Orçamento para captar votos

O ministro das Finanças diz que é um orçamento ‘realista’ e até ‘histórico’, afastando um cenário  de populismo. Mas a grande maioria das medidas é para agradar aos portugueses.

Em ano de eleições legislativas o Orçamento do Estado não escapa a essa tentação. Com ou sem otimismo, ter um défice zero e uma redução da dívida dá margem para o Governo adotar uma série de medidas vistas por muitos como ‘populistas’, apesar de Mário Centeno insistir na palavra «realista» e, até mesmo, de «histórico». Ainda esta sexta-feira, o governante garantiu que o documento coloca Portugal na «situação normal» de outros países europeus, com «quase equilíbrio entre receitas e despesas».

O também presidente do Eurogrupo observou que o país entra, assim, «num regime de normalidade que, infelizmente, não tinha tido antes», o que representa «uma enorme responsabilidade para os que executam, aprovam e desenham» o Orçamento. 

O que é certo é que as verbas para os ministérios, de uma forma geral, engordaram. As únicas exceções são o Ministério da Administração Interna (MAI) e o Ministério da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural. 

No caso do MAI, o ministro Eduardo Cabrita vai contar com menos 60,7 milhões de euros para o próximo ano, com uma despesa prevista de 2.188,7 milhões de euros. Menos 2,7% face aos 2.249,4 milhões de euros. 

Já a tutela de Capoulas Santos vai sofrer um corte maior – vai chegar aos 108,9 milhões – nas verbas disponíveis para o próximo ano. No total, o Ministério da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural tem prevista uma despesa na ordem dos 1.256,5 milhões de euros, o que representa uma redução de 8% face a 2018.

Também as medidas apresentadas são para tentar agradar à  maioria dos eleitores. Os funcionários públicos conquistam aumentos de salários (apesar de ainda não estarem definidos) e progressões de carreiras; as famílias, mesmo não vendo uma redução dos escalões de IRS, pelo menos não os veem agravar, e quem usa transportes públicos sai beneficiado com a descida dos passes sociais, ao mesmo tempo que vê a sua fatura da luz a descer. Isto sem falar no aumento dos abonos ou dos manuais escolares gratuitos. E os pensionistas vão ter aumentos mínimos de 10 euros já em janeiro (ver infografia). 

A maior incógnita continua, sem dúvida, a girar em torno da função pública. 

 

Credibilidade à política orçamental

Para Mário Centeno, a proposta de OE para o próximo ano reflete uma «realidade completamente distinta» da registada antes deste Governo tomar posse, no que diz respeito ao cumprimento do défice. «Saímos de um período muito longo em que Portugal não cumpria as metas a que se propunha. Hoje, temos uma realidade completamente distinta no que diz respeito ao défice que prevemos e que atingimos», afirmou. 

Várias vezes o ministro tem vindo a garantir que Portugal está a cumprir «os objetivos que estavam definidos na exata medida que hoje apresentamos, no Programa do Governo. São e constituem o Programa do Governo».

E esta sexta-feira voltou a dizer que o documento segue «uma trajetória projetada» por este Executivo, baseada na «sustentabilidade das finanças públicas», lembrando que o pior que pode acontecer às políticas públicas é «serem erráticas e imprevisíveis».

Para o próximo ano, as metas são conhecidas: um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 2,2% no próximo ano, uma taxa de desemprego de 6,3% e uma redução da dívida pública para 118,5% do PIB. O Executivo mantém a estimativa de défice orçamental de 0,2% do PIB no próximo ano e de 0,7% do PIB este ano. 

«Não há forma mais saudável de crescer do que aquela que aqui apresentamos», afirmou Centeno na apresentação do documento, deixando ainda como garantia que em matéria de défice «0,7% é a nossa melhor estimativa em outubro de 2018» e que o défice de 0,2% para o próximo ano «é credível e atingível».

 

Guerra dos números

«Hoje temos uma almofada orçamental que se aproxima muito rapidamente dos objetivos que são definidos para Portugal no âmbito dos nossos compromissos europeus», salientou. 

O que é certo é que este otimismo de Centeno não é transversal e os técnicos da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) têm sido dos mais críticos ao alertarem para o facto de não estarem a ser contabilizados 590 milhões de euros. «A assunção de valores diferentes para o saldo global nos documentos de política do MF (relatório e projeto de plano orçamental) indicia a disposição política de executar menos 590 milhões de euros do que o orçamento ora proposto à Assembleia da República», salientou a unidade.

E vai mais longe: «O indício de sobre orçamentação contraria o princípio da transparência. O documento em apreciação na Assembleia da República não reflete nem especifica as poupanças que o Governo pretende realizar em sede de execução e este facto inibirá a avaliação precisa da evolução da execução orçamental».

Questionada sobre a discrepância, a tutela de Mário Centeno explicou à UTAO que «usou como ponto de partida naquele apuramento a sua estimativa para o saldo global, e que esta estimativa (-1.603 milhões de euros) é melhor em 590 milhões de euros do que o saldo global resultante dos tetos de despesa fixados na proposta de lei para a Administração Central».

Já esta sexta-feira, o ministro voltou a tocar no assunto e não poupou críticas. 

Segundo o governante, a UTAO «não percebeu e achou estranho» o procedimento usado no Orçamento do Estado para 2019, justificando que os valores se referem a «tetos máximos de despesa». 

Isto significa, segundo Mário Centeno, que os números presentes no documento representam um exercício legal de controlo orçamental e, sendo teto máximos, não quer dizer que sejam atingidos – frisou na AR.

«O Orçamento do Estado estipula em cada ano os limites máximos de despesa e que são autorizados no mapa da Lei. Tal como é efetuado todos os anos, estes limites legais são utilizados para uma outra análise, que consiste em fazer uma estimativa da execução da despesa. Deste ponto de vista, o ajustamento feito em 2019 é igual ao que foi feito em 2018, e semelhante ao que tem sido prática em todos os Orçamentos do Estado», garantiu Mário Centeno.