Governo quer vagas na universidade para alunos de escolas em zonas desfavorecidas

Medida volta surgir na Estratégia de Combate à Pobreza, que entrou ontem em discussão pública. Davis Gouveia, fundador do Uniarea, lembra que tal pode “dar azo a casos de abuso”.

O plano de criar um contingente especial adicional para o acesso ao Ensino Superior de alunos de escolas de zonas mais desfavorecidas, as chamadas escolas em Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP), volta a surgir na Estratégia de Combate à Pobreza 2021-2030, que o Governo colocou ontem em discussão pública. Em abril,  o objetivo já tinha sido integrado no Plano Nacional de Combate ao Racismo e à Discriminação para o quadriénio 2021-2025 e em julho, quando este plano foi publicado, a secretária de Estado para a Cidadania e Igualdade, Rosa Monteiro, adiantou ao Público que o objetivo é avançar com as primeiras 500 vagas extra no ano letivo de 2022-2023.

Não tornou a haver desenvolvimentos e a medida gera algumas interrogações no setor. Davis Gouveia, fundador e CEO do Uniarea, a maior comunidade online de jovens estudantes dos Ensinos Secundário e Superior, acredita que é necessário intervir, mas considera que o impacto destas vagas será reduzido. “Neste momento, já se faz discriminação positiva de várias formas. No meu caso, que sou da Madeira, vim para Lisboa por meio de um contingente especial”, começa por explicar o jovem formado em Engenharia Aeroespacial, para quem esta nova medida “faz sentido” e era algo que já tinha sido debatido no âmbito da Unirea. O problema, para Davis Gouveia, é o alcance e o risco de abusos. “Supostamente, os arquipélagos têm resultados escolares piores, mas há outros sítios de Portugal Continental que têm resultados tão maus como Bragança e de Portalegre. Por isso, acho que o acesso ao Ensino Superior devia ter sido reestruturado, mas o Governo tem feito remendos ao concurso de acesso”, continua o jovem, explicando que, por outro lado, as vagas disponíveis para estes alunos mais desfavorecidos “são muito poucas” e “terão um impacto muito reduzido”.

Davis realça outro aspeto: o facto de nem todos os estudantes destes territórios terem as mesmas carências. “Na Madeira e nos Açores, as escolas têm resultados muito diferentes e há umas com resultados acima da média do país, mas o contingente funciona de forma igual para todos”, avança, adicionando que este vai funcionar da mesma forma, pois, não vai identificar os alunos individualmente, mas sim as escolas como um todo.

“Isto pode dar azo a casos de abuso porque algumas destas vagas podem dizer respeito a Medicina, imaginemos, e vejo perfeitamente pessoas a tentar arranjar forma de entrar no curso por esta via”, admite, apelando à tutela que defina “regras muito claras e que não haja margem de manobra para que sejam contornadas”.

Apesar de, no final de julho, ter sido veiculado que no ano letivo de 2022-2023 serão criados 500 lugares extra para estes estudantes, “no fórum do Uniarea, ninguém fala disto” e, por este motivo, Davis acredita que “é algo bastante desconhecido ainda e, como se apontou para daqui a um ano, as pessoas não estão a pensar nisso”.

 

146 escolas integradas

Segundo os dados disponíveis no site oficial da Direção Geral de Educação, existem 136 agrupamentos de escolas/escolas no programa TEIP que preenchem os requisitos para serem englobadas por este contingente, por se localizarem em territórios “económica e socialmente desfavorecidos, marcados pela pobreza e exclusão social, onde a violência, a indisciplina, o abandono e o insucesso escolar mais se manifestam.” A maioria situam-se na região de Lisboa e Vale do Tejo e no Norte.

 

Salas de estudo para crianças pobres

A Estratégia Nacional de Combate à Pobreza 2021-2030, que estará agora em discussão pública, tem seis eixos estratégicos. A primeira medida que surge com o objetivo de reduzir a pobreza nas crianças e jovens passa por reforçar os apoios à frequência de creches e pré-escolar assegurando às famílias de menores recursos um acesso tendencialmente gratuito, integrando o ensino a partir dos três anos de idade na escolaridade obrigatória no médio prazo. Prevê-se também, a título de exemplo, a criação de espaços de estudo acompanhado para crianças de agregados mais pobres, quando hoje os pais recorrem a centros de explicação.

Está ainda previsto um reforço dos apoios sociais como o rendimento social de inserção ou o abono de família.