Centeno acena com resultados históricos

Para o ministro das Finanças, o OE ‘é sinónimo da credibilidade do caminho traçado’ pelo Executivo ao apresentar ‘o défice mais baixo da democracia e o crescimento económico mais alto dos últimos 20 anos’.

Portugal vai deixar «de viver à custa dos impostos que serão pagos pelas gerações futuras». A garantia foi dada pelo Ministério das Finanças ao acenar com o excedente de 0,2% do Produto Interno Bruto (PIB) no saldo orçamental. Uma situação que, no entender de Mário Centeno, «é sinónimo da credibilidade do caminho traçado» pelo Executivo, uma vez que foram apresentados «os défices mais baixos da democracia e o crescimento económico mais alto dos últimos 20 anos».

Para o governante, não há dúvidas: «Este orçamento é melhor do que os anteriores. Portugal está melhor e os portugueses estão melhor que nos anos anteriores». E dá números: «Face a 2015, são mais 38 mil milhões de euros de PIB e são mais 12 mil milhões de euros de salários pagos em Portugal face a 2015. Desde aí, o crescimento acumulado do investimento em termos reais foi de 28%, o dobro do registado na zona euro, e o crescimento acumulado das exportações foi de 21%, acima do crescimento do comércio mundial».

Esta semana, aos militantes socialistas, já tinha caracterizado o documento como sendo uma proposta de esquerda por aumentar as prestações sociais e por concluir o processo de descongelamento das carreiras na administração pública. Ainda assim, afastou ‘aventureirismos’. «Este é um orçamento de esquerda. São melhoradas todas as prestações sociais (abono de família, Complemento Solidário para Idosos, Rendimento Social de Inclusão, apoios à paternidade e maternidade). Olhamos para a dimensão social da política do Estado de forma muito séria».

Outra promessa do ministro das Finanças diz respeito à alteração dos escalões do IRS, que no entanto só serão atualizados no próximo ano. «O programa de Governo tem inscrito desde o início, e estava assim no programa eleitoral do PS, que a revisão dos escalões do IRS seria concretizada em 2021, portanto, para o ano seguramente aqui estaremos, contando com o vosso apoio com certeza para essa medida», afirmou Centeno.

 

Propostas

De acordo com a proposta, o Governo pretende atualizar os escalões de IRS em 0,3%, em linha com a média da inflação registada até novembro. Trata-se do mesmo valor que servirá de base aos aumentos dos funcionários públicos. Mas esta alteração, apesar de ligeira, acabará por se traduzir em maiores poupanças para quem tem salários mais elevados. A atualização dos escalões implica que sujeitos passivos casados com três filhos vão poupar, só pela atualização de escalões, entre 0,42 euros (se receberem 800 euros por mês brutos por titular) e 35,69 euros (se auferirem seis mil euros brutos por titular), de acordo com as várias simulações feitas pelas consultoras. Além disso, como as taxas de IRS são progressivas, uma atualização do limite superior dos escalões resulta em mais rendimento a ser tributado à taxa do escalão inferior e, consequentemente, em menos imposto a pagar.

O Governo pretende também reforçar as pensões contributivas de valor mais baixo. A ideia «é aumentar os rendimentos destes pensionistas e combater a pobreza entre os idosos», que inclui a atualização das pensões prevista na lei, de 0,7%, para cerca de dois milhões de pensionistas e um aumento do valor do referencial do Complemento Solidário para Idosos (CSI). Para já, de acordo com a ministra do Trabalho, não está previsto um aumento extraordinário das pensões, mas admite-se que, em sede de especialidade, essa medida poderá ser tida em conta.

Aliás, ainda esta semana, no Parlamento, a ministra do Trabalho voltou a falar na necessidade de valorizar as pensões mais baixas, mas afirmou que está «em fase de construção», lembrando aos deputados que o compromisso da proposta orçamental inclui a atualização prevista na lei, que permite um aumento real das pensões a cerca de dois milhões de pensionistas, medida que custará 93 milhões de euros.

Feitas as contas, o documento prevê um aumento de 744 milhões de euros na despesa global com pensões no próximo ano, sendo que esta verba reflete também «os aumentos ao longo dos últimos três anos e a eliminação do fator de sustentabilidade em profissões de desgaste rápido».

 Recorde-se que, nos últimos três anos, o Governo atribuiu um aumento extraordinário até 10 euros por pensionista. Em 2017 e 2018, este aumento foi aplicado a partir de agosto e em 2019 a partir de janeiro.

 

Braços de ferro

Outro braço de ferro diz respeito aos aumentos dos salários da Função Pública, apesar de o Governo ter dado aos partidos de esquerda sinais de que está disposto a ir «um pouco» mais além. A proposta do Executivo é que os salários dos funcionários públicos sejam atualizados mediante a inflação de 2019, ou seja 0,3%. Contudo, estes aumentos podem ir até 1%, dada a pressão que os sindicatos e os partidos de esquerda têm feito. Está em causa um acréscimo de despesa em torno dos 120 milhões de euros, ou seja, o custo da atualização passaria de 70 milhões de euros para cerca de 190 milhões.

Mas os problemas não ficam por aqui. Uma principais críticas diz respeito às medidas previstas para os imóveis. O Governo pretende que os edifícios em ruínas e os terrenos para construção localizados em zonas de pressão urbanística sofram um agravamento do imposto. No ano passado, o Estado já tinha avançado com a penalização para imóveis devolutos.

Uma medida que não agrada aos proprietários. «Estas alterações ao IMI não podem ter uma função punitiva sem ser dada qualquer justificação», refere ao SOL o presidente da Associação Lisbonense de Proprietários, Menezes Leitão, acrescentando que este «ataque à propriedade privada» vai prejudicar ainda mais o mercado de arrendamento e «agravar ainda mais a crise habitacional». Já quem comprar uma casa com um preço superior a mais de um milhão de euros vai pagar mais de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT). O valor vai aumentar para 7,5%, o que dá 75 mil euros de imposto.

Também o alojamento local (AL) vai ser alvo de alterações, com o fim das mais-valias cobradas quando um imóvel deixar de estar afeto ao regime de AL. Mas para isso é necessário cumprir um critério: manter-se no arrendamento tradicional durante cinco anos seguidos. Eduardo Miranda, presidente da Associação de Alojamento Local de Portugal, considera que estas propostas vão no sentido errado, ao  pressionarem uma migração do AL para o arrendamento.

Já o rendimento de alojamentos locais em zonas de contenção passará a ser tributado em 50%, em vez dos atuais 35%. A ideia é que parte da receita seja entregue ao Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, prevendo-se que em 2020 sejam transferidos para este instituto sete milhões de euros. Uma medida que, no entender da ALEP, é «totalmente arbitrária e discriminatória, que vai afetar o elo mais fraco, ou seja, os pequenos proprietários com um ou dois imóveis das zonas de contenção que podem ter um aumento de mais de 50% de imposto se considerarmos o agravamento do coeficiente e ainda a potencial subida de escalão». Também a Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP) teceu duras críticas ao documento, considerando que não contribui para «a estabilidade fiscal na atividade do alojamento local e retira confiança aos empresários».

 

Polémicas

O certo é que o documento está longe de não ser polémico. Ainda esta semana, a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) apontou para «indícios de suborçamentação» das despesas com pessoal, acusando o Governo de estar a omitir várias receitas orçamentais (cujo valor total é de 255 milhões), que poderão ter impacto positivo no saldo orçamental.  Mas Mário Centeno garantiu que esta dúvida era «totalmente ilegítima»

De acordo com o ministro das Finanças, o que se passa na proposta orçamental para este ano é igual ao que se verifica nas projeções de receitas do IRS, pelo que também é «totalmente ilegítimo dizer que não estão refletidas as remunerações nessa conta»

Já o Fórum para a Competitividade previu uma travagem da economia em 2020 e entre os fatores de pressão aponta a previsível mudança de ministro das Finanças: «Se Mário Centeno for substituído por um novo ministro das Finanças, com maior dificuldade em cumprir as cativações programadas, também poderá ser uma fonte de perturbação a vários níveis.