‘Este regime está podre’

Miguel Morgado, que lançou um movimento para unir a direita, defende uma coligação pré-eleitoral, mas primeiro é preciso trabalhar para isso e construir uma ‘base comum’

O que levou à criação do Movimento 5 de julho?

Nasce de um diagnóstico, partilhado entre nós, de que há carências e lacunas de ordem cultural, intelectual e de implantação social da grande família não socialista. Essas carências arrastaram-se durante muitos anos e degeneraram numa crise. Este movimento existe para ajudar os partidos. Tem uma vocação que em nada se confunde com a dos partidos. Cabe também à sociedade civil ter um papel a dizer sobre a superação dessa crise.

Essa crise na direita nasceu com a criação da chamada ‘gerigonça’ ou é mais profunda que isso?

É mais profunda que isso. A direita, os partidos não socialistas, têm, há muito tempo, uma enorme dificuldade em ganhar eleições. O PSD e o CDS só chegaram ao poder em dois momentos, quando o Partido Socialista se esgotou a si mesmo e ao país do ponto de vista financeiro e económico. Tanto em 2002 como em 2011. A direita tem negligenciado essa parte da intervenção cívica.

A ideia é apresentar um projeto político para o país?

O nosso movimento nunca vai apresentar um programa de Governo. Isso seria um disparate e seria uma intromissão na vida dos partidos. O que queremos fazer é refundar e reconstruir os alicerces sociais, culturais e intelectuais em que assenta uma determinada ideia do país. Só podemos ter um projeto político para o país se assentar numa redefinição dos conceitos e nos valores da direita política no século XXI. É esse trabalho que está por fazer e não cabe aos partidos políticos, porque têm outras responsabilidades. Há outros trabalhos que consomem a atenção e a energia dos seus militantes. Cabe à parte da sociedade que não se revê no socialismo, nem na extrema-esquerda, fazer agora um esforço para repensar e reconstruir esses alicerces.

Acha que o PSD atual se revê nessa necessidade?

Claro que sim. O PSD, o CDS e os outros partidos que entretanto têm aparecido representam uma parte da sociedade que não se revê no modo socialista de governar.

Rui Rio já admitiu várias vezes fazer acordos com os socialistas a seguir às eleições.

Não sei quais são os planos de Rui Rio para o futuro nem quero falar nisso. Neste movimento estão militantes e alguns dirigentes do CDS, do Aliança e da Iniciativa Liberal. Além de outros militantes do PSD. O movimento não vai interferir na vida interna dos partidos. Isto é um esforço que vai demorar anos de maturação e requer a convocação das novas gerações. Não é algo que se prepare em dois ou em três meses. Precisamos de um projeto para o país, completamente diferente do que temos tido desde que o Partido Socialista se tornou dominante na sociedade portuguesa.

O movimento não tem ninguém próximo da atual direção do PSD. Porquê?

É uma coincidência. Teria muita honra em ter alguém, que se revisse no manifesto que vamos publicar, próximo de Rui Rio. Teria a maior honra e o maior orgulho. Não há nenhuma espécie de cordão sanitário à volta disso. Seria um disparate. Mas queremos marcar uma fronteira muito clara entre o que é o projeto socialista de governação e de sociedade e aquilo que defendemos. Isso sim. Isto é um esforço de pessoas que pensam da mesma maneira. Não resultou de nenhuma jogada de bastidores.

Não houve contactos com a direção do PSD?

Não tive conversações com nenhuma direção partidária. As pessoas aderiram. O que é interessante neste movimento é que não vamos pedir a ninguém que sacrifique as suas diferenças. Queremos refletir as direitas ou a família não socialista na sua heterogeneidade. A ideia é construir uma base comum do ponto de vista dos conceitos e dos valores para os partidos, para que num momento qualquer no futuro, possam interpretar essa base comum que seria propícia, no futuro, a um entendimento entre esses partidos.

Não poderá ser a base de um futuro partido político?

Jamais. Isso seria trair o desígnio do movimento. O movimento tem militantes de vários partidos. Ninguém vai abdicar dessa militância partidária.

Há espaço para um novo partido de direita?

Apareceram agora alguns novos partidos. As pessoas têm uma ampla capacidade de escolha entre os partidos que existem.

Já defendeu uma coligação pré-eleitoral entre os partidos de direita. Santana Lopes defendeu recentemente essa possibilidade. Ainda é possível?

Já disse isso várias vezes, mas há agora esta ideia da ‘geringonça’ de direita e demarco-me totalmente disso. ‘Geringonça’ é uma espécie de dispositivo composto por peças contraditórias e que depois de uma maneira mais ou menos miraculosa funciona. Isso é que é uma ‘geringonça’. É uma coligação de pura oportunidade política. Sabemos que ela aparece em 2015 para salvar a carreira política do atual primeiro-ministro e para servir alguns interesses do Partido Comunista e do Bloco de Esquerda, que toda a gente sabe quais são. Pessoalmente, sempre fui favorável a uma coligação pré-eleitoral, mas isso pressupõe que há um trabalho que já foi feito para dar coerência a essa coligação. Esse trabalho ainda não foi feito.

Está a ser feito?

Estamos muito longe de ter esse trabalho feito e faz parte da estratégia de cada um dos partidos concorrer às eleições por si. Isso não tem problema nenhum. O que vamos propor é a construção de uma base comum que talvez no futuro sirva para um entendimento entre os partidos. Cabe às lideranças dos partidos decidir.

Seria útil para tentar vencer a esquerda?

Não sabemos quanto tempo é que esta solução política vai predominar. Nem sei quem vai ganhar as eleições este ano.

As sondagens dão uma vitória clara ao PS e não se sente um clima favorável ao PSD…

Também não há nenhum entusiasmo à volta do Partido Socialista. Não se vê nenhuma onda de entusiasmo à volta deste projeto político ou do primeiro-ministro. O que António Costa fez foi baixar radicalmente as expectativas dos portugueses para que qualquer coisa que fizesse parecesse um brilharete. Não é maneira de governar um país.

Previa que esta solução política durasse quatro anos?

Como sabemos havia necessidades muito prementes dos três partidos que fizeram esta ‘geringonça’. Eram, de facto, vitais para qualquer um deles e enquanto houve essa vitalidade a ‘geringonça’ vingou. Percebemos hoje, claramente, que essas necessidades eram profundas. Para alguns era uma questão de sobrevivência.

A verdade é que este Governo depende da esquerda, mas não deixou de cumprir as metas europeias e em alguns aspetos nem sequer governou à esquerda.

O PS compreendeu que a única coisa que o podia derrubar era o colapso financeiro. É o que normalmente derruba o PS. Não esqueço que no início do mandato ainda tentaram uma brincadeira dessas quando apresentaram um orçamento totalmente disparatado. Foi chumbado em Bruxelas e voltou para trás. Arrepiaram caminho e avançaram com o tal Plano B. A única coisa que fizeram foi cumprir as metas europeias e o resto ficou sacrificado a esse objetivo. Não há nenhum projeto, não há nenhuma reforma estrutural. Perdemos uma oportunidade histórica com uma conjuntura ultra favorável da economia mundial. Portugal desperdiçou essa oportunidade e a responsabilidade é deste Governo. O país merece mais do que isto. Estamos estagnados há vinte anos e a promessa do PS, que mantém a mesma linha de governação da era Sócrates, com os mesmos protagonistas e os mesmos métodos, é conduzir o país a uma estagnação por mais 20 anos.

O que trava um maior crescimento do país?

Há aqui uma lógica de governação do Partido Socialista desde 1995. Não é um acaso de uma liderança. Já tivemos Guterres, já tivemos Sócrates… Há uma evolução do PS como partido de governação no sentido de o converter num partido de Estado. A ocupação do Estado pelo partido, a ocupação dos centros de decisão, o condicionamento das decisões dos portugueses aos interesses desse partido de Estado criando grandes redes de clientelas. Esse é o projeto de governação do PS a que tudo o resto tem que se sacrificar. A bancarrota de 2011 não aconteceu por acaso. Tal como não aconteceram por acaso as suspeitas de corrupção sobre José Sócrates e os seus amigos. Isso não vem do nada. A lenda que nos querem contar é que houve ali um cometa que caiu do céu, mas isso resulta de um regime que está a ser fabricado desta maneira. Burocrático, centralizado, estadista… E agora, com a entrada do Bloco de Esquerda nesse projeto de governação, uma esquerdização da sociedade que se reflete em várias matérias. Nada disso conduz ao desenvolvimento de Portugal do ponto de vista económico, da elevação dos salários, da mobilidade social, da abertura social…

Mas há uma diferença entre José Sócrates, que está acusado de corrupção, e o atual primeiro-ministro…

Claro. Mas há um conjunto de ações que o Governo foi tomando de intromissão e de fabricação de dependências. A ideia é sempre essa. A multiplicação de uma rede de dependências aconteceu também com António Guterres e com José Sócrates. E para se conseguir fazer qualquer coisa convém não desagradar ao Partido Socialista. Os partidos políticos não existem para colonizar o Estado e a sociedade.

Foi crítico desde o início da atual liderança do PSD. Desde que Rui Rio aprovou a moção de confiança no Conselho Nacional que se vive uma certa paz interna. É uma paz podre ou sente que o PSD está mais capaz para alcançar a confiança das pessoas?

O PSD está a preparar-se para ir às eleições. São as primeiras eleições da atual direção que apresentou uma lista às europeias, muito mais forte e com mais qualidade do que a do PS. Nesse aspeto está mais bem preparado. Faço votos de que as eleições corram bem ao PSD. Era muito importante derrotar o PS.

Rui Rio está a ser avaliado nestas eleições europeias ou no PSD já é claro para todos que deve ser ele o candidato às legislativas?

As lideranças são sempre avaliadas pelos resultados eleitorais, mas não acho que a liderança de Rui Rio esteja em causa ou dependente do resultado das europeias.

Trabalhou alguns anos com Passos Coelho. Faz sentido falar num possível regresso?

Tem de lhe perguntar a ele.

Faz sentido alimentar essa possibilidade?

Foi um líder marcante, mas sempre achei que depois da saída de Passos Coelho era altura de apresentar outras soluções. Sou insuspeito porque se diz por aí que sou um passista, mas o que digo é que depois de Passos Coelho têm de aparecer outros protagonistas. Não podemos estar sempre a regressar às soluções do passado. O PSD tem de demonstrar que é capaz de renovar as suas lideranças e que sejam credíveis para o país. Estamos a falar de um futuro totalmente indeterminado.

Esta liderança é credível?

O PSD tem de ter a capacidade de mostrar ao país que é capaz de produzir e apresentar lideranças credíveis. Um partido que não seja capaz de o fazer está a ficar esgotado. Como não quero que o PSD seja um partido esgotado espero que apresente lideranças credíveis.

Como tem sido a experiência como deputado?

É desafiante. Ganhei mais respeito institucional pelo Parlamento. Tornei-me ainda mais crítico dos políticos que não respeitam o Parlamento. O mérito dos parlamentares nem sempre é reconhecido. Os deputados trabalhadores­ – e há aqui muitos – estão a cumprir o seu dever. Aqueles que não estão à altura das suas tarefas devem ser objeto de censura política. Mas recuso-me a alimentar um discurso contra os partidos e sobre as regalias dos deputados, que normalmente são muito mais escrutinados que outros membros de órgãos de soberania com remunerações e condições de trabalho muito mais generosas.

É favorável a uma reforma do sistema eleitoral que permita aproximar as pessoas da classe política?

Tenho sido muito crítico do modo de fazer as coisas politicamente em Portugal. Não ao regime constitucional, mas a este modo informal de se fazerem as coisas. A forma como se exerce o poder tem produzido resultados nocivos para os portugueses. Estagnação económica, bancarrota, corrupção, opacidade… Tenho sido muito crítico disso e precisamos de muitas reformas para superar esta condição do país. É necessária uma discussão para definir quais as reformas necessárias e para abandonarmos este regime que está verdadeiramente podre.

Quando diz que este regime está podre está a referir-se a quê?

Não é o regime constitucional. É o modo de governação informal e o modo como se fazem as coisas em Portugal. O sistema de governação de conluio entre interesses empresariais, financeiros e partidários conduziu o país a um endividamento alucinante. Foi o que aconteceu em 2011 e depois descobriu-se que estava tudo assente numa pirâmide de corrupção monstruosa em que as instituições independentes são intimidadas se não se vergarem à força deste poder dominante. É um sistema que precisa de mudar. Há um ceticismo tremendo das pessoas em relação aos políticos e às vezes até deviam ser mais céticas relativamente a algumas instituições. Temos de fazer um conjunto de reformas e de mudanças porque Portugal está a ver o mundo todo a passar ao seu lado. Há 20 anos, as democracias do Leste da Europa eram todas mais pobres do que Portugal. Hoje, uma parte significativa desses países já nos ultrapassou ou está em vias de nos ultrapassar. Portugal está no fundo da corrida a disputar o nível de prosperidade com a Roménia e com a Bulgária. É inconcebível, mas não é uma obra do acaso. As causas da degradação do nível de vida dos portugueses e da corrosão institucional estão integralmente nesta coisa a que chamo regime informal. Em Portugal houve pessoas de grande estatura institucional que tentaram convencer o país, quando estava debaixo de uma enorme pirâmide de corrupção, que não havia corrupção em Portugal. Tentaram fazer-nos de parvos num processo de infantilização e o que nos disseram foi que estava tudo a correr às mil maravilhas.

É por isso que condena que António Costa tenha ido buscar algumas pessoas do Governo de José Sócrates?

Claro. São responsáveis por aquilo que aconteceu. O núcleo duro do Governo de Sócrates foi integralmente reproduzido quatro anos e meio depois. Não conheço nenhum outro país onde isto pudesse acontecer. As pessoas estão agora a descobrir o nepotismo deste Governo. Assusta-me termos como ministro da Segurança Social alguém que foi o ministro da Economia de Sócrates. Politicamente isto não devia ser aceitável, mas toda a gente achou normal.

Gostaria de continuar como deputado?

O meu mandato termina agora no verão de 2019. Vou sair do Parlamento e virão outros deputados.

Gostaria de entrar na lista do PSD nas próximas eleições?

Não vou pedir a ninguém para entrar na lista. Acredito que há gente muito melhor para ocupar este lugar. Não tenho nenhum problema em reconhecer isso.