes através dos quais a empresa procedeu não são do [seu] conhecimento». Admite, no entanto, que terão de ser vistos «esses dados», até porque, diz, não podem ser feitos comentários sem se saber o que aconteceu.

Governo diz que desconhece condições de participantes
Questionado sobre se os cidadãos que estarão presentes no estudo e farão perguntas ao Governo tinham direito a alguma recompensa além do transporte, alimentação e alojamento, o gabinete do primeiro-ministro explicou que «os critérios da seleção e o acordo de recrutamento estabelecido com cada um dos participantes, tal como a sua identidade, é da exclusiva responsabilidade da Aximage». A mesma fonte afirma mesmo: «Ignoramos os respetivos termos aos quais somos alheios».

O SOL tentou ontem, em vão, contactar a empresa Aximage.

Mas se as condições dadas a cada cidadão não são do conhecimento do Governo (nem do conhecimento público), o valor total pago foi disponibilizado ontem no portal Base.com após alguns contactos exploratórios do SOL para diversas fontes. 
O contrato de adjudicação direta – não foi aberto um concurso público – refere que se trata da «aquisição de serviços de recrutamento de participantes para integrar um estudo quantitativo e uma sessão pública no âmbito da iniciativa de avaliação do segundo ano em funções do XXI Governo Constitucional».

No ajuste direto n.º 41BS-SGPCM/2017 da Presidência do Conselho de Ministros pode ler-se que «nos termos do artigo 95.º, n.º 1, alínea c) do CCP não é exigível a redução do contrato a escrito uma vez que: i. a prestação de serviços ocorre integralmente num prazo inferior a 20 (vinte) dias a contar da notificação da adjudicação; ii. a relação contratual extingue-se com a prestação de serviços; e iii. o contrato não está sujeito a fiscalização prévia do Tribunal de Contas».
Reação da Universidade 

Contactada ontem, fonte oficial da Universidade garantiu também desconhecer «os moldes acordados entre esta empresa e os participantes do painel em termos de compensação de eventuais despesas de deslocação, tempo ou outras», concluindo que «o financiamento previsto para este projeto para a Universidade de Aveiro está publicamente disponível na plataforma de compras públicas».