Paula Teixeira da Cruz: ‘Não temos feito propriamente uma oposição’

Antiga governante diz que falta um rumo ao PSD e responsabiliza a direção de Rui Rio pelas querelas internas. Sobre a PGR diz que foi mal tratada na saída.

A ex-ministra da Justiça e atual deputada do PSD recebeu o SOL no seu gabinete na Assembleia da República para fazer um balanço da estratégia do seu partido, da Justiça, mas também do Parlamento.

 Foi ministra da Justiça durante mais de quatro anos. É deputada do PSD no Parlamento. Qual é o cargo que mais gosta?

Vamos ser muito claros. Infelizmente esta casa deixou de ser há muito a casa da democracia. E deixou de o ser por várias razões. A primeira resulta do facto de que o ambiente político de fiscalização da Assembleia da República sobre o Governo não existir. Isto é, os senhores membros do Governo vêm aqui às comissões, não respondem, os debates são muito pouco elevados – e estou-me a referir, em particular, aos debates quinzenais – não há um debate igualitário, um debate que não passe pelo insulto, não há um debate aprofundado, um debate estudado, e tudo isso menoriza o Parlamento.

A responsabilidade é de quem? Do Governo? Da oposição? Dos dois lados? De todos os partidos, incluindo o PSD?

Diria que a responsabilidade é de todos os partidos. A maior responsabilidade é da maioria que se formou e que tem tido um tom de exclusão e tem tratado aquilo que passou a ser a oposição – embora importe lembrar que ganhou as eleições em 2015- de uma forma que não é democrática.

O PSD ficou com um trauma deste acordo à esquerda?

Não é trauma nenhum. Se procurar declarações minhas constata que eu disse que gostaria de acordos transversais, que fossem muito para além dos acordos tradicionais. Não há trauma nenhum. 

Faz um retrato de perda de qualidade na casa da democracia. Quais são as soluções para colmatar essa falta de qualidade que aponta?

Se me pergunta se neste momento a casa da democracia perdeu qualidade? Perdeu. Estruturalmente não é verdade. Se olhar para várias legislaturas anteriores, as regras eram as mesmas e verá que não se passava o que está a passar agora. Está a perder-se tempo num conjunto de insultos, e a discutir-se questões importantes com grelhas mínimas [de tempos]. Por por outro lado, os membros do Governo fogem à fiscalização quando são chamados às comissões.

António Costa dá um contributo decisivo para essa falta de respostas do Governo que aponta? É o grande responsável?

Não. Direi que se conjugou a tempestade perfeita. Isto é, há uma marca ideológica de alguns dos partidos que apoiam o Partido Socialista. Agora, a verdade é que António Costa tem sido cúmplice de uma menorização do Parlamento.

Quer voltar a ser deputada?

Eu? Isto é sacrificial. Nunca! Foi a pior experiência da minha vida. Em primeiro lugar, vamos ser claros: eu sou sobretudo uma advogada. Estive emprestada como ministra cerca de quatro anos, quatro meses, uma semana, um dia e três horas, se a memória não me falha. E fiz aquilo que correspondia a uma conceção do sistema de Justiça que tinha. E correspondia à confiança do primeiro-ministro. Eu não estou em regime de exclusividade, felizmente, sob pena, aliás, de poder perder a sanidade mental porque, objetivamente, a casa da democracia deixou de ser a casa da democracia. E para quem reflete filosoficamente sobre o trabalho das instituições, isso não deixa de ser profundamente triste. 

Isso significa que não vai cumprir o mandato até ao fim?

Veremos.

Dependerá de que circunstâncias? Da liderança da bancada? Do espaço que lhe dão para falar?

Não, não, não. Quanto ao espaço que nos dão para falar já abordaremos a questão, até porque temos sempre os minutos regimentais a que podemos recorrer e, portanto, eu não estou desconfortável. Não preciso falar muito, preciso é de fazer muito. E é isso exatamente que me choca. O que não se faz nesta Assembleia. E que se deveria fazer. E com profundidade.

Quando esta liderança da bancada do PSD foi eleita, disse que o tempo, esse grande amigo do homem, se encarregará de resolver muita coisa. Fernando Negrão é o homem certo no lugar ou deveria dar a vez a outros?

Não vou escamotear a questão. Aquilo que eu entendi desde o início é que havia um regulamento para a eleição da liderança da bancada. E esse regulamento falava em maioria. Quando se fala em maioria é de 50 por cento mais um. Não se fala em maioria relativa. A menos que existam vários candidatos. Foi a interpretação jurídica correta, ou incorreta, que fiz e faço. Mantenho o que disse e não tenho muito a acrescentar.

Se pudesse escolher outro líder da bancada, quem escolheria?

É a bancada que tem de escolher e a bancada tinha um líder [Hugo Soares] eleito há pouco tempo que estava a dar boas provas em sede de oposição, reconhecidas unanimemente e com um ambiente de bancada muito construtivo e muito sereno sobre as suas intervenções. A maior parte delas foram, de resto, notáveis.

Isso significa também que com a entrada de nova direção do partido, de Rui Rio, se perdeu essa imagem de oposição?

Na minha opinião, neste momento, não temos propriamente feito oposição. Isto é, falta uma linha condutora com projetos, com ideias e com a concretização desses projetos e dessas ideias. E eu não tenho visto isso.

Quando diz falta uma linha condutora, faltam bandeiras ao PSD?

Falta um rumo. Faltam projetos dirigidos aos portugueses. Faltam bandeiras, sim senhor, que temos deixado que outros as usurpem e que são bandeiras sociais que sempre tivemos.

Sem linha condutora, o PSD está completamente sem rumo? É isso que defende?

Não diria que seja um PSD completamente sem rumo. Eu é que não o conheço.

Não conhece porque Rui Rio não o partilha com os deputados, com o país?

Penso que a atual direção se tem preocupado em virar para dentro do partido. Ou seja, aquilo que tem acontecido é uma linha de contestação relativamente a quem não está de acordo com a atual atuação da direção. E isso custa-me porque mais uma vez invoco o ADN do PSD, que é um ADN de liberdade de expressão dentro do partido. Todos sabemos que durante o Governo do Dr. Pedro Passos Coelho várias pessoas se manifestaram publicamente e não houve nada de dramático nisso, incluindo a atual direção.

Considera que Rui Rio tem sido incendiário com quem o critica?

Incendiário ou não, isso não nos leva a lado nenhum. E esse é o ponto. Uma pessoa pode ser incendiária, na medida em que tenha projetos, que sejam projetos difíceis, mas que sejam projetos que possam trazer esperança ao país. Nessa medida o ser incendiário não é propriamente negativo. O problema é quando se caminha para uma desconstrução partidária. Isto é, não se respeita a diferença de opinião que sempre foi tradição no PSD e de que o próprio Dr. Rui Rio beneficiou.

Quando fala em desconstrução partidária, quer dizer desconstruir para recompor, ou desconstrução para destruir? Rui Rio está a acabar com o partido? É isso que está a dizer?

Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Neste momento há o fomentar por parte da direção de divisões no partido. Desnecessárias. Há o direito à crítica , o direito de ter uma opinião diferente. Agora, não me parece que possa haver um convite para sair aos que não concordam connosco, a cada minuto. Porque isso pode levar a resultados negativos, como estamos a ver, designadamente, com a constituição da Aliança. Temos tido nota da desfiliação, quase diariamente, de militantes que estão há muitos anos no partido. Isso não é desejável. É desejável que as pessoas discutam as questões em saudável divergência. Mas para isso é necessário que existam questões para discutir.

Não equaciona sair do PSD por causa destes episódios?

Eu não. Já estive em discordância com vários líderes e não foi por isso que me senti menos confortável. Agora há discordância na lealdade. Pode-se discordar lealmente. Agora não aceitar discordâncias é que não. Não me filiei no partido estalinista.

Está a dizer que Rui Rio segue uma linha autoritária.

Estou a dizer que nenhuma direção pode defender que ‘quem não está de acordo comigo, vá-se embora’. Porque isso é uma lógica de exclusão. E as lógicas de exclusão nunca deram bons resultados. Pelo contrário. É da diversidade de ideias que nascem soluções. Portanto, não posso estar de acordo com esta linha interna que está a ser seguida. Isso é evidente.

O líder do PSD tem condições para ir a votos nas Legislativas de 2019?

Eu não conheço a estratégia do líder. Para responder à sua pergunta era preciso que eu conhecesse ou reconhecesse nesta direção uma estratégia. Até agora não a conheço.

Seria útil haver um congresso para avaliar a estratégia? Ou seja um congresso que funcionasse ou como moção de censura ou como moção de confiança? Ou acha que é descabido com tão poucos meses de liderança?

Penso que isso se pode fazer nos conselhos nacionais. Aliás, tem acontecido nos últimos conselhos nacionais em que alguns militantes têm podido dizer claramente aquilo que pensam. Como é evidente não vou dizer que esses conselhos nacionais me tenham agradado, porque foram conselhos nacionais densos formalmente, mas não foram conselhos nacionais densos substancialmente.

Não se discutiu um projeto de país do PSD. O que se projetou foram as críticas.

Fizeram-se ouvir vozes muito críticas em reação à linha interna da direção e tenho de dizer e reconhecer: com muita razão.

O PSD tem perdido muito tempo a discutir a estratégia da direção em relação às críticas?

A discutir a estratégia interna da direção e não a discutir os problemas dos portugueses. E apresentar a execução daquilo que foi o nosso legado.

Em 2019 essa estratégia pode ter um custo muito elevado ou considera que não terá impacto?

Depende do que me está a perguntar. Isso o quê? A defesa do nosso legado?

Não. A gestão de críticas internas. Este desgaste pode ter efeito no eleitorado tradicional do PSD?

Obviamente, um partido virado para dentro dificilmente cativará o eleitorado. E não é isso que se deseja, nem é isso que se quer e ninguém está… Não há aqui ,digamos assim, uma oposição organizada interna. E portanto não há razão para haver este discurso para dentro tão desagradável, para ser branda, com os seus próprios militantes.

O líder do PSD tem de mudar de estratégia ou mudar de vida?

Sugeriria que em primeiro lugar a estratégia fosse apresentada, como disse há pouco, e sob pena de cair em contradição, eu não conheço a estratégia e não acredito que a maioria dos portugueses a conheça.

É grave?

Para mim é grave porque aquilo que sempre presidiu ao meu pensamento foi, naturalmente, o bem estar e o crescimento do país, e dos portugueses. Não é propriamente a questão das querelas internas. A questão das querelas internas importa muito pouco.

Então o líder do PSD deve continuar até 2019?

Penso que a direção deve repensar o caminho que percorreu até agora. Aliás, a criação da Aliança é uma prova disso. Está à vista de toda a gente que a Aliança levou militantes a desfiliarem-se do PSD. Portanto, este não é o caminho certo. Há que inverter o caminho.

Receia uma erosão eleitoral com a criação da Aliança de Santana Lopes?

Ainda não estou em condições de dizer se haverá uma erosão eleitoral. Mas que existem militantes que passaram para a Aliança, e se desfiliaram para a Aliança, existem. E, portanto, tende a reduzir, não tende a aumentar.

De tudo o que disse, não vai subscrever o pedido de congresso extraordinário de André Ventura.

Claro que não. Eu e o dr. André Ventura, com todo o respeito, temos muito pouco em comum. Para não dizer que não temos nada.

Para fecharmos este ponto, gostaríamos de saber se considera que o PSD está obrigado a ganhar as Europeias e Legislativas de 2019?

Penso que nunca se pode dizer que um partido está obrigado a ganhar as eleições. E explico porquê. Porque respeito demasiadamente a vontade popular. Isso seria uma visão muito totalitária. A democracia é um exercício quotidiano. Implica uma prática quotidiana, por isso, é que falo muito na disrupção democrática que hoje vivemos. Eu não considero que vivamos hoje em completa democracia, uma democracia plena. Eu considero que existe, de facto, essa disrupção. Desde logo, existe essa disrupção nesta casa [Parlamento], quando não fiscaliza o Governo e é para isso que ela é eleita.

Vou insistir na pergunta sobre o futuro de Rui Rio. Se não ganhar eleições e tiver um valor abaixo dos 30 por cento, deve sair?

Aí penso que os militantes devem tirar as ilações. Dependendo do que acontecer e também do resultado dos outros partidos. Se me pergunta se há ilações a tirar? Com certeza que há ilações a tirar.

Se estivesse no lugar de Rui Rio teria tentado demover Santana Lopes de criar a Aliança? 

Eu nunca estaria no lugar do dr. Rui Rio, logo a questão não se põe. Se me perguntar se eu teria feito tudo, tudo, enquanto militante do PSD, para que essa rutura não viesse a suceder? Teria.

Rui Rio leva falta de comparência por não ter evitado a saída de Pedro Santana Lopes?

Não conheço os detalhes, mas como disse nunca estaria no lugar do dr. Rui Rio. A todos os títulos. Quer ideologicamente, quer do ponto de vista de atuação.

Se tivesse de dar um cartão a Rui Rio qual daria: amarelo, vermelho?

Não penso que deva levar cartão algum neste momento. Ainda não há uma estratégia. Se alguém me disser qual é a estratégia para os vários setores eu agradeço humildemente a explicação.

Mas conseguiu perceber o que pretende fazer o PSD na Justiça? Uma das propostas é rever o mapa judiciário que criou.

Bom, o mapa judiciário contém uma norma que prevê a sua revisão periódica. Porquê? Às vezes é preciso ler os diplomas. O mapa judiciário está feito como um harmónio. Ou seja, se há mais procura num determinado local, como por exemplo, num tribunal competente em família e menores, então ele está preparado para que esse juízo seja criado. Ou, se há mais necessidade de um juízo criminal, ele está preparado para isso. Se, por outro lado, diminuir muito a procura, ele também está preparado para que esse tribunal seja encerrado. Por isso é que o próprio mapa judiciário prevê a sua revisão. E a sua adequação. Agora parece-me que existem algumas coisas que não podem ter retrocesso.

Tais como?

A especialização é essencial. Aliás, isso explica a diminuição brutal do número de pendências que se fez sentir assim que o mapa judiciário entrou em vigor, a gestão das comarcas, os objetivos dos tribunais, o escrutínio pelos conselhos consultivos e os prazos para os magistrados. Nós esquecíamo-nos que os magistrados não tinham prazos para decidir. E agora têm. Qual é o problema que subsiste? Os processos anteriores [à entrada em vigor da reforma da Justiça] estão a ser deixados para trás, porque não era possível impor um prazo sob pena de inconstitucionalidade.

Se o PSD quiser rever o mapa judiciário, mas também a reforma que introduziu, com algumas imposições da troika, isso significa…

Não, não. Das primeiras coisas que fiz foi renegociar o memorando da troika que o PS tinha assinado e que previa o fecho de 47 tribunais. Aliás, acho extraordinário como é que extinguir 20 secções de proximidade se sobrepõe a um esquecimento coletivo de que o PS previa o encerramento de 47 tribunais. Mais, no memorando da troika o que tínhamos eram medidas, eu diria, quase que pontuais. E nós precisávamos de uma arquitetura nova do sistema. Tínhamos um código de processo civil e uma organização judiciária, a organização judiciária basicamente tinha 200 anos. Teve alterações, sim senhora, mas a lógica era a mesma do tempo em que andávamos de charrua. O código de processo civil estava feito para as questões de água, vizinhança, com imensos expedientes dilatórios. Era preciso pôr um fim a isso tudo. O código de processo dos Tribunais Administrativos era um alçapão permanente. Costumo dizer a brincar que levei quatro anos a legislar contra mim como advogada. Isto é, eliminando esses expedientes e clarificando e responsabilizando os vários agentes do sistema judiciário. Nessa medida, estas reformas têm sido elogiadas pelos presidentes de comarca, internamente e têm sido elogiadas externamente. Aliás, não me esqueço que, relativamente aos meios alternativos de resolução de litígios, isto é às outras formas de resolver os problemas sem ir a tribunal, fomos considerados pioneiros nessa matéria, com um regime que instituímos entre nós. Não fomos beber a lado nenhum. Se me perguntar se há alguma coisa para fazer? Com certeza, em quatro anos não se faz tudo.

Concorda com a estratégia do PSD de contactar partidos para avançar com uma reforma para o setor?

Não, não concordo nada. Vamos lá ver. Ninguém tem a arrogância intelectual de dizer que não é possível melhorar, mas para fazer essas melhorias é preciso saber do que estamos a falar. Vamos voltar aos expedientes dilatórios do Código Processo Civil? Vamos retirar as especializações? Ai não, isso é grave, isso já é muito grave.

As alterações podem representar outra traição de Rio, similares à escolha de Elina Fraga como vice-presidente do PSD, como defendeu?

Não personalizo as questões e para mim há uma direção do PSD. Essa direção do PSD define, o que tiver a definir, quando o definir. Volto a dizer, agradecerei humildemente quem me explique qual é a estratégia do PSD neste momento. A não ser renegar o legado que teve, mesmo sem explicitar aquilo que renega.

Faz uma semana que foi anunciada a escolha da nova procuradora-geral da República e defendeu que a procuradora-geral da República não foi reconduzida porque “incomodou muita gente”. Quem incomoda Joana Marques Vidal?

Essa é a minha profunda convicção. Não preciso de falar nos processos que surgiram desde que Joana Marques Vidal tomou posse e na forma serena, mas tenaz, como dirigiu o Ministério Público. Isto está à vista de todos nós. Houve um tempo de impunidade que mudou claramente. E, portanto, pobres e ricos, mesmo aqueles que se julgavam intocáveis, passaram a ter que responder perante a Justiça. Há um antes e há um depois. Embora, eu tenha de fazer justiça, por exemplo, a alguém que lutou pela autonomia do Ministério Público, como foi o caso do dr. Cunha Rodrigues e do dr. Souto Moura.

E não a Pinto Monteiro?

Não a Pinto Monteiro. O conselheiro Pinto Monteiro foi o procurador-geral que mais poderes teve na democracia portuguesa. E não vimos suceder nada.

Não se acha suspeita para falar desse assunto por Joana Marques Vidal ter sido uma escolha sua?

Foi uma indigitação minha. Repare, a dra. Joana Marques Vidal não pertence à minha área política, como não pertenceram outras pessoas que nomeei, como o dr. António Cluny para o Eurojust, pessoas que mantive em cargos dirigentes e que vinham do Governo anterior. Houve uma avaliação, o perfil correspondia e bem àquilo que era expectável e portanto não tenho nenhuma suspeição desse tipo, até por provas dadas.

Diz-se que um PGR não faz um Ministério Público, porque acha que na altura de Pinto Monteiro não foi feito mais pelo MP?

Penso que aquilo que acontece é: quando alguém é proativo e está no topo de uma hierarquia naturalmente que imprime essa proatividade a essa hierarquia. Quando não é proativo não imprime.

Hoje há uma perceção de que a sociedade acredita muito mais na Justiça. Acha que é apenas uma perceção ou conseguiu-se essa credibilização?

Daquilo que é a minha experiência enquanto advogada, o que acontece hoje é bastante diferente. Ter inquéritos resolvidos em quatro meses não era propriamente normal…

Mas outros há que se continuam a arrastar durante anos…

Porque são anteriores às reformas e portanto não havia os tais prazos.

Sim mas isso justifica que investigações como o Monte Branco estejam parados há tanto tempo?

Mas isso é um processo que vem de há muito anos. Não é sujeito ao regime da reforma.

O PSD esteve bem ao não deixar clara qual a sua posição sobre a recondução de Joana Marques Vidal?

Aquilo a que tive oportunidade de assistir foi a um discurso evolutivo. Lembro-me do presidente do partido dizer inicialmente que não fazia uma avaliação positiva do trabalho de Joana Marques Vidal e depois houve uma evolução. Esse tiro de partida não foi feliz.

Na relação entre Presidente e primeiro-ministro, ficou dececionada com Marcelo Rebelo de Sousa por não fazer finca pé na recondução de Joana Marques Vidal?

A vida já me ensinou a não me dececionar com nada. Agora, cabe de facto do ponto de vista formal ao Governo propor um nome e ao Presidente nomear. Que eu gostaria de ter visto Joana Marques Vidal reconduzida, isso não é segredo para ninguém. Estava a fazer um bom trabalho e, como se costuma dizer em outra sede, em equipa que ganha não se mexe.

Mas gostaria que o Presidente tivesse insistido?

O Presidente da República atuou institucionalmente, como o Governo o fez. Outra coisa é o juízo valorativo que cada um faz de nós.

Então esteve bem o Presidente?

Não sei o que se passou naquele período de tempo, aliás o timing escolhido para anunciar a saída da procuradora-geral até me pareceu estranho, o timing, a hora – enquanto decorria um jogo de futebol – como se as coisas se pudessem tratar assim. Não posso dizer que do ponto de vista institucional – e como cidadã – tenha ficado satisfeita com todo este processo.

Joana Marques Vidal foi mal tratada no final deste mandato?

Penso que sim.

Num outro qualquer contexto, Lucília Gago era um nome que poderia escolher?

Não seria o primeiro nome que me ocorreria. No meu entender, Joana Marques Vidal devia continuar.

Mas parece-lhe que não sendo Marques Vidal a escolha, Lucília Gago pode manter um MP independente e que toque tudo e todos?

Espero que continue o trabalho da atual procuradora-geral da República. Como em tudo, é preciso depois ver a execução.

Mas conhece o trabalho de Lucília Gago?

Não particularmente…

Quando referiu que Joana Marques Vidal incomodou muita gente, está a falar do PS com a Operação Marquês?

Não. Estou a falar de todos aqueles que tiveram de responder perante a Justiça independentemente do partido a que pertenciam. Não estou a partidarizar a questão. Seja quem for. Afirmei isso publicamente, que acabou o tempo da impunidade – e fui muito criticada com essa frase. O que quis dizer com isso foi muito simples: não pode existir uma Justiça para ricos e outra para pobres. Não pode acontecer que aqueles que têm dinheiro para advogados prolonguem os processos até prescreverem (coisa que hoje já não é possível porque nós introduzimos uma alteração profunda nas prescrições). Para acabar com esse outro tempo eram preciso perfis, a dra. Joana Marques Vidal estava nos Açores e era procuradora da República, nem sequer era procuradora-geral adjunta. Eram perfis que queria, não eram pessoas.

Mas um dos processos que avançou na era Marques Vidal foi a Operação Marquês e um ex-primeiro-ministro esteve em prisão preventiva. Processos como este podem ter sido determinantes para a não recondução?

Não sei se foi isso que foi determinante ou não, porque não conheço o procedimento, agora as relações entre o Partido Socialista e a Justiça nunca foram fáceis. Nunca foram fáceis e, de alguma forma, todos nós nos recordamos da paralisia durante os Governos do PS relativamente à Justiça. Se me tentarem indicar uma reforma da Justiça que a libertasse, que a tornasse absolutamente independente não se recordarão naturalmente de nenhuma, tal como também não me recordo nestes últimos três anos.

Está a fazer uma avaliação negativa da atual ministra?

Não, só estou a dizer que não houve nenhuma reforma… se me indicarem uma…

E que reformas acha que poderiam ter sido essenciais?

Não me peça que dê ideias, a senhora ministra deveria saber. Ainda há muita coisa para rever. Nós, aliás, deixámos lá prontos dois projetos bastante importantes e prontos, discutidos, com as audições feitas que nunca viram a luz do dia. E tinham a unanimidade dos respetivos setores.

Além da Operação Marquês houve outras investigações que foram muito mediáticas. Casos que mostram alegados esquemas criminosos levados a cabo por magistrados como aconteceu no caso Fizz e Lex contribuem para credibilização da Justiça ou tiram-lhe crédito?

Penso que dão mais crédito, porque mostram que ninguém está impune.

Mas também mostram que durante anos houve alegados comportamentos ilícitos dentro do Ministério Público e de tribunais?

Mas mostra que esse tempo acabou. Ninguém está acima da lei.

No caso da Operação Fizz.

Temos de falar em abstrato, porque não conheço nem devo.

O que lhe queria perguntar era a respeito da transferência de parte do processo para a Justiça de um outro país da CPLP. Considera um desfecho como este correto?

A partir do momento em que está previsto num acordo esse procedimento ou se denuncia o acordo ou se cumpre o acordo. A questão é tão simples quanto esta. 

Mas foi o MP que em determinados momentos disse que a Justiça angolana não oferecia garantias para julgar Manuel Vicente.

Repare, durante a tramitação de um processo, o que sucede é que vários intervenientes vão manifestando a fundamentação das suas decisões. Penso que aquilo que temos visto suceder em Angola não nos levará a essa conclusão.

Como vê que o primeiro-ministro tenha classificado sempre este processo como um ‘irritante’?

Considero lamentável, porque uma questão de Justiça nunca é nem pode ser um irritante ou o irritante. As questões de Justiça devem ser dirimidas nos fóruns próprios e classificar um processo judicial como um irritante revela, no mínimo, uma deficiência no princípio da separação de poderes. Uma deficiência de conhecimento desse princípio. Fui a Angola enquanto ministra já esse processo decorria e não tive qualquer embaraço.

Considera que a visita de António Costa a Angola foi uma vitória para Portugal?

Como é que posso avaliar como vitória uma visita que demora três anos a ser conseguida? Três anos. Claro que não até porque Angola sempre foi um parceiro privilegiado.

Voltando à questão do irritante, o uso deste termo a as reações políticas após a decisão de enviar o processo para Angola, podem deixar a impressão de que houve interferências?

Penso que como já aqui disse o PS nunca se deu bem com a Justiça. Não preciso de recuar muito tempo, nem de falar de muitos processo. Não estou a dizer que não haja pessoas no PS que compreendem e respeitam. Mas sempre houve uma tentativa de interferência. E a avaliação que faço quando a isso é muito negativa.

Mas na decisão de mandar o processo para Angola considera que pode ter havido interferência?

Francamente não, porque de facto existe aquele acordo e já uma vez me pronunciei publicamente sobre isso. Existindo aquele acordo é difícil não o cumprir.

Há uma outra operação, a Labirinto, conhecida como Vistos Gold, que lhe bateu na porta ao lado. Visava o então ministro da Administração Interna, Miguel Macedo, e Maria Antónia Anes, ex-secretária-geral da Administração da Justiça. Como foi gerir esse período?

Antes de mais tenho de dizer que os dois eram bons dirigentes, não vou dizer que não. Claro que não foi fácil lidar com uma situação dessas, agora a Justiça tem de fazer o que tem a fazer. Nós podemos ter familiares que cometem crimes, não deixamos de ter muitas vezes apreço, mas fizeram, respondem. 

Chegou a ter essa conversa com algum deles?

Não.

 Nunca falou?

Houve uma, duas pessoas que fui visitar, como faria com qualquer pessoa da minha família que tivesse praticado um ato desses, agora falar sobre a operação não.

Soube o que se tinha passado ao certo?

Houve muita coisa que tive de saber até porque fui testemunha, mas há muita que continuo a ignorar como é evidente.

Do ponto de vista político, Miguel Macedo ficou com a carreira terminada?

Espero sinceramente que não.

Para fecharmos esta entrevista, volto às questões políticas. Falta um ano para as legislativas. Daqui a um ano, gostaria de ver Rui Rio como primeiro-ministro ou antecipa um cenário em que António Costa possa vir a ter uma maioria absoluta?

Naturalmente, espero que o PSD recupere o lugar que conquistou de primeiro-ministro ao ganhar as eleições de 2015.

Em relação ao seu futuro político, encerra a sua atividade aqui? Que cargo se vê a desempenhar?

Não encerro a minha intervenção cívica, mas encerrarei certamente a minha atividade política. Não estou a ver uma razão que me leve a voltar a uma atividade política ativa.