O problema do poliamor

PCP e Bloco não gostaram do arranque do novo tempo, com o PSD de Rui Rio disponível para acordos com o Governo.

Quantos cabem numa relação política? Depende. Em Portugal, o retorno do diálogo entre PS e PSD, a boiar num poço desde que António Costa se tornou primeiro-ministro e Passos Coelho foi para a Oposição, preocupa os partidos que deram a Costa a chance de ser chefe do Governo. Até que ponto é que António Costa pode praticar o poliamor político, tendo sido elevado a primeiro-ministro pelo Bloco de Esquerda e pelo PCP unidos contra a governação Passos/Portas?

A alegre e descontraída reunião que Rui Rio manteve com António Costa, e a promessa de acordos entre PS e PSD na descentralização e no quadro comunitário de apoio Portugal 2020/2030, não agradaram à Esquerda. 

A janela de diálogo privilegiado aberta com a eleição de Rui Rio é bastante mais do que um pauzinho numa geringonça que, apesar de altos e baixos, manteve-se inacreditavelmente – no sentido em que quase ninguém acreditava – oleada. 

O Bloco de Esquerda, nas jornadas parlamentares que começam esta segunda-feira, vai dar o sinal do descontentamento da nova linha de crédito aberta pelo Governo e destinada ao PSD para consensualizar os investimentos públicos a inscrever no próximo quadro comunitário de apoio a Portugal 2020/2030. Os bloquistas vão fazer uma viagem de comboio entre Torres Vedras e Caldas da Rainha para acentuar a necessidade de investimento público na ferrovia. Afinal, é com eles e com o PCP que acham que o PS deveria decidir as apostas.

Apesar de já ser antiga a proclamação de António Costa de que os investimentos públicos deveriam ser objeto de grande consenso entre os dois maiores partidos, a sua iminência provoca descontentamento à Esquerda. «O primeiro-ministro decidiu dar poder de veto à Direita sobre investimentos públicos, quando não há nenhuma obrigação de que exista uma maioria de dois terços», diz um bloquista ao SOL. 

Numa intervenção na Fundação Gulbenkian em março de 2017, Costa foi claríssimo: «Nos programas [de fundos comunitários] pós 2020 temos de ter uma validação de votação mínima por dois terços na Assembleia da República, de forma a assegurar a estabilidade política de investimentos. Estes projetos, tendo por natureza uma dimensão que excedem a duração de uma legislatura, têm necessariamente que possuir um consenso político alargado para terem estabilidade», disse o primeiro-ministro, afirmando que se «tem de aprender com erros do passado».

Joana Mortágua e o ‘colapso da social-democracia’

Um dos sinais do incómodo que este poliamor político, com a eleição de Rui Rio, veio trazer à conjuntura, é explicitada pela deputada Joana Mortágua, num artigo publicado na quarta-feira no jornal i. No texto, intitulado ‘À espera de Godot’, Joana Mortágua é duríssima com o PS (assumindo que o texto de Pedro Nuno Santos publicado antes do congresso do PSD era um recado para dentro do PS) e com a social-democracia europeia em geral: «Os governos do Partido Socialista Europeu, em Portugal e na Europa, durante décadas encabeçaram o movimento privatizador dos setores públicos e participaram na porta giratória entre negócios e cargos políticos. O programa eleitoral com que o PS concorreu às eleições legislativas de 2015 não é contrário a esta análise, antes a confirma. Foi o programa mais liberal que os socialistas portugueses alguma vez apresentaram». A solução portuguesa «resulta de condições excecionais» e «a social-democracia, rendida política e ideologicamente à economia de mercado, não apresenta alternativa ao modelo conservador da austeridade». Se Costa quiser aliar-se a Rio, o programa é este, para a dirigente bloquista.

O PCP, inusitadamente, fez um comunicado oficial, onde afirma que «não podem deixar de ter significado as expressões de consensualidade que marcaram o encontro de Rui Rio e António Costa do que revelam de convergência de opções e posicionamentos que PS e PSD partilham em matérias estruturais, como são exemplo as opções em matéria de legislação laboral e de submissão à União Europeia». Os comunistas quiseram registar «quer as declarações de Rui Rio sobre o que designa como uma nova fase no relacionamento com o Governo quer ainda, de maior significado, a assumida articulação entre PS e PSD para reformas estruturais como a chamada ‘descentralização’, quer quanto aos Fundos Comunitários (com o conjunto de opções em matéria de desenvolvimento e destinatários)». Para o PCP isto «confirma que o PS e o seu Governo assume cada vez mais a convergência com o PSD e o CDS». Para travar o bloco central, «exige-se o reforço do PCP e da sua influência política».