Que análise faz do mercado das telecomunicações?
Além de maduro e competitivo é um dos mais evoluídos tecnologicamente do ponto de vista de produtos e serviços. Os portugueses são adeptos da tecnologia e também das telecomunicações, temos das mais altas taxas de penetração do mercado móvel, das mais altas taxas de penetração de payTV. O trabalho que tem vindo a ser desenvolvido nas últimas décadas no setor posicionou Portugal com um grau de exigência por parte do consumidor. Mas, apesar de ser um mercado forte, sólido, coeso, competitivo e extremamente evoluído do ponto de vista tecnológico, tem vindo infelizmente a perder valor. O mercado perdeu 1500 milhões de euros de receita desde 2011 até 2017 e hoje vale cerca de 4,7 mil milhões de euros do nosso PIB. Mas isto significa que é um mercado que continua a ser muito importante para a nossa economia, pois não há muitos setores de atividade que valem quase cinco mil milhões do PIB.
Por que perdeu valor?
Por causa do nível concorrencial muito agressivo – diria: muitas vezes agressivo até demais –, porque nos focamos na componente pricing e esquecemo-nos de que, se olhássemos há dez anos para aquilo que o consumidor tinha de serviços disponíveis em casa (o número e a qualidade de canais, a velocidade da internet, os equipamentos móveis etc.), verificaríamos que se assistiu a uma destruição de valor positivo para o cliente, na perspetiva que estamos a dar mais por menos. Mas não nos podemos esquecer de que estamos a falar de um setor intensivo do ponto de vista da necessidade de investimento, porque os ciclos tecnológicos são curtíssimos e os volumes de investimento são altíssimos. Por outro lado, esta perda de valor também se deveu a outros fatores, como alguma pressão regulatória, que fez com que chegássemos a um mercado que, nos últimos dois a três anos, registou um nível anormal de decréscimo nas receitas do setor e, acima de tudo, na sua rentabilidade. E é um mercado que não pára de investir: só na Altice, desde que chegou a Portugal – no ano fiscal de 2015 – e se contarmos com o investimento que vamos fazer até ao final do ano de 2018, estamos a falar de dois mil milhões de euros. É deste nível de investimentos que estamos a falar, é verdade que a Altice é responsável por quase metade do investimento que se faz ao nível do setor em Portugal, porque também somos líderes de mercado.
Sendo um mercado sólido e maduro tem margem para grandes crescimentos?
O setor de telecomunicações – fixo e móvel – está numa fase em que tem de se reinventar. É conhecida a estratégia do grupo Alice internacional e também Portugal, que procura fazer a convergência não apenas do setor fixo e móvel das telecomunicações, mas também dos conteúdos, da publicidade digital e dos dados. A forma como este setor terá de se reinventar e transformar no futuro passa muito por ser capaz de seguir aquilo que é o fenómeno da digitalização da sociedade como um todo e de se conseguir expandir para um conjunto de outras áreas. E temos características que são únicas nesse caminho, que é a tal capacidade de investimento. Por exemplo, os órgãos de comunicação social hoje têm uma lacuna que é a capacidade de liquidez para se poderem reinventar e transformar. Nós temos essa capacidade e músculo financeiro para podermos combater isso e para podemos apoiar, como era aliás o nosso projeto quando anunciámos o interesse pela aquisição do grupo Media Capital. Queríamos apostar claramente num projeto de produção de conteúdos e de sermos um hub de produção de conteúdos para o mundo, utilizando a tecnologia, os nossos recursos na área da produção e na área tecnológica. O setor das telecomunicações, não tendo grande espaço para crescer naquilo que é endógeno, tem características únicas de inovação, de tecnologia, além de capacidade de investimento para se expandir para mercados adjacentes. Tudo o que tem a ver com a monitorização de dados é de facto um negócio muito importante e em crescimento. Os media e, acima de tudo, a produção de conteúdos são áreas para as quais os operadores de telecomunicações estão a expandir-se ao nível global. Infelizmente em Portugal não acompanhamos essa tendência e o que está a acontecer é que estamos a tentar parar o vento com as mãos. Mas certamente que estas tendências chegarão e, quando chegarem, o setor das telecomunicações vai ter então a capacidade de poder expandir-se para outras áreas e voltar a crescer em termos de atuação.
Caso contrário não é possível recuperar as perdas de receita?
Só será possível com a tal reinvenção do negócio. Enquanto consumidores, continuamos a assumir que telecomunicações significa voz fixa ou móvel, dados fixos ou móveis e televisão. Para nós, grupo Altice, as telecomunicações são muito mais do que isso. Já temos uma parte importante do negócio na internet das coisas, em soluções de automação na indústria, em soluções de monitorização de conteúdos e publicidade. O Sapo é hoje, em Portugal, além de um órgão de comunicação social, um dos principais traders do ponto de vista publicitário online. Tudo o que tem a ver com o mundo digital, com a monitorização de conteúdos não live são áreas adjacentes em que se pode crescer. O mercado de conteúdos já é claramente um mercado de telecomunicações. Há serviços que temos vindo a lançar e outros que muito em breve iremos apresentar, que são adjacentes ao mercado tradicional das telecomunicações e mostram claramente que estamos no caminho da diversificação da indústria e, com isso, a aumentar as nossas fontes de receita. Isto mostra que o caminho não passa por tentarmos ter capacidade de internet e de número de canais, temos de apostar noutro tipo de negócios.
O que correu mal na tentativa de compra da Media Capital?
O que falhou, desde logo, foi o ambiente do ponto de vista regulatório, neste caso da Autoridade da Concorrência, que teve uma análise demasiado longa. Estamos a falar de um processo que, até ao grupo Altice e a Prisa terem decidido suspendê-lo, arrastou-se durante 11 meses. Ou seja, em 11 meses, em Portugal não foi possível um conjunto de entidades terem tomado uma decisão formal. Até hoje não foi emitido nenhum relatório formal sobre esta hipotética de não autorização por parte da Concorrência. Foram ditas umas coisas na comunicação social, mas, até hoje, não houve nenhum relatório formal que proibisse o negócio. Depois, durante as discussões houve uma incapacidade em compreender os benefícios para a economia nacional. Continuamos a ter análises muito fechadas, baseadas em modelos teóricos, e olhamos muito pouco para a economia real. Este negócio ia injetar em Portugal 440 milhões de euros. Desde que a Altice comprou a Portugal Telecom não houve outro negócio desta dimensão e isso foi em 2015. Existiu também uma incapacidade de compreender o projeto, que era um projeto de conteúdos._Falou-se muito em questões como a pluralidade da informação, a diversidade da informação e o bloqueio do acesso aos conteúdos. Mas tive a oportunidade de esclarecer isso no Parlamento, não havia incentivo nenhum para que um canal, como é o caso da TVI, fosse retirado da grelha da MEO ou de outro operador qualquer. Isso não fazia sentido nenhum, o nosso projeto era diferente. pretendia criar em Portugal um hub de produção de conteúdos para o mundo. Mas houve incapacidade de compreender este projeto, de olhá-lo como um projeto de desenvolvimento económico do país e da própria sociedade. O que falhou foi talvez uma sensibilidade por parte de autoridades administrativas para algo que se chama economia real, para algo que se chama crescimento da economia. Sei de vários elementos do próprio poder político que apoiavam claramente este projeto por causa desta veia económica e porque tinham uma visão além daquela que era confinada à concorrência, que, na nossa opinião, com as medidas que foram apresentadas, estava mais do que resolvida. Mas agora é um projeto encerrado e fomos nós que decidimos suspendê-lo 11 meses depois do seu início.
Quando esteve no Parlamento sentiu alguma resistência por parte dos deputados?
Houve alguma resistência de alguns deputados em tentar perceber. O que assistimos naquela sessão foram questões do ponto de vista ideológico a sobreporem-se aos interesses e, até mesmo, ao próprio racional do negócio. Quando se analisa um negócio desta dimensão, desta envergadura e do impacto para a nossa economia indo buscar subterfúgios de temas laborais, de temas dos incêndios e do SIRESP, e, a partir daí, construir-se um caso de que a integração de um órgão de comunicação social dentro de um grupo de telecomunicações não é viável, isso é pura demagogia. Foi até lamentável o desconhecimento e a impreparação que dois grupos parlamentares manifestaram na discussão, porque não estavam minimamente informados. Houve realmente uma falta de abertura para discutir um assunto destes. Percebo que existissem preocupações e, por isso, disponibilizamos um conjunto de remédios em cima da mesa. Mas, infelizmente, aquela discussão foi um bocadinho utópica, porque quem tinha de decidir era uma autoridade que, apesar de tudo, não o fez.
Falou no final dessa audição de um tempo limite…
Quando falamos de tempo não foi por falta de paciência. Existia contratualmente uma data definida, que era 13 de abril, para que fosse tomada uma decisão. Voluntariamente, e porque compreendemos que a Autoridade da Concorrência precisaria ainda de mais tempo, demos uma nova data, 15 de junho, para a tomada de decisão e, mesmo assim, com mais estes dois meses adicionais, não houve qualquer decisão. Se houve alguém aqui que foi incapaz neste processo de compreender e de se assumir com uma decisão clara não fomos nós. O que é lamentável é que não tenha havido uma capacidade de tomar uma decisão e, enquanto cidadão que quer o desenvolvimento do seu país, não consigo compreender como é que não houve capacidade para se tomar uma decisão. Era dizer sim ou não, tão simples quanto isso.
Tem noção que foi um dos negócios mais comentados na praça?
É natural, estamos a falar de media e é sempre um tema interessante para os próprios media, mas também porque era um dos principais negócios do ponto de vista de injeção de capital estrangeiro em Portugal nos últimos anos. É bom que tenha sido escurtinado, mas deu-se por vezes mais cobertura a posições menos favoráveis. Se calhar, no início houve publicamente mais comentários desfavoráveis do que positivos, mas no final a opinião dividiu-se bastante e ouvi muitos comentários positivos na praça pública a defender o interesse deste negócio, até pela salvaguarda daquilo que é o setor dos media em Portugal, que não atravessa um momento positivo do ponto de vista da sua sustentabilidade.
As negociações poderão ser retomadas?
Parar o processo de aquisição, parceria, fusão, integração, o quer que seja, entre telecomunicações e media é utópico. Não acredito que dentro de três a cinco anos o ambiente em Portugal nas telecomunicações e nos media seja o mesmo do que é hoje, é impossível. Tanto que se continuarmos a tentar politicamente bloquear este tipo de negócios vamos ter uma sério problema de subsistência na área dos media em Portugal. Todas as opções estão em cima da mesa, porque continuamos a ter a mesma estratégia de convergência de telecomunicações e media e não vamos abdicar desta estratégia, que, aliás é a que temos nos Estados Unidos, em França, em Israel, na República Dominicana. Não deixa de ser um bocadinho estranho como é que um mercado que é tão evoluído tecnologicamente como o nosso esteja hoje muito mais fechado do que uma economia americana ou francesa, onde somos detentores de canais de televisão, de produções de conteúdo, há aqui algo de estranho no ecossistema. Mas vamos continuar a trabalhar para termos a componente de conteúdos dentro daquilo que é o universo Altice Portugal.
Pode ter interesse noutras empresas?
O nosso interesse pelos conteúdos é permanente. Temos capacidade financeira de poder equacionar todos, desde parcerias a co-investimentos, a aquisições, agora para que uma aquisição possa perfilhar-se no horizonte é preciso que o momento regulatório, como é o caso da Concorrência, esteja esclarecido. Somos uma empresa privada e uma das nossas características e que está no nosso ADN é que haja velocidade e flexibilidade. Não podemos esperar meses a fio por uma tomada de decisão e enquanto o ambiente estiver desta forma é complicado que possamos vir a equacionar um momento desses. Mas pode ser que a Autoridade da Concorrência tenha aprendido algo com este processo.
Também os outros operadores ameaçaram travar a operação em tribunal…
Obviamente que se opuseram e compreendo que o tenham feito. É sempre muito desconfortável quando obrigamos alguém a sair da sua zona de conforto. Apesar de a Altice Portugal ser líder incontestável praticamente em todos os setores de mercado das telecomunicações em Portugal, existem outros dois players que querem ganhar a sua quota de mercado. Felizmente para nós que não o têm conseguido, estamos a crescer há quase 10 meses nas quotas de fixo e móvel e, nessa perspetiva, acredito que existisse esse desconforto. Caso a Altice Portugal avançasse com aquela aquisição e com aquela entrada nos media, seria do nosso lado um mercado mais de futuro, enquanto eles ficariam reféns apenas do mercado das telecomunicações. Essa oposição não esperava que fosse de outra forma e foi feita, salvo dois ou três comentários mais infelizes – e acredito que os que fizeram já terão pensado duas vezes e se calhar noutro contexto não o teriam feito –, de uma forma natural. Não apresentaram nenhum argumento factual, concreto que pudesse ter dado azo à rejeição do negócio. Aliás, um dos concorrentes chegou a dizer no Parlamento que se o negócio avançasse fazia o mesmo e comprava ele outro órgão de comunicação social. Isto é prova de que a oposição deles não era ao negócio de juntar telecomunicações aos media, era a que a Altice tivesse capacidade para comprar um grupo de media.
Arrepende-se de ter lançado a OPA?
Não, antes pelo contrário, sinto que era a opção certa. Às vezes na vida damos passos antes do tempo e demos o passo antes da AdC estar preparada para fazer uma análise correta deste tipo de negócio.
Fala-se agora no interesse no canal da Federação Portuguesa de Futebol…
O que tenho dito é que a Federação Portuguesa de Futebol é um parceiro histórico de há mais de duas décadas e recentemente reforçamos esse patrocínio para outras modalidades. Em segundo lugar, penso que todos os portugueses reconhecem que o trabalho que a FPF tem feito nos últimos anos é meritório. Juntando uma parceria de sucesso a uma identidade credível faz sentido que estejamos atentos a projetos como estes e que estejamos disponíveis para dar suporte a um projeto dessa dimensão na perspetiva que pode trazer valor acrescentado ao mercado. Mas teremos sempre de analisar de que forma é que poderemos enquadrar o projeto destes dentro da nossa estratégia, enquanto distribuição. A estratégia que a Altice teve no passado e que os nossos concorrentes também tiveram era de existir uma lógica de exclusividade, os conteúdos tinham de ser protegidos, mas não acredito nisso. O que acredito é que temos de nos diferenciar de outra forma, pela qualidade do serviço, pela capacidade de investimento, pela presença no território, isso sim são fatores de diferenciação. Todos nós queremos os melhores conteúdos, mas conteúdos exclusivos não são uma preocupação hoje do grupo Altice, antes pelo contrário, os conteúdos que possamos vir a criar, a desenvolver e a ter em parceria serão sempre abertos a todo o mercado e a todos os operadores. É assim que acreditamos que se deve desenvolver o mercado de media e de conteúdos dentro do mercado das telecomunicações. Não equacionamos de forma nenhuma questões de exclusividade ou de tirar proveito desta relação de parceria. Teremos todo o gosto em apoiar o nosso parceiro e vamos fazê-lo com certeza, mas será sempre numa lógica de este conteúdo estar disponível a todo o mercado. Depois caberá ao detentor do conteúdo encontrar a melhor maneira de colocar no mercado e nos outros operadores este conteúdo. Questões de participações societárias, acionistas, etc. não estão em cima da mesa e não é por aí de certeza que vai ser desenvolvido este projeto.
Defendendo o fim dos conteúdos exclusivos, como vê a questão da Eleven Sports?
Vejo de forma lamentável para o cliente. Mas é importante termos a real perceção do porquê disto estar a acontecer. Houve um operador de conteúdos, chamado Eleven Sports, que até hoje nunca entrou em contacto connosco, que já admitiu que estas práticas que estão a acontecer em Portugal já aconteceram noutros países. Isso ainda me deixa mais preocupado, porque é um operador de conteúdos que chega a um país, não fala com os operadores, encontrou um parceiro que foi a Nowo e é através desse parceiro que está a negociar. Uma negociação que tem uma inflação anormal dos custos. E depois encontrou um parceiro com dificuldades económicas – aliás, é sabido o processo de insolvência que o grupo Altice Portugal foi forçado a mover contra a Oni, uma empresa do grupo Nowo, porque a situação chegou a um ponto extremo que não era possível deixarmos de atuar. E não deixa de ser estranho que um operador como a Eleven Sports escolha este grupo para fazer de intermediário. Os maiores grupos de conteúdos mundiais negociam diretamente com os operadores, não têm intermediários. Este fornecedor resolveu encontrar um intermediário e logo este nesta situação financeira.
Além das dificuldades financeiras tem um problema de cobertura…
Vale 3% da quota de mercado no caso residencial fixo e tem, curiosamente, ou se calhar não é curiosamente, questões acionistas – em particular desde que foi alterada a sua estrutura – que se calhar explicam um pouco por que se tentou fazer um saneamento de uma situação económica complicada fazendo especulação de conteúdos. E é disso que estamos a falar. A nossa posição é clara: queremos ter para os nossos clientes todos os conteúdos e os melhores conteúdos. O que interessa é defender os interesses dos consumidores finais, é essa a nossa preocupação. Mas não podemos fazer a todo o custo e sem transparência. Desde que estejam reunidas as condições financeiras, operacionais, técnicas, mas acima de tudo transparência, estamos disponíveis para ter este conteúdo. Até agora isso não foi possível.
A Altice não está disponível para pagar aquilo que a Nowo pede?
Qualquer um de nós que chegue a uma superfície comercial e vá fazer a compra de um determinado produto e se o vendedor disser que aquele produto agora já não custa 10 mas 100, provavelmente não compramos, porque sentimos que tem de existir um valor que seja razoável. Ainda para mais quando sabemos quanto é que aquele produto custava. Há aqui uma clara inflação do preço do produto que não tem permitido chegarmos a um acordo. A única questão menos negativa deste processo é que os clientes já perceberam o que está a acontecer e, ao contrário do que disse um responsável desse grupo, o que posso garantir é que não chegam a centenas os clientes a reclamar sobre esta questão. E, depois, o que estamos também a assistir no mercado é que as outras plataformas que estão disponíveis para fornecer esse conteúdo do ponto de vista técnico e de qualidade deixam muito a desejar. É lamentável que se chegue a este ponto num produto premium.
Mas acha que ainda é possível chegar a acordo?
Diria que é sempre possível e o interesse existe do nosso lado. Mas tem de haver bom senso, razoabilidade e transparência. Não podemos ter questões que ultrapassem a mera negociação a fazer sombra a todo este processo.
O regulador não deveria intervir?
Disse isso no Estado da Nação há três semanas, no congresso da APDC. O regulador que tem estado tão atento ou alegadamente atento a temas do consumidor e da proteção do consumidor não deixa de ser estranho que este mesmo regulador não tenha tido qualquer opinião sobre um operador registado na Anacom e que está numa situação de insolvência. Não se pronunciou e não se tem pronunciado sobre esta negociação, mesmo sabendo que o tema dos conteúdos está sob a alçada da ERC e não da Anacom, mas estamos a falar de operadores que estão a negociar e não conseguem chegar a acordo. O regulador preocupa-se mais em contradizer o Governo. Por exemplo, no mesmo dia em que o Governo apresentou o plano Simplex para simplificar e desburocratizar a administração central, foi o dia que o regulador escolheu para dizer que os operadores têm de ter faturas em papel. Preocupa-se mais com este tipo de temáticas do que com aquelas que beneficiam realmente o consumidor.
No congresso, as operadores deram um cartão vermelho à Anacom…
O que os três operadores disseram de forma diferente, porque não temos todos a mesma visão sobre todos os temas, é que os operadores estão unidos na defesa do setor porque, se não se defenderem, não há ninguém que o faça. E essa é uma das prioridades do regulador, mas tem-se esquecido disso. E o que vimos foram três operadores a dar um cartão vermelho à Anacom porque entendem que o regulador está preocupado em fazer algo que não é da sua competência, que é ter protagonismo. Quando temos um regulador em qualquer setor de atividade que tenta ter palco, que tenta ter protagonismo, que tenta regular na comunicação social sem falar com os regulados, que tenta tomar decisões que unicamente têm como objetivo criar uma sensação demagógica e populista de proteção ao consumidor, mas depois nos assuntos que são importantes para o consumidor – como é o caso de acesso a conteúdos que são importantes – está completamente omisso, não aparece, não diz nada, não se pronuncia… Quando temos um regulador que desconhece o setor porque não conhece as problemáticas do setor e apresenta soluções que se vêm na internet e que não são devidamente suportadas e documentadas, quando temos esta postura, chegamos a um momento em que sentimos que temos de proteger o setor, os nossos clientes e acabamos por assumir esse papel. E foi isso a que assistimos no congresso das comunicações. Foi o meu 16.º congresso, mas foi o primeiro em que vi o setor unido, infelizmente contra o regulador.
Mudou-se então a atuação das operadoras: depois da guerra entre empresas, agora é contra a Anacom?
Nunca vivemos um cenário de guerra entre os operadores, vivemos um cenário altamente competitivo e concorrencial. São três operadores fortes e sustentáveis e, por isso, é normal que apresentem uma competitividade forte e musculada. De facto, há mais coisas que nos unem do que nos separam. E o que nos une é a proteção do setor, porque sentimos que o órgão que pela lei prevê a definição e a defesa daquilo que são os interesses do setor e dos consumidores, que é a Anacom, não está nessa senda.
E como vê o recuo da Anacom em relação à multa da Vodafone quando inicialmente deu razão à Altice? E como está esse processo?
Na mesma. Como todos os temas que são sensíveis ou que tenham necessidade de um estudo aprofundado. O regulador tomou uma decisão, depois sentiu-se pressionado e tomou uma não decisão e continuamos a aguardar. A situação é evidente: o acesso é feito mediante autorização e pagamento. Não fomos nós que decidimos isso, a decisão foi da Anacom e hoje a situação que temos, depois de alguns anos de normalidade em que a Vodafone fazia os pedidos e pagava religiosamente as suas obrigações para ter acesso a estes postes, é que de um momento para o outro chegou e disse que não pedia mais o acesso, nem pagava o acesso a uma propriedade privada porque os postes são da Altice Portugal e continuam a colocar os cabos. É a mesma coisa que um de nós chegar a casa e ter um estranho a dormir na nossa cama. Só espero que esta situação seja resolvida pela Anacom antes de termos um poste que caía em cima de uma pessoa ou de uma viatura e que possa criar uma situação gravíssima de risco de vida, porque já detetamos várias situações no terreno em que os postes foram sobrecarregados com cabos da Vodafone, com técnicos da Vodafone não credenciados para fazer subidas a postes e que estão a colocar em risco não só o próprio poste e as infraestruturas, mas os transeuntes e os bens.
Se acontecer algum incidente de quem é a responsabilidade?
É da Anacom. Se acontecer algum incidente com as infraestruturas, intervencionadas por um terceiro sem autorização e sem o respetivo pagamento com a conivência da Anacom, iremos atribuir a responsabilidade por qualquer dano pessoal ou material ao regulador pela incapacidade de, até ao momento, não ter tomado uma decisão. Ou melhor, tomou-a, mas arrependeu-se.
A Altice foi uma das empresas mais criticadas na época dos incêndios. O que correu mal?
A Altice Portugal fez um trabalho meritório em dias, semanas, em alguns casos poucos meses, para recuperar infraestruturas que arderam e arderam numa imensidão de infraestruturas, dezenas de milhares de postes e milhares de quilómetros de cabo que tiveram de ser reconstruídos. Algumas dessas redes tinham demorado décadas a ser construídas. De facto, fomos muito afetados, mas fomos mais afetados do que os outros, porque somos o único operador que está presente nestas regiões. É fácil dizer que não se foi afetado quando não se tem clientes no local. É fácil falar a partir de Lisboa. Mas também é claro que, pela quantidade e intensidade dos incêndios que ocorreram em 2017, houve impactos também eles anormais. A reconstrução custou-nos mais de 20 milhões de euros e grande parte da reconstrução foi feita em fibra ótica para dar aos nossos clientes essa opção. Ninguém foi obrigado a mudar serviços, a aumentar preços ou a aumentar a fidelidade, colocamos apenas essa opção. Outras opiniões são mais vez demagógicas, como é o caso do nosso regulador, que continua a promover incessantemente o tema do enterramento dos cabos como a resolução para todos os problemas do ponto de vista dos incêndios. Só a Altice Portugal tem 70 mil quilómetros de traçados aéreos. Se todas as condutas disponíveis fossem juntas, não chegavam a sete mil quilómetros, o que não chegava a um décimo do total da nossa rede. Claro que estamos a enterrar cabos em condutas do canal técnico/rodoviário, fomos o único operador que respondeu afirmativamente ao repto do Governo de promover o enterramento das infraestruturas. Mas vamos enterrar mil quilómetros e temos 70 mil quilómetros. É impossível atravessar a Serra da Estrela, a zona da Pampilhosa, entre outras, e passar os cabos em condutas, porque não há condutas. É preciso conhecer o território português, proximidade não é só uma palavra, proximidade mede-se nas ações. E desafio quem quer que seja nesta área das telecomunicações a mostrar que esteve mais próximo do território nacional do que eu ou do que a Altice Portugal.
Foi por isso que a operadora decidiu ficar com a maioria do SIRESP?
A decisão foi para que alguém que tenha a capacidade técnica assumisse o controlo da sociedade e da rede. O Governo tomou uma decisão e adjudicou o SIRESP, mas no ano passado os incidentes que tivemos com a rede SIRESP não devem ser confundidos com falhas da rede. Os incidentes ocorreram porque a rede não tinha os necessários mecanismos de redundância que uma rede destas exige e que foram resultado de decisões politicas erradas de Governos sucessivos. Este ano após a tragédia foi tomada a decisão de implementar mecanismos de redundância satélite, como aliás a Altice recomendou. Estes mecanismos já foram implementados a 100%, foram implementados durante o verão e o resultado é que nos incêndios de Monchique e de Cascais, foram os dois maiores que tivemos este ano, os dois autarcas vieram a público dizer que o SIRESP funcionou. É verdade que tivemos menos incêndios, mas continuaram a existir. E faz por isso sentido assumirmos um papel preponderante, porque somos a única entidade em Portugal com conhecimento técnico para implementar aquele tipo de rede e para a gerir.
Outras críticas dizem respeito à passagem de trabalhadores da Altice para outras empresas e outros que deixaram de ter funções. O sindicato já veio dizer que representava uma situação de ilegalidade e irregularidade…
Houve uma reunião na semana passada, onde foram prestadas uma série de declarações. Mas tenho de ser um bocadinho crítico da postura dos jornalistas perante os temas. O título que saiu da Lusa foi a alertar para esse problema e vou ler as declarações que saíram do sindicato: estão preocupados com as situações dos trabalhadores sem funções que ainda são 190, mas que mesmo assim são muito menos do que os 300 que existiam; as feridas que foram deixadas pela anterior gestão estão a ser progressivamente resolvidas; a resposta que a empresa nos deu é que esses trabalhadores vão ser progressivamente colocados noutras áreas e dará formação para que possam desempenhar outras funções. O próprio sindicalista diz que há situações que não têm resolução por questões físicas e mentais e que a solução não passa pelo despedimento coletivo. Vamos ser pragmáticos, era utópico pensar que uma empresa com 8500 trabalhadores diretos e 11 mil colaboradores indiretos não tenha sempre entidades sindicais que queiram mais. E ainda bem, porque é essa a sua responsabilidade, mas há sempre questões que vamos concordar e discordar. Já tive muitas reuniões com as comissões de trabalhadores e com os sindicatos, mas há que realçar o que foi feito. Há um ano assistíamos a manifestações na praça pública, de discussões muito profundas do ponto de vista das relações laborais entre administração e trabalhadores e hoje leio as declarações de José Félix como elogios. Claro que não está satisfeito e está preocupado, não concordo quando fala de situações de ilegalidade. Hoje, dizer que estamos melhor e que o ambiente é melhor é um indicador claro de que existe paz social do ponto de vista laboral, há diálogo e o corolário foi assinar um ACT histórico, que contou com a assinatura de 100% das estruturas sindicais. É claro que temos temas quentes na área dos recursos humanos, temas que são discutidos com os sindicatos, mas estamos a 180 graus do estado em que estávamos há um ano.
O conselho consultivo para as relações laborais que foi criado e conta com João Proença e Silva Peneda ajudou?
Claro que sim. Nós, latinos, e recorro à minha experiência nos países anglo-saxónicos, temos de parar para respirar antes de falarmos. Quando anunciamos a criação deste conselho consultivo, vários sindicatos vieram a público mostrar o seu descontentamento, porque iria substituir o diálogo com a administração, mas passadas algumas semanas vieram dizer que não tinham percebido bem e que continuavam a falar com a administração. O que o conselho consultivo fez, e era esse o seu objetivo, foi dar um conjunto de pareceres e de sugestões, uma visão diferente às vezes.
Essa mudança aconteceu após ter assumido a liderança da Altice?
Sem falsas modéstias, foi uma aposta pessoal, primeiro termos incluído na nossa estratégia o tema de estabilidade laboral e em segundo lugar a criação deste conselho inédito que achei que fazia todo o sentido.
A Altice foi multada por Bruxelas pela compra da PT antes do seu aval. Como está esta situação?
Opusemo-nos à multa e irá seguir os trâmites legais, mas é um tema do grupo e já foi esclarecido.
E como está a relação com o Governo? Santos Silva chegou a dizer que se fosse trabalhador da PT também faria greve e António Costa disse que já tinha feito a escolha da companhia que utiliza…
Não vou comentar casos concretos. Todos nós temos momentos em que nos arrependemos do que dissemos no calor do momento. O ano passado foi um ano atípico e várias pessoas disseram naquela altura coisas de que certamente se arrependeram. Acredito que hoje algumas coisas não seriam ditas. Não ouvi ninguém dizer que mudou de operadora de eletricidade ou deixou de andar em determinada autoestrada quando o relatório que foi apresentado pelo próprio Ministério Público aponta para responsáveis hipotéticos, porque estamos obviamente a falar no foro da presunção da inocência, e não vemos o nome da Altice. Somos um grupo privado de telecomunicações, estamos em Portugal para fazer negócio e não estamos em Portugal para fazer política. Temos boas relações com todos os quadrantes políticos relevantes e que querem contribuir para o desenvolvimento da nossa economia. Cabe à política fazer política, cabe ao negócio fazer negócio. A relação institucional com o Governo é uma relação excelente e o Governo sabe que nos momentos difíceis, em que é preciso ter qualidade, robustez, segurança do ponto de vista tecnológico recorre à Altice. É uma relação saudável e vai continuar a ser com este ou com outro Governo.