O Ministério Público (MP) está a ponderar abrir uma investigação às suspeitas de fraude fiscal dos deputados, com destaque para os da Madeira e dos Açores, que foram denunciadas esta semana na auditoria do Tribunal de Contas (TdC).
Questionado pelo SOL, fonte oficial do MP avançou que a «matéria constante da auditoria do Tribunal de Contas encontra-se em análise, com vista a decidir se há algum procedimento a desencadear no âmbito das competências do Ministério Público».
Os juízes do TdC alertam para o «risco elevado» de terem sido autorizados pagamentos de ajudas de custo para viagens que não foram realizadas. E se as ajudas de custo recebidas «não corresponderem a custos incorridos pelos deputados (…) essas quantias podem ser consideradas rendimentos de trabalho dependente para efeitos de tributação em sede de IRS». Tributação que, atualmente, pode não acontecer. Perante este cenário, os juízes do TdC enviaram a auditoria para a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) para «se pronunciar sobre a questão fiscal referida».
O SOL questionou o Ministério das Finanças para saber se a AT vai analisar as suspeitas denunciadas no relatório, mas até à hora de fecho desta edição não houve qualquer resposta.
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Recorde-se que, no início de novembro, o MP anunciou que tem em curso um inquérito, conduzido pelo Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa, para investigar as suspeitas de declarações falsas prestadas por deputados à Assembleia da República sobretudo no que diz respeito a moradas de residência.
Tratam-se de moradas que não corresponderão à residência efetiva dos deputados, para, com isso, beneficiarem de ajudas de custos e apoios às despesas de deslocação superiores àqueles que lhes seriam devidos. Na altura, o MP informou que não tinham sido constituídos arguidos.
Falta de controlo nas moradas e nas viagens
Esta foi, aliás, outra das irregularidades detetadas pelo TdC – na auditoria avançada pelo i esta semana –, onde se lê que «os registos biográficos dos deputados» estão «desatualizados». Além das moradas desatualizadas, os juízes detetaram ainda documentos de identificação fora de validade e erros na informação sobre dependentes.
A situação já tinha sido sinalizada pela Direção de Serviços Administrativos e Financeiros, que enviou um email para os deputados e para os serviços «alertando para a obrigatoriedade de atualizar os dados de titularidade de IRS junto da entidade patronal», refere o documento do TdC.
O regulamento do Parlamento em vigor desde 2004 prevê que todos os deputados dos Açores e da Madeira – onde se inclui o líder parlamentar do PS, Carlos César – recebam por semana um subsídio fixo de 500 euros para suportar uma viagem de avião às ilhas.
Esta compensação em ajudas de custo é devida mesmo que os deputados não viajem e é paga sem exigência de comprovativos, a não ser que os beneficiários faltem a trabalhos parlamentares. Só com este subsídio fixo, os deputados das ilhas recebem, por mês, entre dois mil a 2.500 euros líquidos, que acrescem ao salário.
No total, em ajudas de custo para viagens e deslocações dos deputados, em 2017, o Parlamento pagou 3,1 milhões de euros.
Tendo em conta que as viagens são custeadas pelos deputados e que não é exigido qualquer comprovativo de tais despesas, os juízes do TdC alertam que os pagamentos das ajudas de custo para viagens que não foram realizadas são situações «insuscetíveis de serem detetadas».
Entre toda a documentação recolhida, os juízes referem no relatório que «não foram encontradas situações» em que os deputados «tenham alguma vez declarado não ter realizado as deslocações que lhes foram pagas e procedido à reposição das quantias» que receberam.
Além das ajudas de custo de 500 euros semanais, os deputados das ilhas podem ainda receber o Subsídio de Mobilidade, através do qual o Estado, nos CTT, reembolsa parte do valor do bilhete de avião. Desta forma, para a mesma viagem, os deputados podem receber uma dupla ajuda de custo.