Para o deputado do PSD, o Orçamento do Estado apresenta «do ponto de vista técnico fragilidades significativas na sua elaboração e que colocarão pressões adicionais na sua execução». E garante que está a tentar disfarçar o que começa a ser evidente para todos é que vai impor austeridade. Ainda assim, garante que o Governo tem todas as condições para colocar a economia a crescer, para reduzir o défice e a dívida e para melhorar os serviços públicos. E deixa um recado: «Se não for capaz de o fazer é por manifesta incompetência». Joaquim Miranda Sarmento deixa ainda um cartão vermelho para as escolhas dos ministros da Economia e das Finanças, garantindo que Fernando Medina é mais político do que técnico.
O que acha da proposta de Orçamento do Estado para este ano?
Creio que é um mau Orçamento para o país por duas razões. Primeiro, vai na linha daquilo que tem sido a atuação deste Governo nos últimos seis anos. Não é um Orçamento que traga as reformas estruturais que o país precisa, nomeadamente no que temos identificado como os estrangulamentos da competitividade e da produtividade da economia portuguesa. É mais um Orçamento que não responde àquilo que é o problema central do país, que é a falta de crescimento económico e o facto de estar a ser ultrapassado por vários países da União Europeia. Segundo, é um Orçamento que, do ponto de vista técnico, tem fragilidades significativas na sua elaboração e colocarão obviamente pressões adicionais na sua execução.
As fragilidades do ponto de vista técnico que refere dizem respeito às metas que estão previstas, como o crescimento económico e a inflação?
Sobretudo devido ao crescimento e à inflação. Embora um crescimento de 4,9% possa parecer um número extraordinário, tal como os 5% em 2021, é importante lembrar que em 2020 o PIB caiu 8,4% e foi a quarta maior quebra da União Europeia. Mesmo que o crescimento seja de 4,9%, na realidade é de apenas 1,2% do ponto de vista do efeito ano e não do efeito que vem de trás. Ainda esta terça-feira, o FMI divulgou as suas projeções e já apontam para 4%. Só este efeito carry-over que vem de trás que representa 3,7% de crescimento. O que o FMI está a dizer – para a economia europeia e mundial, como um todo, em que tudo é revisto em baixa – é que poderemos estar próximos da estagnação. Quanto à inflação, mesmo fazendo o exercício de que os preços dos bens e dos serviços até 31 de dezembro não crescessem mais, o que é manifestamente um cenário muito pouco realista, ainda assim, a taxa média de inflação para 2022 seria de 4,2%. É muito difícil que os 4% previstos pelo Governo se venham a concretizar, até porque, quando olhamos para a maioria dos países da zona euro já estamos a falar de taxas de inflação na ordem dos 7%, 8%, 9%. Mesmo do ponto de vista de uma União Monetária é bastante difícil que um país se afaste tanto daquilo que é a inflação dos restantes países. Ou seja, é quase impossível que a inflação fique pelos 4% e não seja superior.
Já disse que o Governo estava desorientado com esta inflação. É por estar demasiado otimista?
Creio que esta crise da inflação – e não resulta só da guerra, desde o verão que estava a subir nos países europeus, claro que a guerra é obviamente um acelerador – tem uma natureza diferente da crise pandémica. Na crise pandémica, o Estado teve um conjunto de recursos financeiros para responder do ponto de vista económico. Do ponto de vista sanitário e das vidas que se perderam foi terrível, o mesmo aconteceu do ponto de vista económico, mas ao qual foi possível responder porque houve recursos. Entre 2019 e 2021, a dívida pública subiu cerca de 35 mil milhões de euros e a isto há que somar dois programas europeus: o Sure e o REACT que terão distribuído a Portugal, pelo menos, cinco mil milhões de euros. Em 2020 e 2021, ou seja, em apenas dois anos, o Governo teve 40 mil milhões de euros para acudir, quer à quebra da receita natural da recessão, quer à despesa para apoiar as famílias e as empresas. Um valor bastante superior ao PRR e à bazuca, o PRR em seis anos vai distribuir apenas 16 mil milhões de euros. O que me parece é que o Governo nesta crise da inflação percebe que, por um lado, não terá os recursos financeiros que teve na crise pandémica e, por outro, mesmo que os recursos financeiros existam, não é colocando o dinheiro na economia que se vai resolver o problema da inflação. A receita tradicional do Governo tem sido a de gerir cada momento da economia e ir colocando o dinheiro quando os problemas aparecem, mas não é uma fórmula que resulta nesta crise. Esta crise de ponto de vista da redução dos rendimentos das famílias vai ser muito significativa.
Perante esta redução do poder de compra, os sindicatos da função pública fizeram pressão para a subida de salários, mas Governo está intransigente nos 0,9% este ano, argumentando que quer evitar uma espiral inflacionista…
O Governo está a tentar disfarçar aquilo que começa a ser evidente: é que vai impor austeridade, desta vez, de uma maneira diferente daquela que o Partido Socialista iniciou em 2010, mas que não deixa de ser penalizadora sobretudo porque a inflação tem dois efeitos. O primeiro é que reduz o rendimento de todas as famílias pelo aumento dos preços dos bens e serviços, segundo é sobretudo penalizador para as famílias de menores rendimentos que, neste caso concreto da inflação, concentram a maior parte do seu consumo nos bens que têm tido um maior crescimento de preços – bens alimentares e bens energéticos. O Governo está a tentar escamotear, usando uma desculpa porque encontra alguma dificuldade em encontrar uma correlação e sobretudo uma causalidade entre os aumentos de os salários e aumentos de preços e está a tentar disfarçar a situação. Não há dúvida que todas as pessoas vão perder poder de compra, as famílias com menores rendimentos vão ser as mais atingidas e o Governo não tem instrumentos nem consegue sair daquilo que são as suas soluções habituais para mitigar esses efeitos.
O Governo anunciou algumas medidas para atenuar o aumento dos preços, como o cabaz alimentar de 60 euros e os 10 euros para a botija de gás. São apoios suficientes?
Há um número no Orçamento do Estado que é demonstrativo da limitação da atuação do Governo e da forma como não está a ser capaz de acudir, sobretudo às famílias com menores rendimentos. O Governo prevê para as medidas de apoio para esta crise rondem os 1,1 mil milhões de euros, mas retira estímulos da covid na ordem dos 3,1 mil milhões, portanto, entre os estímulos que são retirados e os que são agora introduzidos há uma diferença de redução da despesa na ordem dos dois mil milhões de euros. Ou seja, é manifestamente pouco o que o Governo está a fazer para acudir à situação das famílias.
Estes dois mil milhões poderiam ser canalizados para outras medidas?
O Governo vai ter que tomar uma decisão, até porque a receita fiscal neste Orçamento está provavelmente subestimada porque a inflação deverá ser maior e para as contas públicas o que interessa é o nível do PIB nominal. Se houver um deflator maior, a base tributária será maior e, por outro lado, quando olhamos para o padrão das receitas fiscais verificamos que o crescimento da receita fiscal é sempre superior ao crescimento do PIB ou ao crescimento do consumo ou ao crescimento dos salários. Quando olhamos para esses multiplicadores nesta projeção não existem. O multiplicador do IRS, do IRC e do IVA varia entre 1,2 e 1,4 e neste Orçamento está em um. É a velha receita de Mário Centeno e de João Leão: subestima-se a receita fiscal, sobrestima-se a despesa e depois chegam ao final do ano e apresentam um défice menor e tentam fazer um brilharete de propaganda e de mediatismo. O Governo vai ter que decidir perante a receita fiscal que vai ter durante esta redução de estímulos da covid se quer apoiar mais as famílias ou se, pelo contrário, continua a engordar a máquina do Estado e a despesa primária.
Qual acha que será a decisão do Governo?
A despesa primária, em 2019, era de 84,7 mil milhões de euros, em 2022 será de 100,5 mil milhões de euros e, em 2023, de 102,7 mil milhões de euros. Estes 16 mil milhões de euros são para engordar a máquina do Estado, sem que isso signifique melhores serviços públicos.
E deixa muitos de fora, como é o caso da classe média…
Deixa muita gente fora e mesmo os apoios para as famílias mais desfavorecidas são manifestamente insuficientes face ao aumento dos preços, sobretudo nos bens essenciais.
Também tem havido muita pressão para reduzir o preço dos combustíveis. O Governo apresentou algumas soluções, mas poderia ter ido mais além?
É óbvio que temos sempre de conciliar entre aquilo que é o apoio às famílias com aquilo que é a transição climática e energética, mas também temos de ter a noção de que fora das grandes áreas urbanas a oferta de transportes públicos é bastante limitada. Face ao aumento da receita de ISP [Imposto Sobre Produtos petrolíferos] que temos, quer no ano passado, quer este ano, o Governo poderia e ainda tem margem para reduzir o ISP bastante mais, até porque o limite que é definido na diretiva comunitária está longe de ser atingido, creio que ainda está a 25 ou 30 cêntimos de ser atingido.
Em relação à alteração dos escalões de IRS, o que acha da proposta do Orçamento?
O Governo faz este desdobramento mas não atualizou os restantes escalões. Face ao que é a previsão de aumento da massa salarial na economia, a maioria dos portugueses vai pagar mais IRS no ano de 2022, mesmo que eventualmente só o possa sentir na liquidação de IRS que ocorre em 2023.
Disse que é um Orçamento que vai impor austeridade? Poderemos assistimos a um déjà-vu da troika?
Teria de haver uma brutal incompetência do Governo, do ponto de vista da condução da política orçamental e da política económica, para chegarmos a uma situação dessas. Hoje a União Europeia tem um conjunto de instrumentos, por parte da política monetária do BCE, do próprio Banco Central Europeu e do mecanismo europeu de estabilidade que tornam a zona euro bastante mais robusta e que protege bastante mais os países face a crises dos mercados financeiros e da dívida soberana. O Governo tem todas as condições para colocar a economia a crescer, para reduzir o défice, a dívida e para melhorar os serviços públicos. Se não for capaz de o fazer é por manifesta incompetência e para atingirmos a situação limite de 2011 teria de resultar de uma brutal incompetência que espero que não venha a acontecer.
Sente que há uma obsessão nos últimos anos pela ideia de contas certas?
A ideia das contas certas vem de Pedro Passos Coelho e de Vítor Gaspar, porque quem teve de corrigir um défice de 10% e colocá-lo em 3% no espaço de quatro anos foi o Governo do PSD. Tenho dito várias vezes que são duas discussões diferentes: uma coisa é a discussão sobre a dimensão e o papel do Estado, outra coisa é a questão das contas públicas equilibradas. Devemos ter sempre contas públicas equilibradas e um nível de dívida pública relativamente baixo, independentemente de acharmos se o Estado deve ter muitas funções e um nível de despesa de 45% ou 50% do PIB, ou de acharmos que deve ter menos funções e um nível de despesa de 40% ou abaixo de 40% do PIB. Essa é uma discussão ideológica e política, agora contas públicas equilibradas são uma condição necessária para que a economia possa crescer e possa encontrar a estabilidade necessária para os agentes económicos investirem e trabalharem. Fico muito satisfeito que o Partido Socialista, que historicamente deixou sempre as contas públicas desequilibradas e com consequências dramáticas, da última vez em 2011, se tenha rendido aos conservadores orçamentais. É bastante importante para o país que isso tenha acontecido, mas foi o Partido Socialista que se aproximou daquilo que são os princípios e as ideias do PSD, e não o contrário. São muito bem-vindos e oxalá que continuem a privilegiar o equilíbrio das contas públicas e a redução da dívida pública, mas devem fazê-lo apostando em medidas para aumentar o crescimento da economia portuguesa e para melhorar os serviços públicos.
Esta prioridade das contas certas acaba por ter que deixar medidas para trás?
Aí é que radica o problema de Portugal e que nos últimos seis anos terá sido até agravado. Não há qualquer correlação entre a dimensão do Estado e a sua eficiência. O que é que isto quer dizer? Há Estados que são muito eficientes na proteção social, na prestação de serviços públicos, como a educação e a saúde e gastam 50% do PIB – como a Suécia, a Noruega e a Finlândia – e há Estados que são muito eficientes e gastam menos 40% do PIB, por exemplo, o Japão. Mais uma vez, a dimensão do Estado é uma discussão ideológica. Contas públicas equilibradas e a forma de organização do Estado não é uma discussão ideológica. É uma questão de pragmatismo. O que temos de fazer é que a reforma mais importante que temos de fazer é a reforma do Ministério das Finanças. É a reforma das finanças públicas, da gestão financeira do setor público porque podemos ter um nível de despesa que o país decida ter em função daquilo que são os programas eleitorais de cada partido, mas com contas públicas equilibradas e com serviços públicos eficientes. Não é por gastarmos mais que vamos ter melhores serviços públicos, como aliás, os últimos anos têm demonstrado. Até costumo dizer até com alguma graça que quando atirarmos dinheiro para cima de um problema uma das coisas desaparece, raramente é o problema, geralmente desaparece o dinheiro. Podemos ter serviços públicos eficientes sem que isso signifique gastar mais dinheiro e dou um exemplo simples, a Caixa Geral de Depósitos com o plano que foi desenhado por António Domingues e depois executado por Paulo Macedo que conseguiu reduzir os seus custos operacionais em cinco anos em torno de 15% e ninguém acha que a Caixa Geral de Depósitos está pior hoje do que estava há cinco anos, pelo contrário, está bastante mais robusta e provavelmente há cinco anos a Caixa Geral tinha níveis de eficiência superiores à maior parte dos serviços públicos. Isso mostra que há margem para melhorar e com isso gastar menos e prestar melhores serviços públicos.
Com o fim da gerigonça haverá menos pressão por parte dos partidos de esquerda em relação a essas exigências…
O Governo não tem neste momento desculpa nenhuma, quer do ponto de vista das condições do país, quer do ponto de vistas das condições de governabilidade de não colocar o país a crescer mais do que a média europeia e em linha com os países do leste de não equilibrar as contas públicas e de não reduzir a dívida pública. Há uma frase de Miguel Poiares Maduro que sintetiza estes últimos seis anos: ‘António Costa consegue vender como sucesso a mediocridade’, mas não há razão nenhuma para continuarmos com esta mediocridade dos últimos anos.
É de prever um aumento da contestação nas ruas?
Neste momento não sei qual é a capacidade reivindicativa da CGTP. Era muito forte nos anos da troika, não sei como evoluiu. Agora que as condições de vida da maioria dos portugueses se vão degradar e das famílias com menores rendimentos se vão degradar bastante isso vão. Se isso vai motivar mais contestação social na rua ou apenas um descontentamento que eventualmente depois terá reflexos eleitorais vamos ver.
Os aumentos das pensões serão atenuados com a subida da inflação?
As pensões têm um mecanismo automático que sobem, pelo menos, sempre à taxa da inflação. Não sei se haverá novos aumentos extraordinários, mas em princípio o Governo terá de aumentar pelo nível da inflação.
Por outro lado, mais uma vez, o Orçamento prevê que os impostos indiretos subam 6,2%…
A receita Mário Centeno/João Leão – e este não é um Orçamento de Fernando Medina – é sempre subestimar a receita fiscal e dentro da receita fiscal privilegiar bastante os impostos indiretos, pelo efeito anestesiante que tem nas pessoas. Mas como temos agora a inflação, o efeito será cada vez menos anestesiante.
Do lado das empresas. Há o fim do Pagamento Especial por Conta, 2.615 milhões de euros em apoios à recuperação de empresas e 1.150 milhões de euros na transição climática e digital…
O Governo faz sempre uma grande propaganda com o Pagamento Especial por Conta, talvez seja o último ano. O PEC já era facultativo, desde 2018, para todas as empresas que nos últimos dois anos tenham cumprido as suas obrigações fiscais, daí que a medida valha no Orçamento 10 milhões de euros, o que é absolutamente irrisório. Em todo o caso há uma questão mais profunda do ponto de vista do sistema fiscal que é cerca de 70% das empresas nacionais não têm lucros e, isso não tem a ver com 2020 ou 2021 e com a pandemia, é um dado relativamente estável, desde que há estatísticas de IRC há mais de 20 anos. A questão que se deve colocar é que estes 70% não podem ter prejuízos todos os anos todos e devemos pensar no que podemos fazer para colocar também estas empresas a contribuir do ponto de vista fiscal em função daquilo que é a sua atividade económica. Para isso, não vejo respostas do lado do Governo. E não estamos a falar de empresas zombie, que são aquelas que estão muito endividadas. Falamos de empresas que, do ponto de vista fiscal, conseguem apresentar sempre prejuízos. Não é crível que alguém mantenha uma empresa durante 10/15/20 anos se tiver sempre prejuízos económicos. Pode ter prejuízos fiscais, mas se a sua atividade der prejuízos durante muitos anos fecha. Isso é inevitável. É esta divergência entre aquilo que é a realidade económica e depois aquilo que é transposto para as declarações fiscais que tem de ser corrigido no sistema fiscal.
Mas continua a existir uma grande resistência por parte do Governo em reduzir o IRC…
O PS no seu programa eleitoral falava num mecanismo de IRC que tinha como objetivo contribuir para o aumento dos salários dos trabalhadores. Tive dois debates longos na televisão com o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que se mantém em funções, António Mendonça Mendes, que apesar de ser secretário de Estado dos Fiscais há mais de quatro anos, não foi capaz de me explicar que mecanismo era esse. E qualquer das hipóteses que posso antever apenas aumentam ainda mais a complexidade de um sistema fiscal que já é por si complexo e que tem custos de cumprimentos das obrigações fiscais bastante elevados. Sempre dissemos que a maneira mais simples de dar um contributo significativo para o crescimento económico, não é o único – nunca dissemos que a fiscalidade era silver bullet [solução milagrosa], muito menos a redução do IRC, mas é um contributo importante – é reduzir a taxa de IRC. No nosso programa tínhamos previsto uma redução de 21% para 17%.
O mesmo valor que estava previsto no acordo entre PS e PSD?
Na reforma fiscal de 2013.
Acha então que as empresas continuam a ser esquecidas?
O discurso do Partido Socialista, provavelmente desde sempre, mas pensando de 2015 para cá, é sempre um discurso de redistribuição. Ora, um país que não gere riqueza só pode distribuir o pouco que tem de duas formas: aumentando a carga fiscal e aumentando o endividamento. Em 1995 a carga fiscal era de 29% e agora está próxima dos 37%. Em 1995, o endividamento externo do país era zero, agora está acima dos 200 mil milhões de euros. Este modelo dos últimos 27, 28 anos, em que o Partido Socialista governou 20 e vai governar mais quatro, é um modelo que não criando riqueza gera maior desigualdade e para tentar mitigar um pouco essa desigualdade tem carga fiscal e endividamento.
Mas é uma estratégia que deu maioria absoluta ao Governo…
Seguramente também foi culpa de quem faz oposição e não foi capaz de firmar de forma perentória este aspeto e a maior parte dos portugueses ainda não se consciencializou que o maior problema do país é a falta de crescimento económico, o que leva a baixos salários, a atrasos e a divergências do ponto de vista da União Europeia, levando a maiores desigualdades. Compete-nos nos próximos quatro anos alterar esse estado de coisas e garantir que, em 2026, a economia e o insucesso de 30 anos – em 2026 serão 30 anos – quase interruptos de governação do Partido Socialista – porque quando não governaram, governaram indiretamente pelas péssimas condições financeiras e económicas em que deixaram o país, nomeadamente em 2011 mas também em 2002 – que, a maioria do eleitorado português perceba que este modelo foi um enorme insucesso, em que o país praticamente não progrediu do ponto de vista das condições económicas, apesar de algumas alterações significativas em outros campos. É preciso inverter esta situação para podermos dar esperança e para podermos voltar a ter o elevador social.
Continuamos a ter os mesmos problemas e que estão identificados, como a baixa produtividade e a fraca competitividade…
A baixa competitividade resulta de baixa produtividade, do baixo nível de investimento privado e público, assim como de uma internacionalização baixa. Estes problemas têm causas, a que chamo ‘estrangulamentos’: burocracia e custos de contexto, serviços públicos ineficientes, sistema fiscal complexo com elevados custos de cumprimento das obrigações fiscais, elevada carga fiscal em IRS e IRC, quadro laboral rígido e não preparado para as novas realidades, nomeadamente tecnológicas, um sistema de justiça moroso e complexo, falta de ligação entre ciência e investigação e empresas, falta de mão-de-obra qualificada em muitos setores e elevado endividamento público e privado. E depois a falta de concorrência em vários setores faz com que os custos para as empresas e famílias sejam elevados. E depois três problemas que são transversais às empresas portuguesas: baixa dimensão, baixa capitalização – muito endividadas – e baixo nível de internacionalização.
Qual a receita para resolver estes problemas?
É fazer um conjunto de reformas estruturais que ataquem cada um destes problemas. Para mim, o mais importante é a reforma das finanças públicas porque permite gerir o Estado de uma forma completamente diferente. O Estado é um universo com cinco mil entidades, com um milhão de trabalhadores e com um Orçamento de cerca de 100 mil milhões de euros. Este gigante é gerido com regras orçamentais, financeiras, de gestão de património e de gestão de recursos humanos que vêm dos anos 80, algumas dos anos 60 e do ponto de vista tecnológico parou nos anos 90. Estamos a gerir, em 2022, a maior entidade do país e uma entidade absolutamente gigantesca que influencia a vida de todas as pessoas com meios e mecanismos que têm 20, 30, 40, 50 anos.
O PRR acaba por não dar as respostas necessárias…
O Governo tem cerca de mil milhões para a digitalização do Estado, mas ninguém fala em redesenhar a sua organização, quer do ponto de vista funcional, quer do ponto de vista territorial. É preciso fazer a reengenharia de processos, olhar para tudo o que são círculos de burocracia, de informação e de processamento e redesenhá-los. Vamos gastar mil milhões a digitalizar burocracia, mas vamos digitalizar ineficácias. Mais uma vez, vamos deitar dinheiro no problema e o problema não vai desaparecer.
O que diz do imposto extraordinário para as empresas com lucros? O FMI deu essa hipótese, mas Costa Silva já tinha dado o dito por não dito…
Ouvi no debate sobre o Programa de Estabilidade alguém dizer que os partidos de centro de direita ou de direita, a única coisa que falam é sobre a redução de impostos. Acho que não, mas o inverso é verdade. Para os socialistas haja ou não um problema, a solução é sempre aumentar impostos. Ou seja, para qualquer problema, para qualquer questão que é colocada, a resposta dos socialistas é sempre mais impostos. Recordo que o IRC já tem algum nível de progressividade, além da taxa de 21%, quanto mais lucros uma empresa tem, mais é tributada não apenas proporcionalmente mas com um aumento de taxa. E como já referi um dos grandes problemas que as empresas portuguesas têm é a falta de dimensão. Se me perguntar se do ponto de vista teórico e conceptual há situações limite/fronteira, em que eventualmente durante um período muito curto de tempo se verifique um efeito de lucros extraordinários isso deveria ser tributado? Sim. O problema é que temos uma tendência em Portugal de transformar coisas temporárias em quase permanentes e a forma como os socialistas na sua voracidade fiscal tributam tudo o que mexe deixa-me mais preocupado do que a mera conceptualização teórica do que o FMI faz.
Já existem contribuições extraordinárias, nomeadamente na energia e banca…
Sim e durante a covid houve alguns setores, como aqueles que produziam máscaras, álcool gel, que nos primeiros meses tiveram um boom de vendas, mas depois entraram outros players e o mercado tende a ter mecanismos de correção. Se de facto identificarmos uma situação, em que há uma falha de mercado e resultante disso haja lucros extraordinários a determinadas empresas posso conceptualmente aceitar um imposto, mas olhando para aquilo que é a experiência portuguesa, a voracidade que os socialistas têm em cobrar impostos e face à necessidade que as nossas empresas têm de ganharem dimensão e capital então sou muito cético sobre a aplicação de impostos. E, mais uma vez, preocupa-me que sempre que há qualquer questão e haja o que houver, a resposta do PS é sempre igual: aumentar impostos.
O que deveria ter sido feito diferente neste Orçamento?
As reformas estruturais que referi, a redução da carga fiscal, a melhoria dos serviços públicos. Se olhar para o programa do PSD e para os vários programas que o Conselho Estratégico Nacional foi apresentando há uma alternativa, há um caminho diferente e acreditamos que esse caminho levaria a mais crescimento económico. Sem crescimento económico não pode haver aumento de salários, nem a melhoria das condições de vida da generalidade dos portugueses.
Defende a reforma do Ministério das finanças. O que acha da escolha de Fernando Medina?
Assim que foi revelada essa escolha referi duas coisas que me parecem evidentes. Não é um economista conceituado, ao contrário de Mário Centeno e de João Leão, com quem discordei muitas vezes, mas que são dois pares meus da academia que respeito. Aliás, Luís Aguiar-Conraria disse na televisão que não sabia se Fernando Medina tinha ou não as competências para ser ministro das Finanças mas se as tinha não as conhecia. Também estou um bocadinho assim. É o ministro das Finanças menos técnico e mais político que me recordo da democracia portuguesa, não me recordo de nenhum ministro das Finanças assim.
Contraria a tendência, mesmo a socialista?
Teixeira dos Santos, Sousa Franco, mesmo Pina Moura que era político mas tinha apesar de tudo uma competência técnica superior, Guilherme d´Oliveira Martins, Vítor Constâncio, Ernâni Lopes. Habituámo-nos a ver no ministro das Finanças um referencial de credibilidade, de técnica, de lastro académico e profissional relevante. Não vemos isso em Fernando Medina, lamento.
Por ter essa vertente política poderá ser mais permeável a pressões?
Sobretudo porque há aqui uma questão que para mim é essencial. Medina é um putativo candidato à sucessão na liderança do Partido Socialista. O ministro das Finanças deve ter sempre um forte ascendente sobre os outros ministros, mas para garantir a estabilidade macroeconómica e orçamental. Tem de ser capaz de dizer sim algumas vezes e não muitas vezes. O que me preocupa é que o ascendente que Fernando Medina possa vir a ganhar sobre os seus colegas não tenha como objetivo final a estabilidade macroeconómica, mas sim uma hipotética candidatura e aumentando as probabilidades de sucesso dessa candidatura à liderança do PS.
Foi também uma compensação por ter perdido a Câmara de Lisboa para Carlos Moedas?
Se Fernando Medina não tivesse perdido a Câmara de Lisboa acho que não estaria disponível para ser ministro das Finanças, mas se foi essa a razão e associada à ideia de liderança do PS então acho que é uma escolha pouco feliz. Mas talvez o primeiro-ministro conheça as grandes competências técnicas de Fernando Medina, que o país desconhece.
E em relação a António Costa Silva?
António Costa Silva é um gestor no setor dos petróleos com provas dadas, é um académico e é uma pessoa com uma bagagem intelectual e cultural muito profunda. Gostei muito de ler o plano que desenhou, gostei muito de ler o livro que escreveu, agora acho que cometeu três erros. O primeiro é que nunca devia ter feito aquele plano, não é aceitável que uma pessoa sozinha num espaço de poucas semanas desenhe um plano para o país. Ninguém fez isso, Macron não fez isso, chamou dois prémios Nobel que reuniram uma equipa multidisciplinar. Nós no Conselho Estratégico nacional tivemos mais de 200 pessoas de diferentes áreas e aí Costa Silva fez um mau serviço ao país. E depois aceita ser ministro da Economia, mas não tem a pasta da energia, que é a sua grande área de especialidade e não tem o PRR que supostamente vem do plano dele, apesar de sabermos que entre o plano dele e o PRR vai uma grande distância. Adicionalmente, também tenho dúvidas que seja uma pessoa suficientemente pragmática e prática para aquilo que são os desafios da economia e das empresas portuguesas. Acho que é alguém que, do ponto de vista teórico, tem de facto uma bagagem enorme. No programa do Governo falou durante talvez 15 minutos sem papel, com um pensamento bastante alinhado. Acho que não devia ter feito o plano sozinho, acho que não devia ter aceite ser ministro da Economia sem energia e sem PRR e temo que possa não ter o pragmatismo e a vertente prática que um lugar de ministro da Economia exige.