O dramático discurso do Presidente em outubro, a seguir à segunda catástrofe de 2017, já continha a mensagem: «Para mim, como Presidente da República, o mudar de vida neste domínio é um dos testes decisivos ao cumprimento do mandato que assumi e nele me empenharei totalmente até ao fim desse mandato. Impõem-no milhões de portugueses mas impõem-no sobretudo os mais de 100 portugueses que tanto esperavam da vida no início do verão de 2017 e não chegaram ao dia de hoje».
O que era apenas subliminar no discurso de outubro – provavelmente o mais violento feito contra um Governo – foi esta semana explicitado numa entrevista à Rádio Renascença e ao Público. Taxativamente, o Presidente da República anunciou que «voltasse a correr mal o que correu o ano passado (…) isso seria, só por si, impeditivo de uma recandidatura».
Há um homem que tem, diretamente, nas mãos a recandidatura do Presidente da República – chama-se Eduardo Cabrita e é ministro da Administração Interna. Acima do ministro, é evidentemente que é António Costa que passa a ser o responsável primeiro pela decisão de Marcelo de se recandidatar ao cargo.
António Costa, um otimista histórico especialista em desdramatizações, voltou esta semana no Parlamento a insistir que nunca se demitiria em caso de nova tragédia – «Eu assumo sempre as minhas responsabilidades e a responsabilidade de um governante quando há um problema não é demitir-se, é resolvê-lo, é isso que eu farei». Há quem afirme que o Presidente demitiria o Governo em caso de nova tragédia, mas isso não é garantido, nomeadamente se as taxas de aprovação do Governo se mantiverem tão altas como têm estado. É por isso que Marcelo prefere a alternativa: se a catástrofe se repetisse, pré-anuncia a sua própria ‘demissão’ que seria a não recandidatura do Presidente que conquistou num instante praticamente todos os portugueses.
A verdade é que o povo, para já, gosta da dupla Marcelo/Costa e dá aos dois altas taxas de popularidade. E o PS não exclui de todo o apoio a uma recandidatura de Marcelo – num movimento similar àquele que fez o PSD liderado por Cavaco Silva apoiar em 1991 a recandidatura de Mário Soares.
Marcelo, muito antes de ser formalmente candidato a Presidente – embora já estivesse obviamente a pensar no cenário – defendia a revisão constitucional para que os Presidentes passassem a cumprir um único mandato de sete anos. Disse-o ainda como comentador da TVI a 26 de janeiro de 2014.
Durante a campanha presidencial deixou no ar que poderia fazer só um mandato mas, publicamente, nunca se comprometeu com essa opção. «Em rigor», o candidato não recusou um eventual segundo mandato. Limitou-se, segundo disse, a referir «o sistema que há noutros países, com um só mandato presidencial mais longo».
Em campanha, no dia 11 de janeiro de 2016, disse: «Eu prefiro pecar por omissão assumindo o mínimo de compromissos relativamente a um eventual mandato presidencial do que pecar por excesso». E, de resto, fez depender qualquer decisão sobre um eventual segundo mandato de fatores alheios à sua vontade como «a evolução económica, social e política do país».
No ano passado, estabeleceu o timing para tomar uma decisão: «O ideal para mim era haver só um mandato de seis ou sete anos. Não sendo assim, vou decidir até setembro de 2020», disse em janeiro de 2017 à SIC.
Até à decisão, faltam três épocas de incêndios: a de 2018 começa agora, a de 2019 coincide com as legislativas e a de 2020 já terá um novo Governo em funções.