Luís Lima, Presidente da APEMIP: ‘A receita fiscal sob o imobiliário foi uma autêntica árvore das patacas’

Para Luís Lima, a questão da habitação deveria ser encarada como ‘um desígnio nacional’ e garante que ‘como país temos de ter a obrigação de criar habitação nomeadamente para os jovens e para famílias que não têm possibilidades, pois não podem ir viver para debaixo da ponte’.  

Que análise faz do setor imobiliário? A atividade não ficou alheia à pandemia?

Se me tivesse feito esta pergunta há dois ou três meses a resposta teria sido outra. Fui uma das pessoas que subscreveu aquela carta que foi entregue ao Presidente da República e ao primeiro-ministro a pedir uma estratégia integrada para a retoma gradual da atividade económica, mas acompanhada de novas medidas de contenção para evitar uma possível segunda vaga de infeções por considerarmos que seria catastrófico para o país. E, nessa altura, Portugal estava com uma excelente imagem e até admitia que o imobiliário poderia reagir mais facilmente. Só que no último mês, as coisas mudaram e hoje é difícil fazer grandes previsões. Os dados ao nível da saúde ficaram piores e infelizmente afetou o setor imobiliário. 

Até que ponto?

Nos primeiros três meses do ano, em que há dados oficiais, houve uma ligeira quebra em relação ao período homólogo do ano passado, mas ainda não se pode tirar ilações porque só temos dados até março. Só podemos ver a quebra a partir de 15 de março, já que janeiro e fevereiro tinham sido meses muitos bons. Podíamos ter tido um excelente ano para o imobiliário. Em relação ao segundo trimestre, ainda não há dados oficiais, mas pelas informações que tenho prevejo uma quebra, mas também é preciso ter noção que estivemos fechamos desde 20 de março até ao fim de abril. Alguns colegas ainda fizeram negócios através de visitas virtuais, mas infelizmente, em cada 10 visitas virtuais fazia-se um negócio, porque desta forma é muito difícil. 

Estamos a falar da compra de um imóvel…

É muito difícil comprar um imóvel sem uma visita física. Inicialmente podem ter sido feitos negócios com alguns investidores, mas com o tempo a avançar tornou-se mais complicado. Abrimos no dia 1 de maio porque foi criado um regime de exceção para o setor – até agradeci ao Governo, nunca pensei em agradecer ao Governo para me deixarem trabalhar – mas os primeiros dias foram muito complicados. Monitorizamos os consultores, pois são eles que dão a cara aos clientes e nos primeiros 15 dias, apesar de as pessoas não desistirem, diziam que era melhor falarem durante o mês de junho ou julho. Também é preciso perceber que com esta questão da saúde quem é que consegue tomar a decisão da sua vida, que é a compra de casa?

Para muitos é uma compra que o vai acompanhar para o resto da vida…

Precisamente. Muitas vezes, é a decisão da sua vida. É uma decisão que envolve um valor muito grande de investimento e também envolve uma responsabilidade de pagamento, nomeadamente de empréstimo financeiro. As pessoas têm de ter algum cuidado e, neste momento, estão muito apreensivas. Como disse, estamos muito dependentes de saber o que vai acontecer no futuro. Ainda assim, acho que o setor imobiliário tem algumas razões para estar otimista se tivermos em conta o que se passou durante o período da troika. Recuperámos muito mais rápido do que os outros setores, mas neste momento estamos a sofrer e vamos continuar a sofrer. Vamos ter uma grande quebra de transações neste último trimestre. Há dois meses, em termos de saúde, os dados eram muito positivos, infelizmente Portugal já não está assim, ou pelo menos, não consegue demonstrar outro cenário lá fora. Tenho estado confinado no Algarve e a situação está muito complicada. Mas não é só aí, é no país todo e especialmente na restauração. Não adianta andar a dizer o contrário porque toda a gente vê a olho nu que os restaurantes estão praticamente vazios. Por exemplo, no Algarve, este devia ser um mês que devia faturar mas vê-se muitos espaços fechados. Ainda se vê hotéis completamente fechados. É difícil fazer grandes previsões para o futuro porque não controlo as viagens aéreas e a entrada de cidadãos estrangeiros. E, neste momento com as dificuldades que há de acesso, eles não vêm. 

E o mercado imobiliário estava também muito assente nos compradores estrangeiros…

Estava assente nos compradores estrangeiros que acabava por contaminar positivamente o mercado interno, porque criava um clima de confiança no próprio setor. Já passei por uma crise e estudei muito e tenho alertado para as pessoas terem alguma calma porque as duas ou três grandes razões que poderiam levar a uma bolha imobiliária atualmente não existem. Uma delas é o excesso de endividamento e isso hoje não acontece. A questão das moratórias acabou por ajudar porque não há pressão de entregar o imóvel porque o proprietário não consegue pagar. A outra era o excesso de oferta que também não se verifica. Não tínhamos oferta e no mercado médio-baixo não vamos ter excesso de oferta nos próximos meses ou nos próximos anos. Agora pode haver algum tipo de mercado, como o médio-alto que, dentro de dois anos, talvez mais cedo, passe a ter um excesso de oferta porque era um mercado com risco. Sempre alertei para isso e o tempo veio dar-me razão, não pela razão que pensava porque achava que os preços não podiam continuar a subir até ao céu, mas porque a questão da pandemia pode levar a uma oscilação de preços mais rápida porque tínhamos algum excesso de oferta e viver neste segmento apenas com o mercado interno não chega, precisamos dos cidadãos estrangeiros.

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