Miguel Poiares Maduro. “Rui Rio deve ser o candidato às legislativas”

Ex-ministro de Passos Coelho é contra a antecipação do congresso e defende que o PSD tem de acabar com as guerras internas

Entrou para o Governo a meio do mandato. Já tinha passado o pior?

Sim. Entrei sensivelmente a meio. 

Eu costumo brincar e dizer que quando cheguei ao Governo tudo começou a melhorar. Foi a altura em que a economia regressou ao crescimento e em que o desemprego começou a baixar. Por coincidência. Era normal que, depois dos dois primeiros anos de medidas muitas duras de ajustamento, a economia começasse a recuperar. 

Não vivia em Portugal quando foi convidado para o Governo. Revia-se na política de austeridade?

Naturalmente. Antes de entrar para o Governo, eu vivia entre Itália, onde regressei como professor, e Yale, onde passava o semestre de inverno. Mesmo vivendo fora do país acompanhava com grande proximidade a situação política. O desenho das medidas podia não ser sempre aquele que eu defenderia, mas entendia que globalmente a estratégia era a certa. O país tinha de passar por um processo de ajustamento, quer por razões internas, porque era incomportável a situação económica a que tínhamos chegado, quer por razões de credibilidade externa e de necessidade de financiamento. Os estudos internacionais que existem demonstram que, apesar de essas medidas de austeridade serem bastante dolorosas para os portugueses, foram comparativamente com outros estados europeus distribuídas de uma forma mais equitativa do que nesses países. As preocupações de justiça social na redistribuição e no desenho das medidas, de acordo com os estudos internacionais, foram mais fortes em Portugal do que em outros países. Não é que os portugueses não tenham feito sacrifícios. Fizeram e fizeram sacrifícios muito duros, mas a forma como essas medidas foram implementadas permitiu proteger aqueles com menos rendimentos. Isso não quer dizer que os programas de ajustamento na Europa sejam bem desejados e bem pensados. 

Não são bem pensados?

Sou critico desses programas por eles se focarem mais numa consolidação orçamental de curto prazo do que em reformas estruturais com impacto a longo prazo. Dou-lhe um exemplo: na Administração Pública, o problema que nós temos, que ficou visível nesta discussão sobre o salário dos professores, é que determinadas funções são mais bem pagas do que funções equivalentes no privado, mas outras, em que necessitávamos de pessoas mais qualificadas, são menos bem pagas do que no sistema privado. 

O Governo de Passos Coelho não conseguiu avançar com a reforma do Estado…

Houve algumas reformas de fundo que foram feitas. A administração local está muito melhor do que estava. Fala-se hoje sobre descentralização, mas nós iniciámos, na Educação, por exemplo, um programa de descentralização correspondente a 10% dos alunos em Portugal. Teria sido interessante avaliar os resultados desse projeto piloto. No mercado de trabalho também foram feitas reformas estruturais. Há outras áreas em que não foram feitas reformas. Uma das razões para isso é que algumas reformas, sobretudo no Estado e na Administração Pública, exigem uma folga orçamental que permita ao Estado oferecer condições diferenciadoras aos diferentes funcionários públicos. Seria necessário mudar o sistema de avaliação para compensar o mérito. Isso é muito difícil de fazer naquele contexto. O país passou de mais de 10% de défice para 3% de défice. Imagine os constrangimentos que isso não criava no desdenho das políticas públicas.

Mas entende que o país precisa de reformas?

O que digo é que há um conjunto de reformas estruturais de que o país continua a necessitar, mas só poderão ser feitas num contexto de uma maior folga orçamental. 

Esta solução política de esquerda impede essas reformas?

Este Governo não fez nenhuma reforma. Primeiro devido à própria personalidade do primeiro-ministro que é um político focado no imediato e na manutenção do poder. Em segundo lugar, o PS nunca foi um partido muito amigo das reformas. Costumo dizer que quando os portugueses querem reformas escolhem o PSD que é um partido reformista. Quando querem preservar o status quo escolhem o Partido Socialista. E, por outro lado, a coligação com dois partidos de extrema-esquerda torna muito difícil qualquer tipo de reforma.

O PSD achava que esta solução política não iria resultar, mas não foi isso que aconteceu. Teve a perceção de que este Governo poderia durar ou também achava que as coisas iriam correr mal?

Acho que muitas pessoas e eu próprio não tinham a expectativa de que o PS e os partidos de esquerda estivessem tão disponíveis para aceitar, em troca da estabilidade da coligação, cortes tão profundos no investimento público, por exemplo. Ou cortes tão fortes no financiamento dos serviços públicos. Não é bom para o país diminuir investimento em troca de despesa corrente. Continuo convencido de que a estratégia que estava prevista pelo PSD, que já previa a recuperação de rendimentos, teria permitido uma recuperação económica mais forte do que aquela que temos. Se nós compararmos com outros país, que estavam numa situação semelhante à nossa, nós deveríamos estar a crescer mais do que estamos. 

Esta estratégia de António Costa é quase imbatível a nível eleitoral ou o PSD também está a cometer erros que não lhe permitem subir nas sondagens?

Num contexto em que as condições extremas são favoráveis e num contexto de curto prazo, em que as pessoas sentem que estão melhor, é difícil vencer contra António Costa e contra essa forma de fazer política. Temos de ter consciência de que, infelizmente, as pessoas não tomam decisões com base numa avaliação, muito difícil para elas de fazer, sobre o impacto a médio e longo prazo das decisões políticas do Governo. Tomam as decisões com base no que sentem agora. Naturalmente que António Costa está em condições muito favoráveis, mas isso não torna nada impossível e é muito importante que o PSD consiga ter uma mensagem política que possa transmitir aos portugueses a ideia de que, na realidade, este é o Governo do poucochinho. Nós somos dos países europeus que menos cresce economicamente. Aquilo que nos é apresentado como um sucesso económico é, na realidade, algo profundamente medíocre. Em segundo lugar, o PSD tem de construir uma mensagem política e de construir o modelo que o PSD propõe para o país. O PSD tem várias formas importantes de se diferenciar do Partido Socialista e desta coligação.

Isso está a acontecer?

O dr. Rui Rio pediu tempo. Vamos dar-lhe esse tempo. É verdade que as eleições se aproximam, mas vamos dar-lhe esse tempo para ele poder apresentar um conjunto de reformas que sejam diferenciadoras. O país necessita de reformas profundas para não continuarmos a ser um dos países menos competitivos da Europa e um dos países que menos cresce na Europa. Portugal continua a ter um dos mais elevados graus de desigualdade e muito pouca mobilidade social. Se nós quisermos enfrentar esses desafios estruturais, ao mesmo tempo que enfrentamos novos desafios que a economia e a sociedade com a revolução digital nos está a colocar, nós necessitamos de uma agenda reformista. Necessitamos de um programa político de reformas.

O PSD não tem atualmente esse programa político de que fala.

Espero que o PSD esteja a desenvolver esse programa. Acho que o partido se tem consumido nas suas disputas internas e isso tem retirado o foco daquilo que o partido tem para oferecer ao país. Viu-se que o PSD apresentou propostas na área da Saúde e nessa semana aquilo que se discutiu foram os problemas internos. 

Rui Rio não está a alimentar esses problemas internos quando desafia os críticos a saírem do partido? 

Nós devíamos ter consciência de que este não é o momento para competirmos entre nós. É o momento para cooperarmos entre nós. É isso que o partido necessita a um ano das eleições e depois de ter escolhido recentemente um novo líder. Discordo das pessoas do meu partido que fazem críticas públicas à direção, mas acho legítimo que as pessoas as façam. 

A direção reage mal a essas críticas?

Aceito que a direção sinta desconforto com essas críticas, mas também não as deve valorizar. Em vez de responder a essas críticas é mais importante que se concentre na mensagem e no projeto político que tem opara oferecer ao país.

Não partilha daquela ideia de Pedro Duarte de que o congresso deve ser antecipado.

Ele falou comigo e eu disse-lhe que respeito a posição dele, acho que ele é livre de defender isso, mas discordo. O partido escolheu um líder e tem de dar oportunidade a esse líder de apresentar perante o país o projeto que tem e ir a eleições com esse projeto.

Às eleições europeias…

E às legislativas. Não faz sentido, neste momento, estar a colocar em causa a liderança. 

Se Rui Rio perder as legislativas deve retirar consequências?

Em qualquer ciclo político há sempre avaliações que são feitas, mas isso é algo precipitado para lançar nesta fase. Temos todos, para já, de cooperar com quem foi legitimante eleito para que o PSD possa apresentar ao país um projeto o mais diferenciador possível. 

Não há lugar para mais acordos?

O PSD não pode esgotar a sua prática política na disponibilidade para compromissos e consensos com o Partido Socialista. Nem o dr. Rui Rio disse que seria assim. A política precisa de diferentes projetos e de disponibilidade para consensos. Necessita das duas coisas. Este é o momento para o PSD se diferenciar. Portugal tem de crescer mais do que o resto da Europa. Devíamos continuar a aprofundar a nossa capacidade exportadora e a nossa competitividade. E devíamos combater problemas estruturais ao nível de desigualdade e da qualificação. 

Mas as pessoas parecem estar satisfeitas com este Governo.

É natural que as pessoas se sintam melhor, porque, felizmente, ultrapassámos um dos períodos mais graves da nossa história. Uma coisa é nós sentirmo-nos melhor, outra coisa é sentirmo-nos satisfeitos. Não nos podemos sentir satisfeitos. 

A mudança no discurso político não dá também uma ajuda para que exista mais confiança. 

Quando Pedro Passos Coelho era primeiro-ministro o país estava numa situação de enorme dificuldade e os portugueses estavam a passar por enormes sacrifícios. Ele não podia sair à rua com um sorriso. Estava consciente dos sacrifícios que os portugueses estavam a sofrer. Nós devíamos estar a utilizar esse otimismo dos portugueses para fazer reformas que o país precisa. 

O Presidente da República devia ser mais efusivo a pedir reformas?

Ele já alertou para a necessidade desse otimismo não nos levar a descurar reformas importantes que são necessárias. Acho que o deveria fazer mais. 

O Presidente da República é bastante popular. Revê-se naquele estilo?

Acho sempre positivo que um político corresponda àquilo que é a sua personalidade natural. Esse é o segredo do sucesso do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa. Isso também tem riscos. Há o risco de ele se expor demasiado, comentar demasiado, de se corresponsabilizar demasiado com certo tipo de decisões. 

Esta semana falou-se na possibilidade de Passos Coelho voltar à liderança do PSD. Acha que isso pode acontecer?

Não vejo isso a acontecer. Não deduzo do comportamento dele, nem daquilo que conheço dele, que tenha essa intenção. Mas pode não regressar à liderança do partido e ter um papel ativo na política de outras formas. Eu via o dr. Passos Coelho numa carreira internacional. Há muitos outros cargos políticos que ele pode ocupar.

Não faria sentido regressar à liderança?

Nesta fase essa questão não se coloca e não faz sentido.

Ficou surpreendido com a substituição de Joana Marques Vidal?

A partir do momento em que a nomeação depende de uma decisão política aquilo que se deve ao país é uma justificação. O que estava em causa era mais do que só a avaliação do mandato desta procuradora-geral da República. Esta procuradora fez um mandato muito positivo, mas as transformações que estão a ocorrer são produto do trabalho de todo o Ministério Público. Aquilo que estava em causa era a mensagem que os nossos líderes políticos queriam transmitir para o país relativamente ao trabalho feito pelo Ministério Público. Essa mensagem foi a mensagem errada. Deveria ter sido valorizada essa ideia de que a lei é aplicada a todos independentemente do poder político e do poder económico das pessoas em causa. Em vez disso, foi uma mensagem de desvalorização daquilo que aconteceu nos últimos anos. 

O que levou o PS a desvalorizar esse trabalho? Acha que há alguma relação com algumas investigações feitas nos últimos anos?

Há imensa especulação. O problema é esse. É que invocando-se um falso argumento, do mandato único que não é mandato único, se evitou dar ao país uma justificação. Isso é inaceitável. O país ainda não teve direito a uma justificação. 

Como viu o papel do Presidente da República neste processo?

O Presidente da República devia ter percebido que estava em causa uma avaliação daquilo que se passou nos últimos anos. Não estava em causa só a procuradora-geral da República. Em segundo lugar, a promiscuidade e a proximidade entre diferentes poderes em Portugal é muito negativa e é um dos fatores que explica o atraso do país ao longo de décadas. Combater e pôr fim a essa promiscuidade não pode ser só da responsabilidade do sistema judicial, a magistratura também tem aí um papel. O sistema judicial estava a fazer o seu papel, mas o sistema político não tem estado a fazer o seu papel nessa matéria. Era, pelo menos, importante que o sistema político transmitisse ao país uma avalização positiva dessa transformação. Essa oportunidade perdeu-se com essa decisão. 

Como vê o processo que envolve José Sócrates e outras pessoas que tiveram bastante poder Portugal

Acho positivo que o nosso Ministério Público tenha agido, independentemente do poder das pessoas em causa. Há outra dimensão que é uma dimensão ética e de avaliação política daquilo que se passou que do meu ponto de vista infelizmente o sistema político se tem recusado a tomar. Aquilo que nós já sabemos sobre o comportamento do então primeiro-ministro, independentemente da avaliação criminal que compete aos tribunais, permite já fazer uma avaliação ética e política que eu acho lamentável que os nossos dirigentes políticos se tenham negado a fazer. É péssimo para o país. Refugiam-se na separação entre Justiça e a política para não fazer um juízo sobre a dimensão política e ética que já é clara. Tudo isto é inaceitável. Um primeiro-ministro depender financeiramente de empresários e de um amigo, as proximidades com determinados interesses económicos…

O que podem fazer os partidos?

O primeiro-ministro e os líderes dos partidos deviam dizer claramente que a forma de comportamento do eng. Sócrates, independentemente de ter ou não relevância penal, é totalmente inadequada para alguém que foi primeiro-ministro. Isso devia ser dito. Já ouviu António Costa dizer isso? Não disse. Aquilo que se passou devia levar o sistema político a fazer reformas importantes ao nível da prevenção de conflito de interesses e do controlo de integridade. Devíamos reformar o sistema de prevenção de conflitos de interesses. Devíamos ter um registo transparente de todas as reuniões tidas pelos membros do Governo. Nada disto existe. Aquilo que se passou devia ter sido uma uma oportunidade para ter uma discussão séria sobre isto e isso não está a acontecer. O sistema político está a usar de forma artificial a separação entre o sistema judicial e o sistema político para não se pronunciar sobre questões relativas à Operação Marquês que são do domínio da política e da ética e não do domínio da Justiça.

O PS acabou por assumir que tem vergonha dessa situação.

Mas atirou para o sistema de Justiça. O PS ainda não fez o seu juízo político sobre o que se passou. Não faz porque muitas pessoas tem uma responsabilidade política naquele período de tempo. Não querem discutir como é que foi possível tudo aquilo acontecer. Não querem discutir a dimensão política e ética do que se passou devido à proximidade que tinham com esses factos.

Como lida com a paixão pelo futebol?

É outra área em que aquilo que nós conhecemos já devia ser suficiente para fazermos juízos éticos e em vez disso remetemos tudo para o sistema de Justiça. Muitos dos problemas graves que temos no país resultam de uma proximidade e de promiscuidade excessiva de interesses. Sou um grande adepto do futebol, mas sou muito cético quanto à capacidade do futebol se reformar a ele próprio. Isso é assim porque os dirigentes do futebol são produto de uma comunidade eleitoral muito pequena. As pessoas são quase sempre as mesmas que se escolhem umas às outras. O futebol tem uma importância económica e social brutal e, no entanto, esta atividade está na mão de um pequeno grupo de pessoas. São sempre os mesmos. Em Portugal, Pinto da Costa está na presidência do Porto há 40 anos. O presidente do Benfica já vai quase para 20 anos. O Bruno de Carvalho, se não tivesse feito as asneiras que fez, se calhar também ficava uma eternidade no Sporting. Estas pessoas têm uma concentração de poder enorme e não há mecanismos adequados para escrutinar esses poderes. Os órgãos ditos independentes estão muitas vezes na dependência dos próprios poderes políticos do futebol. Isto cria um conflito sistémico e estrutural de interesses muito difícil de resolver. É isso que me leva a ser bastante cético quanto à capacidade do futebol se reformar a si mesmo. 

Gostava de voltar a ser ministro?

Quem passa pela política fica sempre com um certo vício da atividade política. Gosto de política, mas também tenho consciência de que a qualidade de vida que se tem hoje no exercício da política em termos pessoais é diminuta. Não sei se as qualidades que te tenho são as mais adequadas para garantir sucesso na política de hoje. No imediato não me vejo a voltar à política.

Os ministros são mal pagos?

A qualidade de vida é maior fora da política, mas há outro tipo de recompensas. Uma das coisas que mais satisfaz é termos a perceção de que podemos fazer algo que pode mudar a vida das pessoas. Mas não é seguramente uma decisão fácil. 

Qual é atualmente a sua ligação ao PSD?

Não estou em nenhum órgão do partido. Sou, por vezes, convidado por algumas estruturas do PSD para dar conferências e isso continuarei a fazer, independentemente de um eventual regresso, no futuro, à política ativa. 

Tem falado com Rui Rio?

Nunca tivemos nenhuma conversa profunda. Encontrei-o duas vezes. Ficámos na mesma mesa na festa do Pontal e conversámos um pouco.