Oposição em peso ataca propostas do Governo

O aumento dos preços dos bens e dos combustíveis, o estado do SNS, a TAP e os planos socialistas para o país marcaram os dois dias de debate do programa de Governo na AR.

Os últimos dois dias foram de azáfama na Assembleia da República, nas primeiras sessões parlamentares da nova legislatura, que contaram com a presença de António Costa e do recém-empossado XXIII Governo Constitucional. Com o novo programa de Governo em mãos, Costa prometeu reformas, crescimento económico e melhorias gerais no país. Mas, no hemiciclo, para além da maioria absoluta socialista, poucos iam concordando com as palavras do primeiro-ministro, que entra no sétimo ano ao leme do país.

A invasão russa da Ucrânia foi, como não poderia deixar de ser, pano de fundo, até porque Volodymr Zelensky aceitou recentemente o convite para discursar, por videochamada, no Parlamento português. Um tema em que André Ventura, líder parlamentar do Chega, pegou, para criticar Fernando Medina, a poucos metros de distância no hemiciclo, sugerindo que Zelensky dê um ‘puxão de orelhas’ ao atual ministro das Finanças, antigo presidente da Câmara Municipal de Lisboa, que esteve envolvido em polémica quando se descobriu que a autarquia lisboeta teria partilhado dados pessoais de ativistas russos com o regime de Putin.

Os dois dias de debate foram cheios de críticas, da esquerda à direita. Rui Rio, líder do PSD, que está de saída do lugar, começou, na quinta-feira, por questionar o primeiro-ministro sobre as suas propostas para contrariar o ‘abandono’ da TAP do Norte do país, acusando a «orgia financeira» em que a companhia aérea se encontra, e acusando-a de ser uma «companhia regional». Rio perguntou a Costa se a proposta do aumento do salário mínimo nacional para 900 euros, até 2026, se mantém, ou se o primeiro-ministro irá ajustar o aumento com base nos valores da inflação.

Costa ironizou o ‘fervor’ com que Rio o enfrentou, atirando: «Fiquei com sensação de que queria uma segunda volta das eleições. […] A ver o bom exemplo do que conseguiu na segunda volta do círculo da Europa, vamos a isso.  […] Eu estarei cá mais quatro anos e seis meses à espera de si, tem tempo de ir e voltar e eu ainda cá estarei.»

Já na sexta-feira, Rio voltou ao ataque, no dia em que o PSD se absteve na votação da moção de rejeição do programa de Governo socialista do Chega, que apenas o partido de André Ventura votou a favor.  Sobre o anúncio da descida do ISP feito pelo ministro da Economia e do Mar, o líder social-democrata atirou que há medidas por parte do Governo que são «vendidas [e recebidas] como bem intencionadas», mas pediu uma explicação mais ‘concreta’ do Governo sobre como vai combater os aumentos da inflação e do preço dos combustíveis. Rio reiterou a crítica feita ao Governo na quinta-feira, acusando o Executivo de estar a ter ganhos com o aumento do preço dos combustíveis. «Para mim, é claro. Acontece que o orçamento que está em vigor é o de 2021. Portanto, a  receita de IVA programada está programada em função das cotações do crude em fins de 2020. Aí, há uma diferença de preço muito grande», disse. «Isto quer dizer que o Governo vai continuar a ganhar dinheiro com o preços dos combustíveis», mas vai «ganhar um pouco menos».

Na sua intervenção, Rio criticou principalmente o facto de o programa de Governo apresentado não se adaptar às alterações mundiais trazidas pela invasão russa da Ucrânia. «Revisitar a Constituição, reforçar o sistema eleitoral, modernizar a lei dos partidos políticos e o seu funcionamento, promover a descentralização e modernizar a Justiça reforçando a sua eficácia e transparência no seu funcionamento» foram os aspetos «nevrálgicos» que o líder social-democrata quer ver avançar.

 

Brilhante Dias contra-ataca

O novo líder parlamentar do PS aproveitou a última intervenção do partido antes de o Governo ter a palavra para atacar uma crítica feita por André Ventura no dia anterior. Na quinta-feira, o líder do Chega acusou o país de estar «pior» agora do que estava na altura do 25 de Abril. Brilhante Dias discordou. «O país não está hoje pior do que no 25 de Abril de 1974, como alguns dizem», defendeu o líder parlamentar socialista, passando a listar argumentos: «Em 1986, quando Portugal aderiu à CEE, quase 40% das exportações eram de têxtil, vestuário e calçado, com base em salários baixos; hoje, Portugal exporta muito mais, tem mais valor acrescentado e melhores salários», argumentou, defendendo que «Portugal é um país cada vais mais próximo dos congéneres da União Europeia». E, pelo meio, ainda atirou uma farpa à Iniciativa Liberal: «Se seguirmos o exemplo dos neoliberais e do cada um por si, a comunidade vai ter menos justiça social».

 

PS ‘Estadocêntrico’

Os liberais concluíram a sua participação neste debate pela voz do líder parlamentar, Rodrigo Saraiva, que acusou o PS de ser «Estadocêntrico». As palavras do Governo no hemiciclo foram, para o liberal, «mais do mesmo», ou seja, que o PS «não faz ideia de como pôr Portugal a crescer». Uma frase que é o eco da posição tomada pela IL na sexta-feira, quando ‘brincou’ que o subtítulo do programa de Governo devia ler ‘Agora é que vai ser’. «O Partido Socialista junta à sua incompetência, à negação da realidade, ao imobilismo e ao estatismo, a incapacidade de simplificar», sintetizou Saraiva.

 

Ventura vs. Santos Silva

O debate de sexta-feira ficou ainda marcado por um polémico momento: enquanto Ventura falava, Augusto Santos Silva, presidente da AR, interrompeu o deputado, disparando: «Não há atribuições de culpa coletivas em Portugal», recebendo aplausos de todas as bancadas, excepto da do Chega. A chamada de atenção do líder da mesa da AR surgiu quando Ventura falava, a propósito do Dia Mundial do Cigano, sobre a morte de um agente da PSP.  «É um dia em que devemos não esquecer-nos das minorias… que é porreiro para o chá das cinco. A capacidade de dizer ‘sim’ à capacidade cigana tem de acabar em Portugal. Minorias não podem ser apaparicadas», dizia Ventura.

 

BE alerta para inflação, PCP para problemas estruturais

Catarina Martins, coordenadora do BE, começou por acusar o Governo de não ter propostas para lidar com a inflação. Além dessa acusação, a bloquista considerou que o Governo de Costa deixou duas garantias: «desistiu de aumentar salários», bem como de «combater a inflação», esperando apenas «que passe».

Já Jerónimo de Sousa, líder do PCP, começou a sua intervenção por declarar: «Se, desde 2015, o PS não dispunha das condições institucionais para levar por diante todas as suas opções, agora esse condicionamento deixa de existir.» De seguida, Jerónimo acusou os socialistas de não reconhecer «a existência e profundidade dos problemas estruturais».