Os últimos dias não têm sido particularmente pacíficos na comissão executiva (CE) da Iniciativa Liberal (IL). O Nascer do SOL sabe que a proposta do núcleo de Viseu para levar Fernando Figueiredo e Bernardete Santos a sufrágio autárquico gerou celeuma na direção do partido.
Tudo começou com a proposta do nome de Fernando Figueiredo pelo núcleo de Viseu ao Conselho Nacional do partido (que hoje deliberará sobre o assunto) para encabeçar o executivo da autarquia viseense. Bernardete Santos era a cabeça de lista à Assembleia Municipal. Desistiu da corrida devido a pressões por ter elogiado Salazar no Facebook.
Foi substituída por Pedro Pereira.
Mas foquemo-nos em Figueiredo – a pedra no sapato da CE.
Figueiredo causa dois problemas à direção da IL: um ideológico e outro operacional.
O ideológico é simples: há, dentro da CE, quem não se reveja e até «condene veementemente» as suas últimas afirmações polémicas.
O operacional, simples é: a IL procura adotar uma posição descentralizadora tanto na política como na sua estrutura interna e, ao afastar um nome apresentado espontaneamente por um núcleo local, está a ir contra a sua natureza – pois centraliza o poder.
E é aqui que vem desaguar a tão famosa onda liberal: dividida entre apoiar um popular viseense que considera as feministas «mal f…» e «fachistas (sic) de género», mantendo uma atitude descentralizadora, ou rejeitar a sua candidatura e demarcar-se das afirmações, centralizando o poder num ato digno de Erisictão.
O Nascer do SOL apurou que esta a divisão está instalada na direção do partido.
Há desde logo quem questione se Figueiredo «se coaduna com os valores do partido», com a certeza de que não partilha dos mesmos que os seus, como disse ao Nascer do SOL Maria Castello Branco.
Do outro lado estão nomes como Rafael Corte Real – para quem o candidato é «forte, maduro e com um percurso interessante» –, Mariana Nina, Catarina Maia e Vicente Ferreira da Silva.
Apesar de haver entre os dois citados uma discordância quanto à putativa idoneidade de Figueiredo, há uma evidente concordância na rejeição de a direção do partido estar dividida: ambos falam no «pluralismo e discussão naturais a uma Comissão Executiva». Uma visão com a qual Pedro Pereira concorda: «A divisão de opiniões é expectável num partido liberal. Se num grupo de liberais todos pensam igual então ninguém está a pensar», afirmou ao Nascer do SOL. Ademais, fonte oficial do partido mostra-se indisponível para «comentar ficção».
Ora, esta suposta «ficção» é contrariada pelas declarações de Ricardo Lima, militante do partido. Lima garante ao Nascer do SOL a veracidade da divisão da CE. Não coloca nomes mas confirma-a, acrescentado que «qualquer pessoa com Facebook ou Twitter consegue ter acesso à zanga».
Esclarecidos acerca do desconforto que a candidatura de Figueiredo a Viseu causou, procurámos saber junto de dirigentes e antigos dirigentes, passando ainda por militantes-base, se o seu perfil se enquadra ideologicamente na IL.
Cabem expressões destas num partido liberal?
Entre várias cenas menos felizes de Figueiredo no Facebook – entretanto apagadas, assim como o seu Twitter –, tomemos por referência duas das mais polémicas: quando se refere a «mal f… das fachistas (sic) feministas de género» e quando categoriza as agendas feministas e LGBT como «esquisitas».
Há quem defenda que Fernando Figueiredo não cabe ideologicamente no partido; há quem não comente; há quem perdoe as frases e as entenda como adequadas e há quem nem condene as frases e o veja como «capaz de promover os valores liberais».
Entre os primeiros está, novamente, Ricardo Lima. O militante-base afirma ao Nascer do SOL que a IL «não pode querer ser um partido credível se num dia vai a uma marcha LGBT e posta bandeiras arco-íris e no outro dia lança um homofóbico e uma salazarista para candidatos autárquicos».
Já Maria Castello Branco não comenta as decisões do partido que dirige, mas afirma que as posições demonstradas por Figueiredo são antagónicas às suas, principalmente quando acabara de lançar um «um projeto feminista liberal».
Relativamente a agenda LGBT ser «esquisita», comenta: «A agenda LGBT só promove igualdade. Eu sou gay e não acho que tenha qualquer tipo de agenda esquisita no meu bolso».
E Figueiredo cabe no partido? «Os valores do partido são liberais em toda a linha. Qualquer liberal – desde que o seja – cabe no partido», respondeu ao Nascer do SOL.
Já Guimarães Pinto, antigo líder da IL, Rafael Corte Real e Pedro Pereira comungam da mesma opinião: é preciso dar espaço ao candidato e não devemos ostracizá-lo por ter tido uma saída «menos boa» – não obstante a condenem. Os três mantêm firme a sua convicção de que Fernando Figueiredo é um bom candidato. Guimarães Pinto é claro: «Essas declarações não se coadunam com os valores do partido, o que não quer dizer que ele, no seu todo, não se enquadre. É uma questão de se ouvir o que pensa. Se disser que não pensa desta forma então faz parte». O ex-líder da IL assume também uma posição tolerante com o erro: «Todos cometem erros, e isso não quer dizer que essas pessoas devam ser eliminadas. Deve dar-se espaço às pessoas para se explicarem».
Esta posição de Guimarães Pinto encontra eco em Corte Real, que afirma ao Nascer do SOL que «qualquer dia só se poderá candidatar quem nunca tenha dito nada. Candidatar virgens. Hoje em dia os políticos têm de ser perfeitos. Isso não é a minha forma de estar na política e não sou entusiasta de quem a quer impor. É verdade que [Figueiredo] disse duas ou três coisas ao lado, mas isso não deve resumir o caráter de ninguém. Estou em crer que a maior parte do partido nunca acompanhará essa forma de estar. O que me interessa é saber se Figueiredo é um candidato que preenche os requisitos e que esteja em linha com a IL».
Também Pedro Pereira está seguro quanto ao pensamento liberal do seu parceiro de candidatura à autarquia: «Tenho prints que provam que Fernando é liberal socialmente. Sei que o seu conteúdo está alinhado com o da IL. Aceito que [aqueles seus comentários] não tenham caído bem. Eu também não gostei de ver aquilo, mas sei que se trata de um erro de forma e não de conteúdo». Um amparo a Fernando Figueiredo que é partilhado no partido por vários dirigentes e militantes que sairam em sua defesa.
Fonte oficial do partido não condena as declarações de Figueiredo e garante que tanto ele como Pedro Pereira «oferece[m] garantias de serem capazes de promover os valores liberais, característica (…) essencial para todos os que venham a encabeçar a listas autárquicas do partido». Acrescenta ainda que «esta convicção resulta (…) de troca franca de opiniões ou críticas [e] vai muito além dos episódios conhecidos da vida dos candidatos ou da sua atividade nas redes socias».
Maioria apoia Figueiredo
Em nota clarificativa, Figueiredo tem ainda de ser aprovado pelo Conselho Nacional para ser oficialmente candidato a Viseu. Contudo, quando um núcleo local anuncia um candidato significa que este já foi aprovado pela CE – o que justifica dizer-se ‘retirar o apoio’.
Lima garante ao Nascer do Sol que a CE procurou retirar o apoio a Figueiredo – algo com que concordaria.
Já Pedro Pereira diz só ter «havido comunicações com o núcleo de Viseu para compreender a situação» e que espera «não haver problemas com a aprovação».
Questionada, Maria Castello Branco afirma que «acha não haver qualquer pé de guerra entre a CE e o núcleo de Viseu» e que a IL «respeita a descentralização das decisões», uma visão partilhada por Corte Real quando afirma que a IL «só não respeita os nomes escolhidos pelos núcleos quando existe algo de transcendente». Será certamente essa transcendência que Lima encontra em Figueiredo, ao ponto de considerar a putativa aprovação do mesmo pelo Conselho Nacional um «hara-kiri político».
Por fim, não deixando grandes dúvidas quanto à não retirada do apoio a Figueiredo, fonte oficial da IL frisa ao Nascer do SOL: «Quando acreditamos na honestidade do caminho que (…) querem fazer connosco, damos o nosso apoio sem reservas. É o caso do Fernando Figueiredo e do Pedro Pereira em Viseu».