O economista Paulo Trigo Pereira era um dos deputados mais desalinhados na bancada parlamentar do PS. Em dezembro de 2018 acabou por anunciar que iria deixar de ter ligações à bancada socialista, passando a ter o estatuto de deputado não inscrito. Uma mudança que veio acabar com o «desconforto» que se sentia tanto do lado do partido como do próprio deputado, explicou Trigo Pereira em entrevista ao SOL. O deputado conta ainda que a bancada o tentou «convencer a não sair» e que «obviamente» o partido não ficou «satisfeito». Com o novo estatuto, Trigo Pereira diz que se sente mais «liberto» para se focar em iniciativas legislativas.
Agora que saiu da bancada socialista consegue fazer um melhor trabalho?
Sim. Agora tenho uma capacidade de submeter iniciativas legislativas que não tinha antes. Posso dar o exemplo do Orçamento do Estado. Na altura, apresentei cerca de 25 a 26 iniciativas legislativas e só seis é que passaram. Agora, posso focar-me em poucas iniciativas e todas dão entrada.
Em entrevista à Lusa disse que se sentiu mais liberto com a saída da bancada do PS. É uma realidade?
Completamente. Neste momento tenho um espaço de intervenção no plenário que não tinha.
Tem quantos minutos?
Só os uso se tiver alguma coisa relevante para dizer.
O PS ficou satisfeito com a sua saída?
Diminuiu o desconforto por haver um deputado que tem votos desalinhados. E também me diminuiu o desconforto de sentir que estava a provocar um desconforto. Nesse sentido, houve um benefício mútuo. Mas, obviamente, que não ficaram satisfeitos. Ninguém fica satisfeito em perder um deputado da sua bancada. Tentaram convencer-me a não sair, mas isso é passado. O que me interessa é o presente e o futuro.
Apresentou uma iniciativa para que o Governo negoceie com a Comissão Europeia um menor esforço orçamental. Acha que vai conseguir ter efeitos práticos?
Espero que tenha um impacto a dois níveis. Sugiro que haja uma redução do objetivo a médio prazo para menos 0, 5%, porque isso significaria um menor esforço de famílias e de empresas o que seria compatível com a sustentabilidade das finanças públicas.
Estamos a falar de uma diferença de 1.500 milhões de euros…
Estamos a falar de uma diferença de 1.500 milhões de euros todos os anos. Não teria efeitos este ano, só em 2020, em 2021 e em 2022.
4.500 milhões de euros em 3 anos.
Aproximadamente. Mas esta é uma das dimensões do projeto de resolução. A outra dimensão é tornar mais transparentes as regras orçamentais da União Europeia. São regras que, à exceção dos especialistas, ninguém percebe.
E como se podem distribuir os 1.500 milhões de euros para se conseguir um menor esforço das famílias e das empresas, sem pôr em causa as finanças públicas?
Em 2020 e em 2021, parte considerável desses valores podiam ser traduzidos num aumento de despesa, porque vai ser a consequência de medidas que estão a ser tomadas. É disso exemplo a redução das propinas. Em 2019, o impacto dessa medida só se vai sentir no final do ano, porque só entra em vigor no início próximo ano letivo [em setembro]. Mas, em 2020, a redução das propinas já vai ter impacto durante todo o ano. Outro exemplo é o descongelamento de carreiras. Está em curso o descongelamento das carreiras, de forma progressiva. Por isso, o impacto global só se vai sentir em 2020. Também a regularização dos precários na Função Pública ou as admissões que se estão a fazer dos enfermeiros, dos médicos, tudo isto só vai ter impacto total em 2020. Outra situação que também não é normal, é não haver atualização salarial na Função Pública. Acomodar estes valores também iria gerar algum acréscimo de despesa.
Acredita num crescimento da economia a 5%?
Se a economia crescer a 4% em termos nominais, já há alguma margem para a redução da carga fiscal.
O Governo tem sido otimista nas suas previsões?
O Governo tem acertado nas previsões, mais do que a Comissão Europeia. E tanto tem [acertado nas previsões] que não precisámos de nenhum orçamento retificativo durante estes quatro anos. Ao contrário do que aconteceu nos quatro anos anteriores.
Também acha que o aumento do salário mínimo pode trazer o risco de criar uma diferenciação entre o público e o privado?
O salário mínimo devia ser igual nos dois setores, sendo que o público acaba por puxar um pouco o privado. Mas era desejável que fosse igual nos dois setores.
O Presidente da República levantou essa dúvida…
Percebo a posição do Presidente e, em linhas gerais, estou de acordo com a posição.
A Função Pública devia ter tido aumento salarial generalizado já este ano?
Não, por causa das restrições orçamentais. Mas em situação de normalidade deve haver uma atualização salarial em linha com a inflação, coisa que não tem existido. Houve cortes no passado, agora houve reversão desses cortes e está ainda a ocorrer um descongelamento de carreiras. Mas ainda não está a haver uma atualização salarial normal. Se não, perde-se salário real.
Continua a falar regularmente com o ministro das Finanças?
Continuamos em contacto sim. Tudo o que faço de importante dou conhecimento ao primeiro-ministro e a Mário Centeno.
Saiu da bancada do PS mas não deixa de ter esse contacto…
Alterei a maneira de trabalhar no Parlamento, mas não deixei de apoiar o Governo e as políticas que têm sido adotadas. Mantenho o contacto porque acho que é assim que ajudo o Governo, dizendo o que penso sobre o Orçamento do Estado ou sobre o programa de estabilidade. Sempre foi essa a minha postura no Parlamento, mesmo dentro da bancada do PS e ainda mais agora.
É uma mais-valia termos Mário Centeno como presidente do Eurogrupo, ou não?
É uma clara mais-valia. Não tenho dúvidas disso. É das pessoas mais competentes que conheço, à escala nacional e europeia.
Mas acha que Centeno tem sido uma voz suficientemente ativa na defesa dos interesses do país na Europa?
Acredito que sim.
Rejeita então a ideia que somos um bom aluno?
Sim. Há uns anos, Mário Centeno subscreveu uma carta de vários ministros das Finanças. Na altura, discutia-se o saldo estrutural por causa das metodologias no Euro. Tem tido uma postura pró-ativa em termos das regras europeias. Está muito longe e não tem nada que ver com a postura do bom aluno seguida por Vítor Gaspar no tempo da troika. Quem, aliás, quis ser um aluno melhor do que aquilo que a troika exigia a Portugal.
Maria Luís Albuquerque também?
Sim, nesse aspeto penso que a governação PSD/CDS foi muito acrítica.
Assinavam por baixo?
Em 2012 foram além da troika. É bom recordar.
Está a trabalhar num projeto para alterar as regras de escolha de dirigentes da Administração Pública. Qual é o modelo que defende?
O projeto já se transformou em três: um vai ser sobre a CRESAP [Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública], outro sobre as nomeações para as entidades reguladoras e o terceiro para as nomeações de gestor público. Defendo que princípios como a credibilização, a transparência e uma clarificação, devam ser tidas em conta nas nomeações políticas e também nas nomeações técnicas.
O atual sistema permite abusos?
O sistema não é claro. Há sempre a tentação de se fazerem nomeações políticas que acabam por ser, muitas vezes, sob uma roupagem técnica. É para evitar isto que vou lançar estas iniciativas. Uma nomeação política deve ser assumida e aquilo que é mais técnico deveria ser concursal, mais competitivo.
O que pode ser mais técnico?
São, por exemplo, as direções-gerais que têm a ver com os estudos, uma Biblioteca Nacional ou as direções-gerais que são mais operacionais e menos políticas.
O Governo PS também teve a tentação de fazer nomeações políticas camufladas por escolhas técnicas?
Todos os Governos têm essa tentação. Mas não há mal, antes pelo contrário, em haver algumas nomeações políticas. Deve é ser mais transparente o que são nomeações políticas.
Em época eleitoral há sempre a tentação de acelerar algumas escolhas ou nomeações. Teme que este tipo de situações seja mais frequente em 2019?
O que se passa hoje é semelhante ao que aconteceu noutros ciclos políticos. As nomeações e a forma de as fazer, dependem do modelo institucional que existe. E os partidos, sejam de esquerda ou de direita, ajustam-se ao modelo institucional. Precisamos mudar as regras para mudar o funcionamento do sistema.
Entregou também uma proposta para que os cidadãos possam apresentar iniciativas legislativas sobre temas de reserva absoluta da Assembleia da República [área das Forças Armadas, eleições ou assuntos classificados como segredos de Estado]. É desta forma que se reduz o afastamento dos cidadãos do Parlamento?
Não é a única, mas é uma das formas. Desde 2003, foram apresentadas sete iniciativas legislativas de cidadãos. No início, para darem entrada no Parlamento, eram exigidas 35 mil assinaturas e em 2016 reduziu-se para as 20 mil. Quer dizer que estas sete iniciativas mobilizaram 245 mil cidadãos, o que é muito. Mostram que os cidadãos estão disponíveis para participar. Mas a lei da iniciativa legislativa dos cidadãos é um obstáculo. Há matérias muito relevantes, como a reforma do sistema eleitoral, em que não se percebe porque é os cidadãos não podem ter iniciativa legislativa. Não há nenhum argumento constitucional.
Há uma petição para que se criem círculos uninominais. Será desta que Portugal aplica essa reforma?
Não é um modelo de círculos uninominais, que até é inconstitucional. A petição, que também defendo, é de sistema misto, proporcional, como exige a Constituição. Estou convicto que sim, que vamos avançar. Espero que seja na próxima Legislatura. É um movimento imparável.
Defende a redução do número de deputados?
Não, não defendo e esse é um debate que devia terminar. Não defendo por duas razões. A primeira é que Portugal é dos países europeus que tem menos deputados. Mas há uma segunda razão mais importante que esta. Todos os pequenos partidos, por razões que entendo, são completamente contra a redução do número de deputados. Como têm poucos deputados têm dificuldades em estar presentes nas comissões parlamentares. Por isso, veem, com alguma razão, a redução do número de deputados como forma de os grandes partidos asfixiarem os pequenos.
Chegou a dizer que se trabalhava pouco na Assembleia…
Sim, distingui trabalho de atividade. Há muita atividade mas trabalho não tanto quanto poderia existir.
De quem é essa responsabilidade?
É, sobretudo, de procedimentos e regras internas da Assembleia da República que deveriam ser revistos.
Quais?
Relatórios que se fazem sobre todos os projetos de lei, por exemplo. É preciso reavaliar estes relatórios porque há sempre uma nota técnica dos serviços da Assembleia sobre os projetos de lei. Por isso, é preciso perceber muito bem qual é o valor acrescentado destes relatórios. Devia haver um simplex para a Assembleia da República e uma reavaliação do regimento, para se conseguir maior eficácia dos trabalhos parlamentares.
Está na comissão de transparência. O comité de ética, proposto pelo PS, é a resposta às polémicas sobre as falsas presenças?
Depende da forma como for implementado esse comité de ética.
Porquê?
O comité de ética não pode estar acima da comissão onde está integrado. Nem pode fazer de filtro a questões que sejam suscitadas no campo da transparência e da ética.
Depois das várias polémicas com as falsas presenças, como se resolve, então, o problema de imagem do Parlamento?
A proposta do Partido Socialista é muito recente. Nesta comissão já se avançou muito. Espero que saia daqui muita coisa, sobretudo, do ponto de vista do alargamento das regras de transparência de titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos ou no domínio da simplicidade das regras, porque haverá uma única declaração de rendimentos, do património e interesses. Se a entidade da transparência – que vai acompanhar todo o processo das declarações e da criação de registos em relação a ofertas, a hospitalidades, à representação de interesses – for bem feita, tudo isto pode melhorar a transparência, a credibilidade dos processos bem como a imagem da Assembleia da República.
Os deputados têm privilégios injustificados?
Sim. Continuo sem perceber porque é que um deputado pode justificar uma falta por motivo de força maior. É uma expressão que não diz nada. Nenhum outro trabalhador, nem do público, nem do privado, pode utilizar essa figura.
Qual a sua opinião sobre uma eventual comissão de inquérito à atuação do governador do Banco de Portugal por causa do Novo Banco?
Investigar bancos em atividade, e isto aplica-se, quer à CGD, quer ao Novo Banco, que pode ter repercussões bastante negativas. Sobretudo se o que aconteceu nos bancos for usado como arma de arremesso político-partidário. Criar comissões de inquérito a escassos meses das eleições é meter a banca no jogo político e não sou favorável a isso. Defendo auditorias, não comissões de inquérito. A auditoria da EY à CGD foi importante. E a auditoria que já foi pedida ao Novo Banco também é muito importante.
As europeias vão ser um teste ao populismo para Portugal e para a Europa?
Sim. As sondagens indicam que os partidos eurocéticos vão aumentar a sua representação no Parlamento Europeu. Há uma certa ascensão de partidos populistas e para Portugal também vai ser um teste. Somos capazes de ter aí novas formações.
Já é conhecida a lista do PS para as eleições europeias. Vai votar no PS?
O voto é secreto (risos). Sou uma pessoa de centro-esquerda fortemente europeísta e com preocupações ambientais, mas de uma nova Europa. Nesta minha área política, o PS_é um dos partidos que lá está, o PAN é outro e o Livre é outro. Só há estes três partidos que têm um programa fortemente europeísta, no sentido de melhorar a Europa. Não no sentido de ser o bom aluno da Europa.
Quais são os partidos que têm essa visão?
Os partidos de direita querem ser o bom aluno da Europa. Não me revejo nisso. A visão dos partidos de esquerda, PCP e Bloco de Esquerda, é contra a Europa. Na prática só existem três partidos que podem suscitar o meu interesse. Terei que ver as listas e os programas que vão ser apresentados.
Não se compromete com o voto no PS?
Não costumo revelar publicamente em quem voto. Há pessoas na lista que considero bastante mas também há pessoas que não estão na lista e deveriam estar.
Quem deveria estar na lista e não está?
Francisco Assis deveria estar na lista. Apesar de ser um crítico, devia estar na lista e não vou entrar em mais nomes.
Como olhou para a remodelação do Governo? Foi uma remodelação em circuito fechado ou um sinal de renovação a olhar para a próxima legislatura?
António Costa está a fazer duas coisas ao mesmo tempo. Está a dar uma oportunidade a jovens quadros qualificados do PS e ao mesmo tempo está a testá-los.
Não é um cheque em branco?
São pessoas que vão ter de desempenhar funções governativas, a um nível que nunca fizeram antes. Estou a pensar em Pedro Nuno Santos, em Mariana Vieira da Silva ou mesmo João Galamba e Graça Fonseca como ministra da Cultura. A remodelação permite ver como é que as pessoas desempenham estes cargos e, colocando -me na pele do primeiro-ministro, a expectativa é que funcionem bem. Se funcionarem bem, António Costa tem já uns nomes para a próxima Legislatura. Mas espero que na próxima legislatura António Costa não faça um fechamento do Governo, caso ganhe as eleições. Isso aconteceu com Sócrates, do primeiro para o segundo mandato: um primeiro mandato mais aberto e um segundo mandato bastante mais fechado.
Há o risco de António Costa estar a cometer os mesmos erros que José Sócrates?
Não. Não comparo, de maneira nenhuma, António Costa com José Sócrates. Não tem comparação possível.
Para as legislativas, preferia uma maioria absoluta do PS ou um acordo à esquerda?
Aquilo que prefiro não interessa porque não vai influenciar os resultados.
Mas nunca votou direita, portanto votará no PS?
Nunca votei à direita, nem nunca votarei. Há casos em que me tenho abstido. Posso garantir-lhe que em 2011 não votei em José Sócrates. Foi um erro colossal do PS tê-lo apresentado como candidato a primeiro-ministro.
O que pretende fazer depois de 6 de outubro?
O meu plano A é voltar à Universidade. É o que mais gosto de fazer e o que me dá maior satisfação. É uma vida bastante mais equilibrada.
Está desiludido com esta experiência?
Não. Não estou nada desiludido com esta experiência. Está a cumprir exatamente aquilo que previa que é aprender como funciona a Casa da Democracia e poder contribuir alguma coisa para a melhoria do país. Não estou nada arrependido. Se me perguntar, é uma vida mais dura do que a da universidade? É. É uma vida muito mais dura do que na universidade.
É expectável vê-lo num próximo Governo de António Costa, caso vença as eleições?
O que posso dizer é que não tenho ambições políticas nenhumas. Tenho ambições de melhorar o país e de poder dar um contributo. A atividade política tem um custo para mim. Só vale a pena se for para um bem maior.