1. Há uns anos, andava eu pelas auditorias, fui sendo confrontando com os ‘modernos’ conceitos de ‘governança’ nas empresas e de boas práticas que iam sendo sugeridas (e introduzidas!). Entre diversas novidades, surgiu o conceito de administradores não-executivos que tinham de ter assumidamente características de independência, a nascerem os códigos de ética fomentando as ‘boas práticas’ e as ‘comissões de auditoria’, logo propostas para fazerem parte das administrações e, por fim, os ‘canais de denúncia’ (whistleblowing channels).
Lembro alguns episódios divertidos sobre cada uma das práticas que acima descrevo, como um muito conhecido CEO afirmar alto e bom som, com desdenho, que lhe tinham dito que “fulano” que era seu amigo há décadas não tinha condições para ser ‘administrador não-executivo’ da sua organização exatamente por essa razão, claramente inadaptado aos tempos que se avizinhavam. Ou ainda, nos primórdios das ‘comissões de auditoria’, uns quantos referirem que eram desculpas para ‘mais uns tachos’!
Os códigos de ética eram desdenhados ao início porque desnecessários, como se todas as organizações não praticassem já tais práticas. Sobre os ‘canais de denúncia’, aqui d’El Rei! Que seriam fonte inesgotável de vinganças e calúnias mesquinhas, que iriam causar desperdício de recursos de investigação necessários para funções essenciais, quiçá obrigar a contratações externas que custariam balúrdios. Tempos idos, conceitos hoje assimilados transversalmente, práticas cada vez mais necessárias pela transparência que os mercados exigem.
Subitamente, lemos esta semana que foi exatamente graças à existência de um ‘canal de denúncias’ que se soube de um dos maiores escândalos de sempre na Faculdade de Direito de Lisboa. Durante 11 dias foram recebidas 50 (!) denúncias por ‘assédio e discriminação’ relativas a 31 docentes! Fiquei literalmente em estado de choque, sobretudo quando em conversa sobre o tema com um amigo meu, este me referiu que a filha tinha sido confrontada com situações idênticas há alguns anos.
Afinal não podia ser mentira, muito menos calúnias movidas por despeito ou outras razões. Afinal será uma prática reiterada desde há anos, conhecida por muitos e investigada por ninguém! Depois da notícia cair que nem uma bomba, começam-se a conhecer nomes e, sobretudo, descobre-se que num inquérito em 2014/15 já o assunto tinha sido despoletado, alegadamente sem qualquer sequência e, muito menos, consequência…
Mais vale tarde que nunca. Investigue-se, apure-se a verdade, punam-se os culpados com demissões implacáveis e iniciemos na FDL uma nova etapa. Afinal, a maioria de 90% dos professores encontra-se ilibada de tais acusações, pelo que bastará limpar ‘a nódoa’ para seguir em frente. Mas, já agora, estenda-se este tipo de inquérito a outras instituições de ensino, só para sabermos se são casos isolados ou transversais e, sobretudo, se tenha o mesmo nível de exigência para as universidades que, e muito bem, se tem para a Igreja.
2. Aqui há dias, soubemos que Constança Urbano de Sousa se queixou de ter sofrido pressões públicas para não propor quaisquer alterações à ‘lei dos judeus sefarditas’, lei essa que propõe a nacionalidade portuguesa a judeus descendentes das antigas e tradicionais comunidades judaicas da Península Ibérica, uns quantos expulsos de Portugal em 1497.
Uma lei generosa e correta nos seus princípios, aprovada em 2013, em que os critérios da comunidade que representa foram entregues em 2015 ao Ministério da Justiça, originando, desde então, dezenas de milhares de novos cidadãos nacionais, com ‘origem certificada’ por comités específicos das comunidades israelitas (judaica) de Lisboa e Porto. A realidade é que, recentemente, este tema voltou à baila, muito pela notícia, no Público, da naturalização de Roman Abramovich, que, certificado por um rabino russo, a terá conseguido num processo iniciado há dois anos.
Em 2020, o tema esteve muito ‘quente’ em que o PS e PSD pretendiam alterar a Lei em causa, obrigando a que tivessem uma residência de dois anos em Portugal e/ou que tivessem autorização de residência ou fizessem deslocações regulares ao país. Aliás, em 17 de junho, no Parlamento, o então ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, defendeu uma alteração à lei de modo a ‘corrigir a tempo’ que se ‘mercantilize’ uma ‘nacionalidade de conveniência’, a portuguesa, para os descendentes dos judeus sefarditas que, dando acesso a um passaporte europeu, se encontrava com forte procura.
Esta proposta foi ‘deixada cair’, alegadamente por pressões sofridas das Comunidades Israelitas, mas, segundo Constança Urbano de Sousa, também por figuras gradas do PS que, diga-se, já liminarmente refutaram a acusação. Nos entretantos, a descredibilizar todo este processo, há investigações encetadas pela PJ envolvendo a certificação concedida pela Comunidade Israelita no Porto e o seu Rabi, que garantem irem rebater a acusação «documentadamente ponto a ponto».
Mas, disto tudo, sobram duas realidades: a primeira é que para reforçar as boas práticas de ‘governança’, a lei provavelmente precisa mesmo de ser revista e a segunda é que convicções sustentadas como a de Constança Urbano de Sousa não deviam abanar só porque ‘os ventos são fortes’.
P.S. – No debate do Programa de Governo, foi doloroso ouvir o PSD com um discurso ressentido, característica de um partido a carecer de mudanças profundas para evitar uma queda que poderá ser irreversível. Pior e preocupante pelas eventuais consequências, só Costa a entender que a inflação que atingiu 5,3% em março de 2022 será um fenómeno passageiro.