A Comissão Europeia reviu em baixa o crescimento económico esperado para Portugal este ano, apontando agora para 3,9%, quando em fevereiro esperava 4,1%. Os números foram avançados nas previsões económicas de primavera e vão ao encontro do que já tinha sido estimado pelo Banco de Portugal (BdP) e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). No entanto, está uma décima abaixo dos 4% esperados pelo Governo e acima dos 3,3% do Conselho das Finanças Públicas (CFP) e dos 1,7% da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).
Os economistas contactados pelo Nascer do Sol reconhecem esses ajustamentos como «naturais», mas chamam a atenção para o fraco crescimento que a economia nacional irá registar este ano. «Trata-se de um pequeno ajustamento. Neste momento há ainda factos imponderáveis para fazer previsões minimamente seguras. Em qualquer caso, a notícia não é boa: em 2021 devemos ter o maior crescimento dos últimos 20 anos, mas um crescimento inferior à maior parte dos nossos parceiros, apesar de em 2020 termos tido a sexta maior queda da União», refere ao nosso jornal João César das Neves.
Também António Bagão Félix garante que estas oscilações, em termos de previsões, não têm grande significado. «Representa um exercício previsional, que à medida que se aproxima do período analisado, vai acomodando mais a realidade. Quando falamos, por exemplo, de uma alteração de 0,1%, estamos a falar de pouco mais de 200 milhões de euros, o que, per capita, equivale a cerca de 20 euros anuais ou 1,6 euros mensais. Caricaturalmente, são mais (ou menos) ‘duas bicas por mês’». Mas o economista lembra que, para 2022, as previsões já são melhores, apesar de reconhecer que «no fim deste ano, o PIB continuará, em termos reais, abaixo de 2019».
Uma opinião partilhada por Nuno Teles que, ao Nascer do SOL lembra que, tendo em conta o confinamento que o país atravessou em fevereiro e março, a revisão em baixa do crescimento económico é natural. Mas chama também a atenção para a divergência com a restante União Europeia, já verificada em 2020 e que volta a repetir-se mais uma vez, «num fenómeno que não pode ser só explicado pela gravidade da pandemia em Portugal, mas também pelas nossas fragilidades estruturais e tímida ação pública».
Em causa está o facto de a Comissão Europeia ter revisto em alta o ritmo da recuperação da economia europeia, estimando para este ano um crescimento de 4,3% na zona euro e de 4,2% na União, e de 4,4% em ambas em 2022. Há três meses, a Comissão, apontava que a economia europeia permanecia «nas garras da pandemia», e estimava que em 2021 o Produto Interno Bruto (PIB) da zona euro crescesse 3,8% e o da União Europeia 3,7%, tendo então agora melhorado em ambos os casos as previsões de crescimento em meio ponto percentual.
E o desemprego?
De acordo com Bruxelas, a economia portuguesa irá crescer novamente a partir do segundo trimestre de 2021, à medida que as medidas para conter a pandemia são gradualmente relaxadas, refere o documento, acrescentando que o PIB português deverá chegar ao seu nível pré-crise «a meio de 2022» (ano em que a Comissão Europeia espera um crescimento de 5,1%), algo ajudado pelo Mecanismo de Recuperação e Resiliência (MRR), uma previsão mais otimista do que a do Governo, que aponta para o final do próximo ano.
«A projeção tem em conta um forte crescimento do investimento, ajudado pelo desenvolvimento do MRR. Assume-se que a recuperação no turismo ganhará velocidade no terceiro trimestre de 2021, mas não se espera que o setor tenha atingido o seu nível pré-pandemia no final do horizonte de projeções», ou seja, em 2022.
Os riscos para Portugal continuam a existir, devido à «alta dependência do turismo externo, onde a incerteza acerca do caminho para a recuperação permanece alta», nota a comissão, apontado também que «tanto as exportações como as importações deverão crescer a níveis altos durante o horizonte de projeções, devido sobretudo a efeitos na indústria das viagens».
Feitas as contas, o setor externo deverá ter uma contribuição positiva para o crescimento do PIB em 2021 e 2022, e a balança corrente também deverá melhorar, mas «permanecerá ligeiramente negativa», dado que o fluxo líquido de receitas do turismo «deverá permanecer abaixo dos níveis pré-pandemia». Já em relação à taxa de desemprego, Bruxelas mostra-se mais otimista ao apontar agora para uma meta de 6,8%, quando em novembro do ano passado previa 7,7%.
Em relação à meta da taxa de desemprego, Bagão Félix admite que os números apresentados são melhores do que os que o Governo previu (6,8% contra 7,3%). «A verificar-se, revela que os efeitos da pandemia no mercado de trabalho foram razoavelmente atenuados, embora a isso não sejam alheias formas diretas ou indiretas de redução estatística do volume de desemprego (layoff, formação profissional, aumento da população inativa e maior subutilização da mão-de-obra)».
Também para César das Neves, o cenário é o esperado. «O desemprego, que pouco subiu em 2020, vai descer, mas devagar e só em 2022 chegará aos níveis de 2019; entretanto o défice e a dívida pública, que agravaram muito em 2020, vão melhorar, mas muito devagar, mantendo-se muito preocupantes no horizonte previsível. Felizmente a situação externa, apesar de ter desequilibrado em 2020, permanece em patamares aceitáveis, tal como a inflação», diz ao nosso jornal.
Já Nuno Teles tem maiores dúvidas: «Em relação ao desemprego, tudo dependerá das medidas que suspenderam uma eventual subida, nomeadamente o layoff e as moratórias de crédito. Com o seu fim e sem uma inverosímil recuperação do turismo e restauração este verão, não parece provável que o desemprego se mantenha o atual nível, face a perda de rendimento provocada pela pandemia». Quanto ao défice, o economista, admite que «devido ao receio do Governo em executar despesa orçamentada em 2020, e com a tímida recuperação deste ano, os objetivos poderão cumprir-se, mas com o custo de recuperação insuficiente e divergente com o resto da Europa?».
Os economistas contactados pelo Nascer do SOL garantem ainda que os riscos são controlados. Para Bagão Félix, não há dúvidas: «A questão da crise sanitária está num rumo sustentado, o plano de vacinação está agora a decorrer com eficácia e, como tal, são previsíveis aumentos significativos (se comparados com os primeiros trimestres deste ano) no consumo privado e nas exportações de bens e, sobretudo, de turismo do exterior e interno».
Também César das Neves garante que o grande risco é se existir uma nova vaga da pandemia. «Na falta disso, não são de esperar muitas surpresas». Menos otimista está Nuno Teles: além da incerteza em relação ao comportamento da pandemia, há que contar com o fim das moratórias e um eventual aumento das falências, reduzindo investimento; o fim do layoff e perda de rendimento para dezenas de milhares de pessoas, reduzindo consumo; uma recuperação mais fraca da procura externa, traduzida em menos turistas; lentidão na execução do fundo de recuperação e resiliência.
Carga fiscal em máximos
Também esta semana foi revelado que a carga fiscal caiu 4,7% em termos nominais, atingindo 70,4 mil milhões de euros, o que corresponde a 34,8% do PIB (34,5% no ano anterior). Os dados foram revelados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE). «Portugal manteve em 2020 uma carga fiscal significativamente inferior à média da União Europeia (-3,8 pontos percentuais)», acrescentou o gabinete de estatísticas.
Um número que causou alguma surpresa a Bagão Félix. Uma situação que, no seu entender, «nos deveria fazer refletir como é que num ano dramático do ponto de vista sanitário, económico e social chegámos àquele máximo. Bem sei que os apoios, designadamente do layoff simplificado e do ‘isolamento profilático’, suportaram parte significativa da redução da economia, sendo que sua sujeição ao IRS e TSU levou a que o confronto entre a diminuição do PIB a preços do mercado (-5,4%) e a quebra do emprego (-2%) tenham conduzido, em termos relativos, a uma maior carga fiscal. Também sabemos que uma parte importante da queda do emprego se verificou em pessoas com salários muito baixos, onde já há uma isenção ou menor tributação de IRS».
Uma opinião que já tinha sido defendida por César das Neves ao i, ao afirmar que «os mais atingidos pela crise de 2020 foram os pobres, que não pagam impostos e, por isso a receita fiscal caiu menos que o PIB», acrescentando que «os valores da carga fiscal andam exagerados há 10 anos, porque o Estado, em vez de fazer reforma das suas despesas, prefere sacrificar a economia», e, como tal, «isso tornou medíocre o crescimento dos últimos anos e até se reforçou no ano de queda, em 2020».
Já Nuno Teles lembra que a carga fiscal não reflete, neste caso, um aumento de impostos, mas a relação da sua cobrança face ao rendimento total da economia. «Num contexto de queda de PIB abrupta, com comportamentos diferentes de consumo, e logo alteração nos impostos indiretos, mas com resiliência nos salários, tendo a parte variável destes sido reduzida, a maior carga dos impostos diretos é explicada».