Costa prepara congresso de mobilização dos socialistas

O secretário-geral do PS deve confirmar em Portimão a sua recandidatura nas legislativas de 2023. Para adiar disputas internas e garantir a mobilização das bases para as autárquicas.

por Henrique Pinto de Mesquita e José Miguel Pires

O timing definido e o facto de o Congresso do PS, a 28 e 29 de agosto, ocorrer a menos de um mês das próximas autárquicas (marcadas para 26 de setembro) aconselham a que o líder do PS quebre qualquer foco de tensão no partido e no Governo, para que a família socialista aproveite  a sua reunião magna em Portimão para cerrar fileiras e mobilizar as hostes para o combate eleitoral que se avizinha.

E o Congresso do partido, afastadas quaisquer dúvidas sobre o protelamento da questão da sucessão do líder para um futuro menos imediato, soará muito mais a um comicío de rentrée e de mobilizador arranque da campanha eleitoral para as autarquias do que a um conclave de debate interno.

Mais ainda depois de António COsta já ter dado um claro sinal de que as negociações com o PCP e outros partidos da esquerda parlamentar já terão assegurado a aprovação do Orçamento do Estado para 2022 – tanto assim que fora o próprio primeiro-ministro a tornar público que adiou as suas férias de verão com esse objectivo e ainda o de dar andamento ao Plano de Recuperação e Resiliência. Ora, ao anunciar que parte de férias esta semana, António Costa está a implicitamente a reconhecer que esses objectivos por si definidos, se não estiverem já fechados, estão pelo menos muito bem encaminhados.

Daí também que o tenha sido o próprio, em mais uma das suas recorrentes entrevistas ao Expresso – só o Público rivaliza com o semanário de Paço de Arcos no número de entrevistas com o chefe do Governo –, a vir dizer que, pelo menos para já, conta com todos os ministros do seu gabinete «concentrados a 200%», afastando a esperada remodelação.

Costa esclareceu, por outro lado, que a orgânica do Governo   – pensada para a presidência portuguesa da União Europeia, que terminou em 30 de junho passado –  «continua a ser totalmente justificável (…), porque o esforço que vai implicar a execução do Plano de Recuperação e Resiliência mais o Portugal 20-30, mais a execução do programa do Governo, não aconselham a qualquer mudança na estrutura».

Costa quis deixar claro o sinal para todos os seus ministros de que, se, por um lado, a remodelação está afastada no imediato, não há nenhum governante com lugar cativo.

Aliás, não deixa de ser curioso – e uma enorme contradição em toda a sua argumentação – que o primeiro-ministro tenha admitido uma saída no seu gabinete e que esta seja precisamente a da secretária de Estado dos Assuntos Europeus, que pediu para sair do Executivo.

 

Mexidas após autárquicas

No próprio PS, como reconheceram ao Nascer do SOL diversas fontes tanto do partido como da bancada parlamentar, generaliza-se a convicção de que António Costa só vai mexer no Executivo após as eleições autárquicas.

Os socialistas acreditam que o resultado eleitoral – mesmo que o PS venha a perder algumas câmaras em relação às que atualmente detém – manterá o PS_não só como partido folgadamente  mais votado como claramente dominante na Associação Nacional de Municípios Portugueses. E que, no dia seguinte, o mais provável é que PSD e CDS_mergulhem em crises internas, com as respetivas lideranças a serem postas em causa, enquanto no Largo do Rato se pode tranquilamente preparar para o novo ciclo até às eleições legislativas de 2023.

E daí que seja esperado por quase todos que António Costa seja claro em Portimão a afirmar que continuará na liderança do partido e será o candidato a nova legislatura em 2023.

«Em anos anteriores vimos nos Governos grandes manifestações, ou grandes criticas dirigidas a alguns ministros, mais por parte da sociedade civil do que por parte da oposição – oposição há sempre. Neste momento, o Governo, apesar de poder ter críticas sob alguns ministros por parte da Oposição, não tem tido do ponto de vista da sociedade civil grande contestação», afirmou ao Nascer do SOL o deputado socialista Eduardo Barroco de Melo, para quem nem mesmo o ministro da Administração Interna tem a sua sentença traçada. «Desde que Eduardo Cabrita assumiu funções na Administração Interna temos tido notícias relativamente positivas sobre essa área da governação, quer na gestão florestal e no combate aos incêndios, quer mesmo nas forças de segurança (todos os relatórios apontam para a redução do crime e do crime violento ao longo dos anos)», argumenta Barroco de Melo.

Não obstante, nos bastidores socialistas, tanto Eduardo Cabrita como a ministra da Cultura, Graça Fonseca, são considerados quase certos como remodeláveis na primeira oportunidade.

Augusto Santos Silva, que bateu à porta da saída quando terminou a presidência portuguesa da União Europeia, continua sem saber quando é que António Costa o deixará regressar ao seu liugar de professor universitário.

Por outro lado, no lado das certezas cada vez maiores está a continuidade de Marta Temido à frente do Ministério da Saúde, não apenas por parecer não acusar qualquer desgaste ao fim de ano e meio de pandemia – aliás, muito menos agora do que aconteceu no passado –, mas por ser inclusivamente das ministras com melhor imagem junto da opinião pública ao fim de todos estes meses de grande exposição.

E apesar desta jogada de António Costa – colocando todos os ministros em pé de igualdade – a dúvida mantém-se tanto sobre o ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, como sobre o ministro do Ensino Superior, Manuel Heitor, e de ministros envolvidos em dossiês mais complexos, como o ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, ou a ministra da Solidariedade Social, Ana Mendes Godinho, ou  a ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes.

Por outro lado, não falta quem lembre que as palavras de Carlos César ao Nascer do SOL, há uns meses: o presidente do partido reforçou a necessidade de maior coordenação política no Governo (e com o partido), deixando implícita a crítica de que esse é um handicap da equipa de António Costa.

E, de facto, sendo o número dois do Governo um independente, como é o caso de Pedro Siza Vieira, portanto sem peso-político no PS, António COsta deveria ter o cuidado de ter a seu lado quem fosse capaz de desempenhar esse papel – no que foi lido como uma autopromoção de César.

 

Em política, o que hoje é verdade…

Para o socialista Daniel Adrião, que concorreu contra António Costa nas últimas diretas, se a remodelação parece ter ficado afastada pelas afirmações de Costa, tudo pode não passar de uma questão de oportunidade.

«Em politica nunca digas nunca. E, portanto, o que hoje é verdade, amanhã pode não ser. As circunstancias alteram-se muitas vezes de um dia para o outro. Tenho que fazer fé de que essa declaração do PM corresponde as suas intenções», disse ao Nascer do SOL Daniel Adrião, acrescentando que, assim, «até às eleições autárquicas provavelmente não haverá remodelação, ao contrário do que se especulava».

O resultado das eleições autárquicas, augura Adrião, é «um dos fatores que pode alterar as circunstâncias politicas». «Se o PS tiver um ótimo resultado, admito q o PM não precise de remodelar o Governo. E eu penso que é com base nesse pressuposto que o PM trabalha. E daí, o facto de não ter intenção de remodelar, para já», concluiu o deputado.

Daniel Adrião não se alonga sobre possíveis justificações para a renovação do Governo, defendendo ser «uma matéria realmente que só o primeiro-ministro pode avaliar», algo que «também estará em julgamento nas eleições autárquicas». «Há sempre, mesmo em eleições autárquicas, uma motivação de voto que não é desligada da avaliação política global dos portugueses, e […] em função desse resultado saber-se-á se efetivamente se os portugueses acham que a linha de rumo do PM é correta e deve manter-se».