por Ana Maria Simões
Carlos Moedas conta com Isabel Galriça Neto para dizer aos lisboetas que se preocupa mais com eles e menos com Fernando Medina. Não vai ser fácil. O russiagate não lhe permite e teria de mudar de discurso, o tal de «insulto e ataque pessoal», como diz Medina, mas que Moedas diz está muito bem, que não pode ser outro. Assume que é reativo, convicto e apaixonado, que é coisa que lhe vem de dentro.
A coligação eleitoral ‘Novos Tempos’ – PSD, CDS, PPM, MPT e Aliança – entrou em campanha para a Câmara Municipal de Lisboa (CML) faz tempo e para libertar a capital de um «PS que depende da extrema-esquerda que odeia a todos». Entretanto, as sondagens revelam que talvez não seja coisa que se faça de ontem para hoje ou de hoje até dia 26 de setembro. Mas a convicção de Carlos Moedas é inabalável. Só admite a possibilidade de ganhar. E no jogo político nem sequer assume outra partida, mesmo quando a disputa pela liderança do PSD parece ser o campeonato que se segue.
Carlos Manuel Félix Moedas nasceu em Beja a 10 de agosto de 1970, é engenheiro e economista. Entra na política aos 40 anos como secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro do XIX Governo Constitucional, Pedro Passos Coelho. Era alguém desconhecido que deu razoavelmente que falar. Em 2014 vai para a Comissão Europeia e pouco tempo depois Jean-Claude Juncker passa-lhe a tarefa de comissário europeu para a Inovação, Ciência e Educação. Nessa qualidade veio a coabitar quase harmoniosamente com um governo do Partido Socialista em Portugal e o seu trabalho no European Research Coucil (ERC) foi notório e reconhecido, e com a gestão de um orçamento de 77 mil milhões de euros. De regresso a Portugal vai para o lugar que todos querem antes de morrer, administrador da Fundação Calouste de Gulbenkian (FCG). Agora, aos 50 anos, sabemos onde está, numa aventura que tem algo de quixotesca, conquistar a CML a Fernando Medina e ao PS. Carlos Moedas é um alentejano irrequieto.
Escolheu fazer esta entrevista aqui, no Parque dos Moinhos de Santana, no Restelo, não foi por acaso, quer explicar-nos esta escolha?
Primeiro, porque gosto muito deste lugar, é um sítio incrível, que todos deviam conhecer, mas também porque há aqui uma situação muito séria e reveladora do que tem sido a governação da cidade de Fernando Medina: que é o não ouvir as pessoas. As famosas Torres do Restelo, um projeto de habitação acessível e que está agora a ser finalmente discutido, quase a três meses das eleições. Nunca foi falado com ninguém, e, de repente, as pessoas dão-se conta que estava a ser desenvolvido um projeto que iria trazer 2 mil pessoas para o Restelo, para uma zona de densidade populacional já bastante elevada. Temos, por um lado, alterações num lugar onde as pessoas não foram ouvidas, e, por outro lado, algo extraordinário, que é alguém que diz que pensa na cidade de proximidade não pensa numa cidade de proximidade. Aquilo que precisa esta parte de Restelo é de equipamentos e serviços para lhe dar um feeling de bairro, um sentimento de bairro. Trazer um projeto desta dimensão para aqui é um erro para a cidade e mostra exatamente aquilo que Fernando Medina não faz.
Digamos que o seu papel na contestação a este projeto esteve muito facilitado, desde logo porque estava demasiado ligado a Manuel Salgado, o que não era boa ideia, a zona conta com uma associação de moradores, Os Vizinhos de Belém, muito interventiva e reivindicativa, dentro da CML, o BE também se opunha firmemente, mas estão em causa mais de 400 casas para incluir no Programa de Renda Acessível…
…elas são muito importantes. A renda acessível é muito importante, mas tem de ser pensada onde vai ser feita. Como vamos pôr duas mil famílias nos mais de 600 fogos que estavam previstos num sítio onde não há Metro e onde os autocarros não passam como deviam? Mesmo que agora já se diga que um dia haverá Metro e que vão pôr mais autocarros, são promessas ocas. Uma cidade deve ter densidade nos lugares onde tem transportes, o que não é o caso do Alto do Restelo.
Perdemos por agora, numa parceria entre a Câmara e entidades privadas, um número razoável de casas de Renda Acessível, mas temos que criar alternativas, porque Lisboa precisa destas casas. O que teria feito de diferente?
A proposta que fiz para esta zona é uma proposta muito diferente, que passa pela construção de um corredor verde que iria daqui, desde o Alto do Restelo, até ao lugar onde está a ser implantado o projeto e depois até Monsanto, e teria habitação social, mas com muito menos andares, com menos densidade e menos metros quadrados, o que daria uma zona verde mais ampla e com mais equipamento para as pessoas. O problema em Lisboa não é a falta de terrenos, há muitas zonas em que se pode construir, e também por isso não se pode acumular tudo no mesmo sítio. Esta é a primeira estratégia que considero errada. A outra é que o modelo de renda acessível que está feito é um modelo muito difícil. Está a pedir-se aos promotores privados para terem menor rendimento, e os promotores preferem fazer menos casas para renda acessível. E o que é que tem acontecido? Dos seis mil fogos de renda acessível que Fernando Medina prometeu só entregou 300. Este modelo não funciona. Daí que propunha um modelo diferente, deve lembrar-se como eu me lembro da chamada EPUL (Empresa Pública de Urbanização de Lisboa), que tinha aqueles projetos da EPUL/Jovem em que a Câmara Municipal era o promotor imobiliário. A Câmara tem muitos terrenos, como tem também muitos edifícios devolutos – já pedi várias vezes para me fornecerem essa lista e são incapazes de o fazer, parece que estão a fazer a lista há anos –, mas, e para além dos terrenos e dos edifícios, não há vontade. Quando queremos habitação acessível, feita em terrenos comprados por construtores privados, os preços são sempre mais altos.
É sempre simpático falar de projetos, mas por vezes esbarra-se em alguns obstáculos, recentemente Fernando Medina esbarrou no Tribunal de Contas…
…esbarrou no Tribunal de Contas exatamente porque o modelo que estava a fazer com o público e o privado não foi aceite. Um dos modelos em que tenciono apostar é num modelo em que a câmara, ela própria, sozinha, é o promotor imobiliário.
Tem vindo a dizer que a câmara não ouve as pessoas, mas o caso da Alta do Restelo é um daqueles casos em que, justamente, a câmara ouviu as pessoas.
Mas ouvir as pessoas é no princípio, e essa é que a diferença. Uma coisa é fingir que ouvimos as pessoas, e isso pode fazer-se no fim dos projetos, tudo pronto, chegamos e dizermos às pessoas: ‘Vamos fazer uma consulta pública’. O que se passa aqui é vergonhoso, porque foi exatamente isso que fizeram neste caso, e na consulta pública houve muitas perguntas sem resposta. É antes que se ouvem as pessoas.
Mas quem comprou casa no Restelo tinha de saber que a zona iria de sofrer alterações, há um plano diretor municipal…
…um plano diretor municipal é uma visão a longo prazo e não quer dizer que seja construído. Para isso é que serve o decisor político, para ir pensando a cidade com as pessoas. O tempo de um plano diretor municipal é muito longo e se não houver um decisor político para ir repensando a cidade, até porque as cidades de há 10 ou 20 anos não são as cidades do futuro, e é isso que falta, essa visão de futuro, ouvindo as pessoas. Neste caso, fingiram que as ouviram a três meses das eleições. Basta falar com as pessoas envolvidas e perguntar se se sentem ouvidas. Elas não se sentem ouvidas.
Concordará que a pandemia e os sucessivos apoios à economia da cidade, solicitados ou por iniciativa da CML, desviaram fundos e adiaram outros projetos, o que também deve ser tido em conta nos objetivos não alcançados por Fernando Medina.
Não. Se for ver as contas de 2017, 2018 ou 2019, antes da pandemia, já se podia constar que este presidente da câmara era incapaz de executar o orçamento. No investimento, Medina tinha taxas de execução abaixo dos 50%, ou seja, é um presidente da câmara que anuncia um determinado valor de investimento e o que executa não chega sequer a metade. O relatório é público. O problema de execução da CML é pré-pandemia. Obviamente que a pandemia terá agravado a situação. Quando estava na Comissão Europeia, era impensável a um comissário ficar a esse nível de execução de um orçamento, e tínhamos orçamentos muito superiores a uma câmara municipal. A desculpa da pandemia…
…não é tanto uma desculpa, é uma realidade.
É uma realidade e respeito essa realidade, e estou a dizer-lhe isso sem ideologia e sem política, mas os factos dizem-nos que esta câmara tem um histórico de má execução orçamental.
Que balanço faz do atual Programa de Renda Acessível da autarquia liderada por Fernando Medina?
É péssimo. Temos um programa que não funcionou. Dos seis mil fogos prometidos foram entregues só 300, e com todos os problemas que houve. Mais do que isso, transformou-se o programa num Totoloto, as pessoas que concorrem sente-se enganadas. Estamos a fazer programas a que concorrem 10 ou 20 mil pessoas, quando só 10, 20, 30 ou 40 é que recebem a casa. As pessoas sentem-se defraudadas. O modelo não está a funcionar e temos, por isso, que pensar em vários modelos. Uma câmara municipal promotora, como é o caso de Viena de Áustria, que é um caso conhecido e funciona muito bem, temos de pensar nas antigas cooperativas em que as pessoas se juntavam e construíam o seu próprio prédio…
Como boa parte da parte norte da Expo…
… exactamente. Temos de pensar em soluções diversas. Não há uma varinha mágica para resolver a situação, e sei disso, sou o primeiro a sabê-lo, porque venho dessa área como engenheiro civil.
Em campanhas temos sempre números na cabeça, as tais promessas eleitorais, tem um número para dar no que se propõe fazer em termos de renda acessível em Lisboa?
Não. Temos de pensar no que aconteceu nos últimos 10 anos em Lisboa, uma cidade que diminuiu, nesta última década, em 50 mil habitantes que são importantes para a cidade, e muito deles são famílias jovens que temos de atrair. E aqui o ponto é ter essa estratégia, a de trazer as famílias jovens, dando-lhe condições, não só de habituação, mas que seja uma habitação mais barata, e que paguem menos impostos. Quero ser um presidente de câmara que possa trazer essas jovens famílias para a cidade, mas não vou prometer um número.
E continuamos a falar da classe média?
Falo de várias coisas e de vários temas, e um dos temas que lhe quero falar é dessas pessoas que vivem muito mal, que vivem numa Lisboa escondida, mas há realmente o problema dos jovens casais com filhos que não conseguem viver em Lisboa, e uma cidade tem de ter uma malha social diversificada…
…com pessoas que têm rendimentos acima dos 1400 ou 1500 euros?
Estamos a falar dos rendimentos de um casal, eventualmente, acima dos 1500 euros, mas temos todos os outros que não tem esses rendimentos e que temos de os proteger e daí a parte social do meu programa.
Numa declaração recente, Fernando Medina disse: ‘A linha política de Carlos Moedas resume-se a insulto e ataque pessoal’. Não sente que na sua campanha para a CML as suas propostas têm sido engolidas por uma linguagem – que não é a que está a ter hoje – mais musculada e agressiva, de tal forma que há pessoas que consideram que essa linguagem não tem nada a ver consigo e que até o sentem desconfortável, ou seja, levaram-no a criar uma personagem mais trauliteira para esta campanha?
(Risos) Não, de todo. A minha maneira de ser é afável, gosto imenso de pessoas e de estar com pessoas, mas há pontos para mim, e falo daqueles em que se ultrapassam direitos humanos, direitos das pessoas, dignidade da vida humana, como tem sido um dos casos recente, que ultrapassam todos os limites…
… mas começou antes a ter essa linguagem, e insisto nesta ideia do insulto e do ataque pessoal.
Não houve… vamos lá a ver, primeiro, um presidente da câmara em exercício que vai fazer comentário a uma televisão, num papel em que não é candidato e que fala do outro candidato…
… Fernando Medina disse isto na Assembleia da República.
Mas depois também o repetiu na TVI, é bom lembrar. E o que chama ‘musculado’ é que quando vejo situações que são tão graves, tão graves – e talvez as pessoas não conhecessem esse meu lado no papel de comissário europeu, porque estava em Bruxelas, longe do dia-a-dia do que se passava em Portugal – mas com tudo o que se tem passado, a todos os níveis, e quando fui mais musculado na minha intervenção…
…mas isso tem engolido as suas propostas, as pessoas comentam as suas palavras e não as suas propostas.
É pena, e é pena que tenha havido estes casos que me têm obrigado a dar respostas e a falar sobre estes temas. Tem havido uma parte do que são as minhas propostas e do que quero fazer para Lisboa que não tem estado a passar da mesma maneira, e é isso que tenho que fazer. Mas não tirava uma palavra do que disse sobre temas que para mim são essenciais, como transparência…
… se iniciasse hoje a sua campanha manteria o mesmo tipo de discurso? Tem-se sentido o homem certo no lugar certo ou nem por isso?
Tenho dito aquilo que muita gente pensa sobre o sistema em que hoje vivemos, seja a nível nacional, seja na Câmara Municipal, do que as pessoas sentem e se revoltam. Um sistema em que aqueles que estão no poder pensam que mandam em tudo, que tem o direito a tudo, que podem fazer tudo e não podem ser criticados.
Tem noção que a questão da linguagem é muito importante. Tinha um inequívoco capital político acumulado ao longo de anos, primeiro no Governo de Pedro Passos Coelho, depois a sua passagem pelo European Research Council e ainda o cargo na Gulbenkian, não acha que tudo isso está a ser posto em causa? E como se sente com isso?
Ouça, sinto-me muito bem. Obviamente quando a pessoa entra na política ativa – o que está a dizer acontece – quando estamos fora da política…
… mas esteve num Governo, foi uma das figuras mais pressionadas e nunca usou este tipo de linguagem?
Utilizei, utilizei, mas já passaram dez anos, utilizei-a muitas vezes, contra a troika e com a troika, utilizei-a muitas vezes, fique descansada. As pessoas acham que eu, eventualmente, disse as coisas de maneira forte e vocal, e disse, sobretudo, neste último caso dos dados enviados à embaixada da Rússia, porque é um caso que me toca profundamente como europeu. É um caso de dignidade da vida humana, de direitos humanos, é um caso em nenhum país do mundo um presidente da câmara poderia ter sobrevivido sem assumir as suas responsabilidades políticas.
Fez muitas cedências ao aparelho local do PSD, à distrital de Lisboa? Isto é, e sem ceder à pequena política, sabemos que há elementos que foram afastados durante a presidência de Pedro Passos Coelho e que voltaram agora como candidatos a juntas de freguesia nas Avenidas Novas, e falamos de filho e pai, Rodrigo e Daniel Gonçalves, como explica esta regeneração ou reabilitação de dois elementos problemáticos?
Repare, sou líder de uma coligação, é uma coligação de partidos e que tem regras. Tenho uma palavra a dizer e os partidos também têm as suas. No caso destas presidências de juntas de freguesia, o que achei interessante, e foi o que pedi ao partido, foi que fossem feitas com participação e com abertura aos militantes, porque os militantes contam, o resultado dessas escolhas…
… e o resultado não o incomodou?
Não tenho de estar incomodado, estou aqui como líder de uma coligação consensual, que é o resultado de várias escolhas, umas mais políticas, outras, que são minhas, mais a nível da vereação ou da assembleia municipal. As freguesias são algo muito local e sobre isso não tenho qualquer comentário.
A pergunta foi se fez muitas cedências ao aparelho local do PSD.
Não. Penso que fiz aquilo que fiz com todos e não só com o PSD, mas também o CDS, PPM, com a Aliança, com o MPT, que é debater até chegar ao consenso possível dentro das estruturas. Repare, para mim é importante que seja claro que uma coligação não é o Carlos Moedas, somos todos nós.
Sendo que também não pode ser um saco de gatos com elementos controversos.
Não. E não é. Há sempre elementos controversos, pessoas que são controversas, aquilo que interessa aqui é que nas freguesias sejam pessoas próximas dos fregueses, porque são eles que resolvem os problemas das pessoas, no dia-a-dia, e é aquilo que quero. Sou um líder e a tarefa de um líder é levar as pessoas para o objetivo mais importante, que é ganhar a Câmara Municipal de Lisboa, animá-las à volta dessa esperança, dessa ilusão e dessa inspiração, e, depois, escolher, entre aqueles que estão à minha volta, com quem vou liderar a câmara.
Quem vai escolher para liderar a Assembleia Municipal?
Sim, quero falar-lhe da minha equipa e da pessoa que escolhi para presidir à Assembleia Municipal que será a Isabel Galriça Neto, é uma mulher política, mas a minha escolha tem muito mais a ver com aquilo que ela é como pessoa, o histórico dela, a médica que é, do cuidado com as pessoas, com os mais velhos, o reconhecimento que tem em Lisboa como pessoa que cuida dos mais velhos.
… mas é uma escolha sua?
Completamente. E para uma área muito importante para a cidade, que é a área social, e em que a Isabel Galriça Neto me vai ajudar muito. A escolha é de uma mulher que vem trazer a esta campanha um maior pendor social, como queremos olhar para as pessoas e como vamos defender as pessoas. Desde o início que lancei a ideia de que queria criar um estado social local, porque o Estado social nacional está a falhar.
Fale-nos do seu Conselho de Independentes, onde tem uma linguagem tão diferente daquela que tem sido a linguagem de campanha, deixando transparecer alguma bipolaridade na forma como gere a campanha. Vai dizer-me que é por reação aos acontecimentos?
Não, não, é por escolha. Uma coisa é a minha linguagem quando estou a falar de uma visão para a cidade, que é uma visão apaixonada, que tem um lado inspirador e que me leva acreditar que tenho tanto a fazer por esta cidade, essa é uma linguagem, e, depois, há que responder ao que está mal, ao que me dói e doí a todos, que é ver esta Câmara Municipal e como que ela tem funcionado na base dos amiguismos ou falando de orçamentos participativos em que nada funcionou ou na execução orçamental, e tudo isso revolta, e essa revolta é minha e é de muita gente de que sou voz.
E continuando nesta ideia de bipolaridade, corre um vídeo nas redes sociais em que o Eng.º Carlos Moedas, em inglês, diz que em Lisboa os cidadãos participam no governo da cidade, e, depois, em português, diz que ninguém os ouve ou quer ouvir. Em que ficamos? Como explica estas contradições ou, se quiser, bipolaridade linguística?
É extraordinário ver a máquina do meu oponente a visionar tantos dos meus discursos, penso que devem estar a sofrer imenso porque alguns imagino que sejam para eles muito aborrecidos, e de estarem a preparar esse tipo de vídeos…
… imagino que a sua máquina também visione alguns dos deles, ou não?
Não desta maneira, de certeza absoluta. Mas a explicação é muito simples, como comissário europeu defendia sempre o meu país e a minha cidade, era uma postura institucional de comissário europeu. Quando venho a Portugal, e nessa altura, estou a falar de uma coisa de que gosto muito que são orçamentos participativos, o que não sabia, porque só soubemos há pouco tempo, era uma coisa de faz de contas, e isso até foram os senhores jornalistas que me disseram. Se me perguntar: gosta de orçamentos participativos? Gosto. Gosto de participação e vou propor uma assembleia de cidadãos, mas gosto de uma participação bem feita. O que o vídeo mostra é a versão dos factos antes de eu saber o que se estava a passar nos orçamentos participativos. A reportagem que foi feita recentemente é terrível, é como disse um faz de conta. É o fingir que vamos ouvir, é o fingir do orçamento participativo, e isso revolta as pessoas e revolta-me a mim.
E sente-se confortável neste estilo de ‘animal político’ que nunca foi muito o seu, sempre deu a ideia de alentejano ameno que sabia ao que vinha com a casmurrice certa?
Não sou um político como o meu oponente é um político, ou seja, até à idade de 40 anos nunca estive na política, sou um profissional que veio para a política e que gosta da política e gosta sobretudo do serviço público, mais do que da política. Sinto-me confortável neste papel porque tenho convicções e porque ele é feito com convicção. E talvez pela minha idade, fiz agora 50 anos, acho que é a idade certa para lutar pelas minhas convicções. Estou num momento da minha vida em que sinto que é o momento de lutar pelas minhas convicções.
Vamos voltar às propostas, e vamos falar do enorme drama da mobilidade em Lisboa, como tenciona impedir que entrem diariamente em Lisboa mais de 300 mil viaturas?
Essa é outra das promessas falhadas de Fernando Medina, que prometeu mais de 4 mil lugares de estacionamento dissuasores, o que é essencial, para nós pararmos o fluxo temos de ter parques de estacionamento dissuasores, que tem de estar ao pé do Metro, ao pé de transportes. Quero falar com os concelhos limítrofes para conseguirmos fazer todos esses parques de estacionamentos, são importantíssimos. E este é um primeiro aspeto, o segundo, tem a ver com pensar a intermodalidade da cidade nos diferentes meios de transporte. Nunca percebi como é que se criou esta ideia de ter uma linha circular do Metro sem ir para Oriente, temos mais de 50 mil pessoas em Lisboa que não estão perto de uma boca de Metro, e toda essa parte da cidade, incluindo esta onde estamos, não está servida pelo Metro, e isso tem de ser uma prioridade. Não percebo a prioridade de uma linha circular com esta dimensão, se for ver, por exemplo, a linha circular em Londres é uma linha grande, a nossa não chega a ser circular, é apenas dar umas voltas numa distância curtíssima.
O que teria feito diferente?
Teria feito uma linha que iria até a Alcântara e de depois a linha de cintura e seguia para Cascais. Há pessoas que me perguntam o que seria o meu ‘túnel do Marquês’ e eu digo, e sou engenheiro, que o legado que gostava de deixar é a ligação ao rio. Quando em tempos trazia a Lisboa outros comissários e amigos vindos do estrangeiro, o que mais os chocava na cidade era ter a linha de Cascais e aquele corte que há entre a cidade e o rio. Gostava de deixar esse legado, seja o desnivelamento, seja o desenterramento ou a mudança da linha através de alguma coisa que na superfície não fosse tão invasivo, essa ligação ao rio é essencial para a cidade.
Paulo Mendes da Rocha dizia que uma das coisas que mais o apaixonava em Lisboa era o Tejo, e que o epicentro da cidade devia estar no rio, imagino que concorde com esta ideia?
Sim, e até pensei em irmos fazer a entrevista junto ao rio, onde temos uma linha que é uma barreira enorme entre a cidade e o rio, e não é só o comboio. E essa vai ser uma das prioridades do meu programa. A zona tem problemas complexos, como o Caneiro de Alcântara, porque nem tudo pode ser enterrado, e tenho por isso andado a falar com os antigos bastonários da Ordem dos Engenheiros, toda a aquela área tem de ser a cidade. A ligação ao rio é para mim essencial.
Apesar de toda a zona ribeirinha, o chamado waterfront, a cidade…
… está divida. A linha de Cascais está a cortar a cidade. As pessoas têm de poder andar livremente de Belém até ao rio.
Para isso é preciso dinheiro e depois logo nos dirá como irá fazer, quando e se lá chegar. E por falar em dinheiros, a Carris é um sorvedor de recursos camarários com resultados sofríveis, sendo essencial na ligação do centro às periferias. Tem algumas ideias sobre este assunto?
A ideia central da mobilidade é que vai mudar radicalmente nos próximos dez anos, de uma mobilidade rígida para uma mobilidade on demand ou de procura, em que somos nós que definimos essa procura. E aquilo que se passa hoje nos trajetos da Carris é de uma rigidez total. Nós vemos, por exemplo, à noite, autocarros com uma pessoa, o que em termos de sustentabilidade é péssimo, um motorista para transportar uma ou duas pessoas…
…estamos com dois anos de pandemia.
Mas já se via antes. Temos de pensar como é que podemos ter sistemas em que as pessoas sabem onde estão os autocarros, quando precisam de autocarros, por exemplo, os filhos estão na escola, é preciso ir buscar os filhos, e aí funcionam aqueles autocarros pequenos, os autocarros de bairro. Temos muitas ideias.
Se considerarmos que todos achamos que os percursos da Carris deviam ser repensados, fica a dúvida, por que isso ainda não foi feito?
Acho que as pessoas estão desmotivadas, os serviços da câmara estão desmotivados e também as empresas públicas. O presidente da câmara tem de ser um verdadeiro gestor e um verdadeiro gestor não é apenas um político, e acho que essa característica é uma característica que tenho intrínseca, ou seja, quando vejo Fernando Medina fazer comentários na televisão, não sei como é que o presidente da câmara tem tempo para estar constantemente a fazer comentários na televisão, e estou a dizer isto com toda a sinceridade, um presidente da câmara tem de estar a gerir a câmara, e essa gestão não é apenas política, é a gestão das pessoas.
Fernando Medina está demasiado ocupado com o seu futuro político para além da CML?
(sorriso) Ouça, isso não é uma pergunta, isso é um statement. E é um statement que mostra exatamente verdade. Fernando Medina está ali para ser primeiro-ministro ou para ser… é o número dois do Costa, eu não sou o número dois de ninguém, se for a câmara é para ser o presidente da câmara.
Tem andando de transportes públicos? De Metro, por exemplo, ainda ontem, uma amiga, que viaja habitualmente de Metro, me dizia que tem horas em que se sente única numa multiplicidade de etnias. O que pensa fazer para fazer de Lisboa uma cidade mais inclusiva… antes de mais, tem andado de Metro?
Tenho, tenho. Está com ar… mas estou a dizer a verdade, tenho andado de Metro, de autocarro de tudo o que possa imaginar, até tenho aqui o meu cartão.
E o que me diz desta multiplicidade étnica ou das muitas ‘odemiras’ que temos na região de Lisboa?
São vários pontos…. para mim é essencial a diversidade em todo o seu conceito, diversidade de religiões, diversidade de pessoas e de modos de pensamento…
…sente-se próximo de Sadiq Khan, o mayor de Londres?
Sim, sim, é um homem inspirador. O que nós estamos a ver é que há muitos problemas a serem escondidos, não só em Odemira mas também em Lisboa, de muitas dessas pessoas que vivem em condições inumanas e isso é gravíssimo, nós temos de saber receber essas pessoas, temos de criar condições…
…sendo que temos estado só a falar de rendas acessíveis para a classe média, o que vamos fazer a estas pessoas?
Também temos aqui vários pontos e o primeiro tem a ver com a Gebalis (Gestão dos Bairros Municipais de Lisboa), que é uma empresa que hoje não funciona. Se for visitar, como eu fui, os bairros sociais, é incrível ver aquilo que se passa: escadas completamente partidas em que os miúdos podem cair cá para baixo, casas entaipadas, com muros, para não serem ocupadas, não há gestão da Gebalis da chamada habitação social, que está ao abandono. É o abandono total da gestão. E sabe como é nas cidades o fenómeno da janela partida, quando uma coisa começa a descambar tudo descamba. Podemos olhar para as pessoas e pensar que muitas delas vivem naquelas casas há 15 ou 20 anos, que já pagaram tantas redes no passado, podiam ser proprietárias do imóvel.
Pelo que me tem estado a dizer, e no essencial, para si o incumbente é um péssimo gestor?
Sim, sem dúvida. Muitos dos problemas de Lisboa passam por uma má gestão e há também uma necessidade enorme de mudanças de gestão da Gebalis para gerir todos estes bairros, para conseguir arranjar soluções. Há cidades onde estas pessoas, vivem há muito tempo nestes bairros sociais, e quando já pagaram tantas rendas, podem passar a ser também proprietários, ou seja, nós podíamos também deixar que muitos deles passassem a proprietários para eles se organizarem.
Muitas destas pessoas vivem do Rendimento Social de Inserção, acha que conseguiram fazer a manutenção e progredir em termos da qualidade da habitação sem o apoio da câmara?
Não, o apoio tem de estar sempre presente, mas o sentimento de dar a essas pessoas a ideia que tem algo deles também os ajuda a cuidar daquilo que possuem. Acho que isso é importante. É um ponto que estou a explorar no meu programa eleitoral e que penso que é importante para essas pessoas. E quanto ao apoio aos estrangeiros, nós temos que dar apoio a estas pessoas que estão cá, e temos de continuar a apoiá-los, da mesma maneira que apoiamos os portugueses em dificuldades, mas muitos desses apoios, nos dias de hoje, são feitos por IPSS (Instituição Particular de Solidariedade Social) que estão completamente desconectadas da câmara. Recentemente, tive uma reunião com mais de 50 instituições, que deveria demorar uma hora e demorou três, as pessoas precisavam de falar. E o que me diziam era: a Câmara Municipal vem dizer-nos o que fazer em vez de nos perguntar o que é que pode fazer por nós. Porque muitas destas IPSS fazem obras extraordinárias mas sentem que não são ajudadas pela câmara. E há ainda a ajuda dada pela câmara, e muitas vezes de maneira ideológica, porque se dá a algumas IPSS e a outras não. E isso comigo não acontecerá, obviamente. É gravíssimo quando não temos critérios claros de como financiar estas IPSS. Quero muito trazer para Lisboa o método de gestão que aprendi na Comissão Europeia, o político não pode estar a decidir diretamente apoios, têm de ser decididos através de equipas técnicas, para evitar escolhas políticas.
Falou-me de presidentes de freguesia com proximidade, não acha que é esse tipo de proximidade que depois pode gerar estes equívocos, a tal politização dos apoios?
É preciso regras e é preciso transparência. A corrupção só se combate com regras simples e transparentes. Não se consegue mudar o mundo em dois dias, nem num mandato, é preciso dois mandatos para mudar, seja a nível das freguesias, seja a nível mais central, da câmara.
Que campainhas de alerta soaram com o trágico acidente de Patrizia Paradiso, uma italiana de 37 anos que ia de bicicleta e foi abalroada por um carro entre Belém e Algés?
Chocou-me imenso. Vivi muitos anos fora, imagino o que é que os pais, a família, sentem com um acidente tão estúpido e tão horrível como este. Retirando a parte do choque, isto faz-me pensar que os diferentes modos de transporte numa cidade têm de ser pensados estruturalmente, e também para a segurança de todos. Uma das grandes visões para as cidades é a dos carros auto-comandandos, sem condutor, e uma das experiências que foi feita diz-nos que se numa estrada tivermos só carros sem condutor corre tudo bem, mas se misturarmos os auto comandados com os outros há imensos acidentes, se misturarmos com bicicletas ainda há mais acidentes. Tudo isto tem de ser separado, mas uma separação clara, entre a ciclovia e a estrada. Quando disse que ia acabar com a ciclovia da Almirante Reis é justamente porque a ciclovia da Almirante Reis, não é que está mal feita, está muito mal feita! Primeiro estava do lado de saída, o que queremos evitar é carros a entrar em Lisboa, agora já mudaram, é uma via de cada lado, ouvi recentemente que as ambulâncias quando passam por cima dos separadores ficam todas raspadas por baixo. Tudo isto é tão mal pensado…
…a Almirante Reis é um exemplo do que não devia ser feito?
Do que está mal pensado.
Dos seus anos no European Research Council, o que trouxe da Ciência e da Inovação que podem fazer a diferença no governo da cidade?
Perceber que Ciência e Inovação não é apenas ter ideias, não é apenas ir buscar talentos e fazer feiras. A Inovação é um processo, e para isso a minha ideia é a de criar uma fábrica de empresas, em vez do hub do Beato, que é um projeto imobiliário, fazer ali uma fábrica de empresas, entrar com uma ideia e ajudar os empreendedores, a cada passo, no marketing, na gestão, no designer… para que essa empresa se forme e prossiga.
Enquanto conversamos, na CML, discute-se o chamado russiagate e as suas várias implicações. Num artigo de opinião, escreveu que «uma clara violação de direitos» não pode ser transformada num assunto de campanha, e escreveu, ainda, «é evidente que essa é uma responsabilidade institucional da Câmara de Lisboa e, do ponto de vista democrático, do nosso país e de quem atualmente o governa». Quem, afinal, é que devia assumir a responsabilidade política por esta situação? O ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, continua a dizer que espera que a embaixada da Rússia tenha apagado os dados…
… e isso dá-lhe segurança? A mim não me dá muita segurança.
Na sua opinião quem devia assumir a responsabilidade política por este caso?
O presidente da Câmara de Lisboa.
Mas porquê o presidente da Câmara de Lisboa se diz que isto é uma questão do país e de quem atualmente nos governa?
Ouça, temos um ministro em Inglaterra que beija uma assessora e demite-se com responsabilidade política, e temos um presidente da Câmara de Lisboa, em que a sua instituição envia dados a países estrangeiros, pondo em perigo a vida daquelas pessoas, e não tem responsabilidade política? É evidente que a responsabilidade política é dele.
Pediu a demissão de Fernando Medina na primeira hora e continua a pedir a demissão de Fernando Medina ainda hoje, após uma auditoria interna e quando foi pedida uma outra externa?
A responsabilidade política é claríssima. Quando caiu a Ponte de Entre-os-Rios e Jorge Coelho se demitiu, não foi Jorge Coelho que derrubou a ponte, nem a auditoria externa diria que a culpa foi do homem. E estamos a falar de um mentor do PS e de Fernando Medina, o próprio Medina disse isso mesmo, que ele foi o seu mentor, e, neste caso, não assumiu a responsabilidade política, o que é mau para a democracia, numa altura em que as pessoas perdem confiança nos políticos.
As explicações dadas por Fernando Medina não o convenceram?
Mas que explicações é que ele deu? Diz que só soube na semana anterior, mas as regras mudaram em abril e em 2019 a assessora de imprensa já sabia. O que temos aqui ou é mentira ou é incompetência, mas há qualquer coisa que não funciona.
Não lhe custa a ideia de, eventualmente, conquistar a sua vitória – que terá de ser sempre eleitoral – por desistência do oponente? Não é vantajoso para si e para a sua campanha a situação em que se encontra Fernando Medina?
Fernando Medina não vai desistir, já disse que não vai desistir e continuou a fazer comentário na televisão, só agora é que acabou. O russiagate define para mim a diferença que tenho em relação a Fernando Medina, teria assumido a responsabilidade política e nunca teria culpado um funcionário da câmara. Repare, temos aqui um problema, como é que acha que os funcionários da câmara se sentem depois disto? Como vão atuar? Vão ter medo de fazer tudo porque sabem que o político não os defende. A função de um político é defender os técnicos, a função de um político é ajudar os funcionários e dar-lhe liberdade para eles poderem tomar decisões, para a cidade ir para a frente, com um presidente da câmara como Fernando Medina as estruturas da câmara não vão tomar decisões, vão ficar bloqueadas.
A coligação eleitoral que lidera em Lisboa, está a transformar-se numa bolha relativamente ao PSD nacional, o que o dissocia do que pode ser o resultado nacional do partido, a este propósito tenho de lhe perguntar, se o PSD tiver um mau resultado nacional e Rui Rio se afastar, o que já admitiu, e se o Sr.º Eng.º tiver um bom resultado em Lisboa, poderá ponderar em avançar para a liderança do PSD?
Mas eu vou ganhar Lisboa, não tenho a menor dúvida sobre isso, ponto número um. Ponto número dois, não tenho plano B. Só tenho um plano A, que é ganhar Lisboa e nada me vai distrair disso, nada, nem a política partidária ou qualquer outra coisa. O que tenho agora é esta capacidade e convicção de que vou ganhar Lisboa.
Não tem um plano B, o que não quer dizer que ele não surja?
Não, não tenho plano B na minha vida neste momento.
E a pergunta de um classicismo inevitável: o que é um bom resultado para si em Lisboa?
Ganhar, ganhar, ganhar.
E se não ganhar, a seguir parte à conquista do PSD?
A seguir estarei como presidente da Câmara de Lisboa, esse é o meu ‘a seguir’.