Para o líder do PSD, a votação que hoje começa é um exercício de “democracia” dentro do próprio partido. A Assembleia da República debate, esta tarde, quatro diplomas do PS, Bloco de Esquerda (BE), PEV e PAN sobre a despenalização da eutanásia. Com o chumbo previamente anunciado dos deputados da bancada comunista, a decisão de viabilizar a morte medicamente assistida está nas mãos do PSD e do PS – cujos deputados têm liberdade de voto.
Mas se, do lado dos socialistas, a votação promete ser quase unânime – só Ascenso Simões deverá mostrar-se contra -, no PSD há opiniões divergentes e ontem ainda se faziam contas aos votos de eventuais ‘desalinhados’: há sete deputados garantidamente do lado do ‘sim’ – Paula Teixeira da Cruz, Adão Silva, Margarida Balseiro Lopes, Teresa Leal Coelho, Pedro Pinto, Cristóvão Norte e Duarte Marques; há pelo menos uma abstenção – Bruno Vitorino; há indecisos que tiveram de tomar uma decisão à última hora – como António Taipa, deputado de Aveiro, que decidiu, no fim de semana, juntar-se à maioria e votar contra. E há quem esteja ausente da votação, como Rui Sá, de Braga, que está na China.
Votação secreta
O início do debate está marcado para as 15 horas e os trabalhos prometem ser longos, sendo que ontem ainda se discutiam detalhes técnicos. O líder do PSD, Rui Rio, afirmou que preferia que os deputados pudessem recorrer ao voto secreto. Uma ideia rapidamente descartada pelo presidente do PS. Carlos César rejeitou a proposta e, no final de um encontro com o Presidente da República, aproveitou para dar uma alfinetada a Rio: “Dia sim dia não há sempre uma observação do dr. Rui Rio sobre algo que se está a passar. Mas, infelizmente, o que nos custa ver é que ainda não houve um dia em que ele apresentasse uma única proposta sobre uma única coisa que interessasse aos portugueses”.
Não foi só esta a facada ao líder do PSD. Vários deputados do partido lançaram ontem uma espécie de ofensiva em massa contra a eutanásia, sob a forma de artigos de opinião em jornais. E a antiga ministra Maria Luís Albuquerque – que escreveu no “Observador” que é contra – disse-se mesmo “preocupada e chocada com as declarações” de Rui Rio sobre alegadas “pressões” de quem é contra a despenalização sob quem concorda. “Parece-me que a livre expressão dos cidadãos sobre um tema para o qual não foram consultados não pode ser considerada uma pressão sobre o Parlamento”, escreveu a antiga ministra de Passos Coelho.
“Consciência”
Durante a tarde, Rio apelou aos deputados que ajam “em função da sua consciência” durante a votação de hoje e acrescentou que a liberdade de votar é a “democracia” a funcionar, algo que “pressupõe que não haja pressões”.
Enquanto isso, o deputado Hugo Soares escrevia no “Público” sobre o tema da “consciência”. “Pode um deputado, quando chamado a votar, cingir-se apenas à sua consciência quando lhe é dada liberdade de voto? A resposta, para mim, é não”, escreveu, acrescentando não acreditar que a eutanásia possa ser decidida “sem que a escolha recaia sobre o povo soberano”. Em linha com o que Assunção Cristas afirmou a semana passada, Hugo Soares deixou ainda uma pergunta: “Se os partidos concorrentes nas últimas eleições legislativas tivessem plasmado a eutanásia como política a adotar, o resultado eleitoral era o mesmo?”
Cartas pelo não
Nos últimos dias, os deputados do PSD receberam pelo menos duas cartas em que são demovidos de votar a favor dos projetos de lei da eutanásia e da morte medicamente assistida. Uma de Santana Lopes, apelando ao chumbo. E outra do antigo presidente da Assembleia da República Mota Amaral. “Estou em crer que uma parte importante dos eleitores do PSD não se identifica com a engenharia social das questões fraturantes, a derradeira das quais é a eutanásia”, escreveu Mota Amaral. O histórico do PSD foi mais longe e deixou um conselho, recordando que, nas últimas eleições, o PSD perdeu “centenas de milhares de votos e bem convinha não seguir pelo caminho que pode reduzir ainda mais o apoio popular ao PSD”.