A dependência da economia nacional a alguns setores, como o turismo, a restauração e a hotelaria levaram a Comissão Europeia a manter inalteradas as previsões de crescimento para Portugal: 3,9% em 2021 e 5,1% em 2022. «A economia portuguesa é mais dependente de setores caracterizados pela proximidade social do que as economias do centro e do norte da Europa mais industriais, tal como a Alemanha, onde o distanciamento social permite que as fábricas continuem a laborar dentro do cumprimento das regras sanitária de combate à covid-19», garante ao Nascer do SOL Paulo Rosa, economista sénior do Banco Carregosa.
Já Eduardo Silva, diretor da XTB Portugal, deixa outros alertas: «O facto de a Comissão Europeia ter mantido as previsões para a economia portuguesa reflete dois fatores: o primeiro é que segue uma linha de histórico recente de previsões pouco ambiciosas; o segundo é que estão confiantes de que, tendo em consideração que as previsões não eram propriamente ambiciosas e considerando os sinais que temos tido quer da procura interna quer das exportações, não existem razões para grandes divergências», diz ao nosso jornal.
A verdade é que estas previsões ficam ainda aquém das projeções do Governo, que confia num crescimento acima da sua própria previsão de 4% inscrita no Programa de Estabilidade, bem como da mais recente previsão do Banco de Portugal, que em 16 de junho reviu em alta as suas projeções, antecipando uma subida do PIB de 4,8% em 2021 e de 5,6% em 2022.
Apesar das reticências para este ano e para o próximo, Bruxelas acredita que «a economia deve regressar ao seu nível pré-pandemia de covid-19 em meados de 2022». E explica: «A economia portuguesa está a caminhar para uma recuperação robusta, com início no segundo trimestre de 2021, ao lado da retirada gradual das restrições provocadas pela pandemia», mas reconhece que «o ritmo de recuperação foi travado pelo regresso parcial de restrições temporárias em junho», causado por uma subida do número de infeções provocadas pela covid.
Uma chamada de atenção que não surpreende Paulo Rosa. «Portugal tem sido duramente penalizado pela pandemia este ano. No início do ano, a par dos restantes países europeus, e atualmente pela variante Delta que continua a manter as restrições em Portugal acima da Europa que já está mais avançada no desconfinamento. E esta poderá ser uma das principais causas para um menor crescimento do PIB português».
O executivo comunitário estima, no entanto, que depois de um recuo de 3,2% no primeiro trimestre do ano devido a um confinamento rigoroso, o Produto Interno Bruto (PIB) português terá crescido 3,3% no segundo trimestre e registará um novo aumento no terceiro trimestre, com o esperado crescimento do turismo estrangeiro no país, ajudado pela campanha de vacinação na Europa e pelo lançamento do certificado digital covid-19 da União Europeia.
Ainda assim, a Comissão Europeia alerta que os «riscos permanecem inclinados para o lado negativo devido à grande exposição do país ao turismo estrangeiro». Eduardo Silva lembra que «existe sempre o risco de derrapagens perante cenários extremos como uma pandemia», no entanto, admite que «não é expectável nem seria aceitável nesta fase. De resto, a expectativa é que a procura interna seja a que mais contribua para o crescimento do PIB, bem como o apoio ao investimento público e empresarial do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) do país».
Apesar destas incertezas, Paulo Rosa aponta para um caminho de estabilidade e lembra que nos últimos quatro dias foram vacinados 600 mil portugueses, cerca de 150 mil por dia, «o que mostra uma das mais robustas respostas à covid-19 a nível mundial e permitirá que Portugal regresse com mais tranquilidade ao ‘novo normal’. Em virtude do sucesso da inoculação, a probabilidade de surgirem eventuais derrapagens desce consideravelmente».
Já o ministro das Finanças mostra-se otimista em relação ao futuro, admitindo que a recuperação da economia portuguesa poderá ser ainda mais forte. E lembrou que «as projeções de junho do Banco de Portugal apontam nesse sentido, estimam um crescimento de 4,8% em 2021 e de 5,6% em 2022. Antecipamos que Portugal recupere já em 2022 o nível do PIB e da economia verificado em 2019, antes de pandemia».
Um ‘otimismo’ que Eduardo Silva considera compreensível. «Perante o desconfinamento assistimos ao fenómeno de revenge spending mesmo que temporariamente. Isto terá um impacto importante, significa que os consumidores, algo reprimidos, aproveitaram para se desforrar e, de facto, em poucos meses alguns setores beneficiaram deste fenómeno; isso irá estar espelhado nos resultados, levando a que o ministro esteja, naturalmente, otimista».
É certo que o saldo orçamental, excluindo as medidas para fazer face à pandemia de covid-19, melhorou 423 milhões de euros até maio deste ano face ao mesmo período do ano passado, segundo cálculos da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO). E acrescenta que sem o impacto direto das medidas covid-19 sobre as Administrações Públicas (AP), «em maio de 2020 o valor das medidas com efeitos sobre este agregado (869 milhões) era superior ao do ano em curso (446 milhões)».
Austeridade afastada mas e o próximo Orçamento?
João Leão garantiu também esta semana que «Portugal não voltará à austeridade». No entanto, explicou que o próximo Orçamento do Estado «não será mais fácil ou menos exigente que os anteriores», defendendo que o país não se pode «afastar do caminho de sustentabilidade» e que «só com uma estratégia orçamental responsável podemos promover de forma sustentada a melhoria das condições de vida aos portugueses».
Esta é a resposta de João Leão aos partidos de esquerda e ao PAN, que, nos últimos dias, têm colocado algumas reservas no que diz respeito à aprovação do documento para o próximo ano. O ministro lembrou que a meio do ano já foi concretizada mais de metade das medidas previstas no Orçamento do Estado, dando como exemplo medidas como o layoff, o prolongamento extraordinário por seis meses do subsídio de desemprego e o aumento do salário mínimo.
O analista da XTB lembra, no entanto, que «temos um histórico recente que aponta no sentido contrário». E vai mais longe: «Muitos anos de arrogância e soberba perante os parceiros de esquerda poderiam sugerir que, a certo ponto, as ameaças se tornem um problema real. Na realidade, o apoio necessário é mínimo, como sabemos, e não prevejo nenhuma crise política nesta fase quando existem condições até financeiras que permitam agilizar acordos».
Já o economista Paulo Rosa acredita que as metas para a inflação são plausíveis e têm sido mais impactadas pelos preços da energia e dos combustíveis, que tendem a ser variáveis mais voláteis e, como tal, garante que não é espectável que continuem a subir ao atual ritmo. «O emprego deverá continuar a recuperar à medida que a vacinação prossegue e a imunidade de grupo é atingida, ainda no verão, permitindo o regresso dos empregos relacionados com proximidade e, consequentemente, impulsionando o crescimento económico e suportando o PIB nacional», diz ao nosso jornal.
João Leão não hesita: é necessário «manter o foco na recuperação económica e no investimento, com o apoio do Programa de Recuperação e Resiliência», para «enfrentar as principais cicatrizes deixadas pela crise», especialmente nas áreas da economia, saúde e educação, acrescentando que «este caminho não é incompatível com responsabilidade na gestão das finanças públicas, como aliás já provámos no passado.
A ameaça de nos desviarmos desta trajetória de equilíbrio e responsabilidade não virá de uma estratégia orçamental coerente, anticíclica, centrada em medidas de recuperação e crescimento, sem perder de vista a sustentabilidade a médio prazo», referiu no Parlamento.
Já a ameaça «à estabilidade das finanças públicas poderá sim resultar de uma perceção errada de que não temos de fazer escolhas e que podemos, sucessivamente, tomar medidas avulso, de forma descoordenada e desenquadrada de uma estratégia orçamental», acrescentou.