O secretário-geral da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) arrasa o negócio de produção de frutos vermelhos por parte da líder do PAN, Inês Sousa Real, juntamente com o seu marido. E para Luís Mira não há outro desfecho: “É óbvio que tem de se demitir”, diz ao i, ao considerar que “é inaceitável que as pessoas do ponto de vista ideológico e político critiquem aquilo que depois do ponto de vista particular executam. Isso é enganar as pessoas. Se tiver o mínimo de vergonha demite-se”.
Em causa está a notícia avançada pelo Nascer do SOL, em que alegadamente, a porta-voz do PAN seria dona de duas empresas de produção agrícola que usariam ferramentas ‘pouco amigas do ambiente’, como estufas e pesticidas. Confrontada pelo jornal, Sousa Real confirma, primeiro, ter participado nas empresas em questão, denominadas Berry Dream e Red Fields. A deputada foi “sócia da empresa Berry Dream, Lda.”, da qual foi detentora de 50% do capital e sócia-gerente até 12 de outubro de 2013, “tendo procedido à cessão de quotas”. Já relativamente à Red Fields, Lda., “cuja constituição de sociedade data de março de 2014, com detenção de 25% do capital social e não tendo nunca exercido funções de sócia-gerente, encontra-se em fase de finalização o processo de cessão de quotas”, disse o gabinete de assessoria de comunicação do partido.
Uma “venda” que não convence Luís Mira. “Com que moral é que se aponta o dedo quando se pratica este tipo de situação?”, questiona. E apesar de garantir que este tipo de atividade “não tem mal nenhum”, garante que o problema é o PAN apontar o dedo e depois fazer isso. “Faz lembrar o BE que tanta criticava o alojamento local e depois tinha pessoas com atividade ligadas a isso. Estamos perante a mesma situação que tivemos com Ricardo Robles. Se houvesse um mínimo de decência e de respeito pelos eleitores aquilo que a responsável do PAN tinha que fazer era demitir-se. Não é possível em termos públicos criticar uma situação e do ponto de vista privado a realize”, diz ao i.
E vais mais longe em relação à venda dos negócios. “Vendeu as quotas possivelmente a um familiar. Como critica uma coisa que pratica? Como ataca uma coisa que pratica? O problema são os princípios, é como dizer que é contra o branco e depois aparecer toda vestida de branco. Qual é a coerência que isso tem?”, questiona. Ainda assim, considera que essa venda “é mandar areia para os olhos”, ao afirmar que antes de ser deputada Inês Sousa Real já tinha aquele tipo de atividade. “É preciso ter muita falta de coerência para vir depois a público criticar, diabolizar uma atuação que também pratica”.
Luís Mira lembra, no entanto, que o problema não diz respeito à atividade desenvolvida, mas sim devido ao método que é praticado. “A CAP já há muito tempo que tem vindo a afirmar que não são nenhum demónio as culturas em estufa. Permitem, por exemplo, que os consumidores tenham tomate, alface e outro tipo de produtos hortícolas durante todo o ano. Se não existissem estufas isso não era possível”, acrescentando que, ponto de vista ambiental e de eficácia, as estufas que existem em Portugal representam “provavelmente a forma mais eficiente, mais ambiental de produzir alimentos porque não há desperdício de água, não há desperdício de nutrientes, em que há uma reduzidíssima aplicação de fitofármacos e que permitem disponibilizar alimentos praticamente todo o ano”.
Estufas ou túneis? Ao Nascer do SOL a deputada nega que as empresas em questão usem estufas, retificando que as estruturas utilizadas – e visíveis a partir de ferramentas como o Google Maps/Earth – são túneis. E a diferença, diz, é muita. “Os túneis, sendo abertos, permitem a entrada do ar, circulação de animais, respiração do solo e circulação das águas da chuva. Podemos dizer que coabitam harmoniosamente nos dois locais animais como toupeiras, cobras e outros repteis, coelhos, diferentes espécies de aves – algumas das quais nidificam inclusivamente no interior dos mesmos –, e de insetos. Ao passo que uma estufa fechada não é compatível com o aumento da biodiversidade”.
“Confirmamos também que em ambas [as empresas] se pratica uma agricultura caracterizada por técnicas tradicionais e/ou modo biológico, logo não intensivo”, reafirma a mesma ainda, pondo de lado que possa haver qualquer conflito de interesses entre os valores defendidos pelo PAN e estas empresas.
Argumentos esses que não convencem o secretário-geral da CAP ao afirmar que “isso é conversa de chacha”, garantindo que “túneis ou estufas são a mesma coisa”. E acrescenta: “As estufas também abrem e permitem uma série de situações. É uma tecnologia que utiliza tudo aquilo que eles criticam: plástico e armações em ferro”. E vai mais longe: “Se aquilo não é uma estufa então o que é uma estufa? Não é uma cultura forçada? Então não tem o plástico e as armações em ferro? Então é uma barraca da praia?”, questiona ao i.
Mas mais uma vez garante que o uso desses materiais não tem qualquer problema, mas aponta o dedo à deputada quando ela crítica o uso desses materiais. “Não me venha dizer que aquilo que ela usa não são estufas. São estufas como as outras. Aliás, a maioria das estufas que existem em Odemira são iguais aquelas e algumas até são mais pequenas do que as são usadas pela líder do PAN”. E as acusações não ficam por aqui. “O negócio da líder do PAN produz frutos vermelhos que exporta, quando publicamente defende os mercados locais. No fundo faz aquilo que é normal fazer, mas não é aceitável é que do ponto de vista ideológico passe os dias no Parlamento, paga pelo dinheiro dos contribuintes portugueses, a criticar e a combater produções que ela própria produz e faz o mesmo que outro agricultor qualquer”.
O i falou com Pedro Horta, representante da Associação ZERO, e, junto com outros testemunhos, conseguiu perceber que, afinal, a substituição de túneis por estufas poderá não será uma ‘carta branca’ para alegar que a produção agrícola não é, definitivamente, intensiva. Afinal de contas, se efetivamente a área coberta é menor, e se existe mais circulação de ar e animais, a realidade é que o fim destas estruturas acaba por ser também o aumento artificial da temperatura.
“Usar um túnel na vez de uma estufa não é, obviamente, uma ‘carta branca’. É preciso ter em conta as práticas todas como o uso de fertilizantes, ou a aplicação de pesticidas, bem como a distribuição das estruturas, para decidir se uma produção é intensiva ou não”, explica Pedro Horta, que refere que “a utilização de estufas, por si só, não é um fator prejudicial do ambiente”. “A questão é sim a grande concentração de estufas em determinadas áreas sem descontínuos”, explica.
Neste âmbito, na resposta dada ao Nascer do SOL, Inês de Sousa Real defende-se, explicando que “no caso da Berry Dream em causa está um terreno 3,7 hectares, dedicado essencialmente à produção em modo biológico devidamente verificado pelas autoridades competentes”, onde se encontram “dois hectares de mirtilo, em modo de produção biológica e 0,5 hectares de framboesa, em modo de produção integrada e com túneis e não estufas”. Por sua vez, no caso da Red Fields, “trata-se de um terreno com um total de 4 hectares, com uma ocupação de apenas 1,5 hectares de framboesa, em modo de produção convencional, mais uma vez com túneis e não estufas, estando todo os demais 2,5 hectares em pousio”.
A deputada esclarece também que “os modos de produção estão certificados com todas as certificações exigidas em Portugal e na União Europeia, a que acrescem ainda certificações não exigíveis pela legislação portuguesa, como é o caso do GRASP, um certificado voluntário, desenvolvido para avaliar as práticas sociais na quinta, tais como aspetos específicos da saúde, segurança e bem-estar dos trabalhadores”.
anúncios A polémica rebentou nas redes sociais, onde, rapidamente, alguns utilizadores – entre eles o deputado André Ventura – deram conta de vários anúncios de trabalho na Berry Dream, onde se descreve, explicitamente, que o labor seria feito em ‘estufas’. Também vários comentadores apontaram o dedo ao facto de, na página de Facebook da empresa, surgirem várias fotografias onde se podem ver os produtos embalados em caixas de plástico.
orgulho Comentando o ‘desmentido’ citado pelo Nascer do SOL sobre toda a polémica em torno da Berry Dream e da Red Fields, Inês de Sousa Real partiu para o Twitter e garantiu ter “orgulho por ter sido agricultora”. “É importante lembrar que em política não vale, ou não devia valer tudo”, ataca ainda a deputada, num tweet.
“Fui contactada pelo Nascer do SOL a propósito de uma denúncia por ser sócia de 2 empresas que se dedicam à produção de frutos vermelhos. Na notícia, foram desmentidas todas as acusações que me foram feitas, por serem falsas”, explica a deputada na mensagem, defendendo que “em ambos os terrenos são adotadas as melhores práticas agrícolas e sociais e são privilegiadas sempre as cadeias curtas, não entrando em qualquer contradição com os princípios defendidos pelo partido que represento”.
“De forma a que não se colocassem potenciais questões quanto a eventuais incompatibilidades com o exercício de cargos públicos e/ou políticos, a porta-voz do PAN entendeu cessar com qualquer tipo de participação nas empresas referidas”, lê-se na resposta ao jornal, onde finaliza: “Não corresponde à verdade que a porta-voz do PAN seja gerente das empresas, nem que as produções em causa se encontrem a ser produzidas em estufas ou através de modos de produção danosos para o meio e contrários aos princípios defendidos pelo PAN”.