As linhas vermelhas…

Apesar de ser severamente moralista em causa alheia, Mariana Mortágua, revelou-se assaz ‘distraída’ 

Em tempo de guerra e de incertezas, os governos europeus deitam ‘contas à vida’ para compensar os ‘danos colaterais’ na economia e a sua incidência nos bolsos das populações.

Com o agravamento da fatura na energia, nos combustíveis ou nos cereais, a margem de manobra é limitada, sobretudo para aqueles países, cujas poupanças caíram a pique, fosse pelos efeitos da pandemia, fosse pela ilusão de que a austeridade tinha acabado.

Basta compulsar a dívida pública portuguesa (a terceira maior dívida da União Europeia) para percebermos quem está menos preparado para enfrentar as dificuldades trazidas pela invasão da Ucrânia. 

Neste quadro, torna-se ainda mais obscena a incapacidade do PCP de condenar o invasor russo enquanto, o BE, pressentindo a borrasca iminente, procura tirar o ‘cavalinho da chuva’. 
Mariana Mortágua, entre ‘linhas vermelhas’ na SIC, já mudou de pose e de discurso. Quem a tenha ouvido ultimamente com atenção, parece outra. Só lhe falta imitar a coordenadora Catarina Martins e repetir que o programa bloquista é social-democrata…

Por ironia, foi por causa das Linhas Vermelhas, onde Mariana contracena com Adolfo Mesquita Nunes – agora menos democrata-cristão e mais liberal –, que a ‘estrela da companhia’ do Bloco tropeçou e apanhou um susto, a ponto de ter arriscado perder o mandato de deputada. 

Um sarilho em que Mariana se envolveu e que ficou a dever-se a uma investigação jornalística da revista Sábado, que apurou estar ela há meses a ser paga pela SIC, em violação do seu estatuto de exclusividade como deputada.

Teve azar. Embora defensora desse regime, caiu numa esparrela parecida com a do seu ex-colega Ricardo Robles, que exibia em público um assanhado discurso contra a especulação imobiliária, enquanto a praticava, em privado, num prédio que tinha à venda em Alfama, com significativas mais-valias. 

A incoerência deu ‘para o torto’ quando foi descoberta, e o então vereador, embora esbracejasse que «não há nada de reprovável na minha conduta», acabou por ser forçado a renunciar ao cargo de vereador na Câmara de Lisboa, no verão de 2018. 

A flagrante contradição, ainda mereceu uma acalorada defesa de Catarina Martins, mas o escândalo era demasiado óbvio.

A lição não terá sido aprendida por Mariana Mortágua, com fama de implacável nas comissões de inquérito. E, apesar de ser severamente moralista em causa alheia, revelou-se assaz ‘distraída’ em causa própria. E ‘derrapou’ onde menos se esperava. 

Os argumentos que invocou a seu favor foram indigentes, mas ‘convenceram’ o secretário geral da AR, Azevedo Soares, cujo gabinete fez saber que, como a deputada se propôs devolver o montante recebido indevidamente, não haveria lugar a qualquer sanção. Portanto, assunto arrumado e não se fala mais nisso…

Dantes, nem sequer há muitos anos, as televisões convidavam políticos para serem entrevistados ou intervirem em debates e estes agradeciam, sensibilizados, sem cobrarem um tostão. 

Agora, fazem-se pagar caro como ‘comentadores residentes – uma originalidade portuguesa –, apesar de se limitarem, na prática, à defesa das cores partidárias e das suas agendas de interesses. O certo é que as televisões caíram nessa armadilha, a pretexto de discutíveis ganhos de audiência.

O elenco de atores políticos transformados em ‘artistas convidados’ é assinalável. E, não raramente, os bons cachês tornaram-nos reféns desse modelo. 

Este episódio, protagonizado por Mariana Mortágua é exemplar, tal como foi o de Robles, repetindo-se o provérbio de que ‘uma desgraça nunca vem só’… Tudo tem corrido mal ao Bloco.

Nas presidenciais, Marisa Matias foi uma sombra de si própria, perdeu metade do eleitorado e apenas conseguiu um terço dos votos de André Ventura, o adversário de ‘estimação’. Nas autárquicas, o resultado não foi melhor e o partido teve uma das piores prestações de sempre. E nas legislativas, foi o afundamento, perdendo mais de dois terços da bancada parlamentar. 

Com a derrocada eleitoral, os bloquistas repetiram a ‘proeza’ de Louçã, quando este liderava o partido em 2011. E baixaram de terceira força política para sexta, sofrendo um ‘rombo’ profundo no financiamento público.

Por causa do desaire, o Bloco viu-se forçado a ‘apertar o cinto’, e já prepara uma ‘cura de emagrecimento’, implicando o fecho de sedes regionais e despedimento de pessoal. 

Como qualquer empresário em dificuldades, o partido aposta na ‘reestruturação’. Descontado o apelo à militância é o mesmo guião ‘capitalista’…

Afortunadamente para o Bloco, ninguém dá por isso. Com a guerra na Ucrânia, a política interna entrou de férias. Repetiram-se as eleições na emigração quase em segredo. Temos o parlamento dissolvido com o governo em gestão de duodécimos, sem escrutínio; e a oposição ausente em parte incerta. Pior era impossível.