Se António Costa estava convencido de que as eleições autárquicas seriam inócuas para o PS e colocariam os líderes do PSD e do CDS no olho do furacão, a derrota de Fernando Medina em Lisboa veio baralhar-lhe as contas e, face às tensões internas no partido e às pressões para uma acelerar uma remodelação, obrigá-lo a um inesperado exercício de controlo de danos.
Apesar de não estar em causa a vitória do PS – que continua como partido mais votado e destacado no número de câmaras, de mandatos e de freguesias –, a inversão da tendência no voto urbano (que o PSD vinha a perder de ato eleitoral para ato eleitoral) e sobretudo a derrota em Lisboa abalaram a festa socialista e a tranquilidade do líder e chefe do Governo.
Internamente, se logo vários socialistas clamaram por uma remodelação, por forma a esvaziar de imediato o efeito da vitória de Carlos Moedas na capital, o facto mais relevante acabou por ser o discurso crítico e público de Pedro Nuno Santos contra o ministro João Leão.
Assim ao jeito de quem, vendo que o seu principal adversário ficou apeado, aproveita para mostrar quem está pronto a assumir os comandos da locomotiva.
«Se dependesse de mim, o problema estava resolvido. Tínhamos um plano de atividades e orçamento aprovado em tempo, a empresa não esperava meses para conseguir autorização para fazer as compras que são fundamentais para o seu funcionamento, não tínhamos uma dívida histórica, com a dimensão que ela tem, durante tanto tempo sem a resolver», acusou Pedro Nuno Santos, apontando o dedo aos atrasos no Ministério das Finanças como os culpados pela demissão de Nuno Freitas da administração da CP.
Para quem, quando criticado por Ana Catarina Mendes, recusou fazer qualquer comentário porque «nunca faria críticas em público a um camarada de partido»… Soou a aviso à tripulação de que poderá estar na calha a substituição de João Leão no Ministério das Finanças – especulando-se que poderia bem ser substituído pelo ministro da Economia, Pedro Siza Vieira.
Pressões para remodelação
Um dos temas que voltou à baila nos bastidores socialistas foi a questão de António Costa dever resguardar-se depois do excesso de exposição durante a campanha eleitoral com resultados menos bons.
E, nesse sentido, voltou a falar-se na hipótese, defendida há meses no Nascer do SOL por Carlos César, de o chefe do Governo passar a contar com um vice-primeiro-ministro, ou número dois no Executivo, capaz de melhorar a coordenação entre os seus membros e o partido e, ao mesmo tempo, servir de escudo ao líder. Cargo para o qual, aliás, César era apontado como tendo o perfil ideal, considerando que trata do presidente do partido e tem vasta experiência na liderança do Governo Regional dos Açores.
De resto, não faltam candidatos à remodelação, apesar de António Costa insistir em afastar qualquer cenário de mudanças no horizonte.
E volta a jogar-se à roleta russa com os nomes dos ministros, tentado perceber-se quem será o primeiro a cair e quem o (ou a) substituirá. Segundo os vários inquéritos e estudos de opinião publicados ao longo dos últimos meses, o ministro mais impopular de António Costa é Eduardo Cabrita, que tutela a Administração Interna e que conta com um já longo histórico de polémicas, da morte de Ihor Homenyuk às mãos do SEF à compra de golas inflamáveis para o combate aos incêndios, ou à morte acidental de um trabalhador na A6, atropelado pelo carro em que o ministro viajava de regresso a Lisboa. Um acidente, aliás, que aconteceu em junho deste ano e do qual ainda não se sabe a que velocidade segue a viatura.
Quem também está na corda bamba, e reconhece-o, é a ministra da Cultura, Graça Fonseca, que, recentemente, em entrevista ao Expresso, garantiu não ter «qualquer espécie de vínculo a lado nenhum». A ministra, recorde-se, ficou marcada pela polémica no início do período pandémico, quando o seu Ministério quis organizar o TV Fest, que acabou cancelado fruto de um coro de críticas.
O Ambiente é outra das áreas mais em foco, com João Pedro Matos Fernandes envolvido nos dossiês escaldantes da Galp e do fecho da refinaria de Matosinhos, bem como com os polémicos inquéritos do Ministério Público sobre os projetos associados à estratégia de transição energética do Governo que motivaram escutas ao ministro e seu secretário de Estado, João Galamba, bem como ao ministro Siza Vieira, e que envolveram o próprio primeiro-ministro.
Quem também não está inamovível é o ministro Tiago Brandão Rodrigues, criticado por muitos pela sua gestão das propostas e promessas do Governo para o período pandémico, em termos escolares, e pela sua gestão do processo de reabertura das aulas.
O atraso na entrega de milhares de computadores portáteis prometidos para o início do ano letivo que já findou deixou uma mancha no seu currículo. E os problemas em torno dos concursos públicos dos professores, bem como as várias manifestações e greves convocadas para os próximos dias, não auguram um futuro risonho para esta tutela.
Mas as pressões externas para uma remodelação não se ficam pelo MAI e pela Educação e estendem a Ministérios como o da Reforma Administrativa ou o da Agricultura. Neste último caso, estão a subir de tom os protestos da Confederação dos Agricultores Portugueses (CAP) e os pedidos para a demissão da ministra Maria do Céu Antunes.
Duro como a pedra
Se a renovação do gabinete de António Costa está na mesa, vale também a pena referir quais os ministros que parecem ter o seu lugar no Executivo praticamente garantido. É o caso da ministra da Saúde, Marta Temido, que, em agosto deste ano, se tornou oficialmente militante do Partido Socialista e exibiu o seu cartão no congresso de Portimão.
Mas a forma como geriu a pandemia e a sua popularidade valem-lhe a condição de irremodelável, que partilha com muitos colegas, sendo que o ministro dos Negócios Estrangeiros é um deles. Augusto Santos Silva continua sem ter autorização para voltar à universidade.