“Quem acredita que com um Presidente da República como Marcelo Rebelo de Sousa uma maioria do PS poderia passar a linha?”. As palavras foram de António Costa após a conquista da maioria absoluta na noite eleitoral de 30 de janeiro. Já esta semana, nas reuniões com os partidos, o Presidente da República terá deixado transparecer alguma frustração por não ter mais espaço para “apertar” com o primeiro-ministro.
Mas a propósito do caso dos ucranianos recebidos por russos em Setúbal, questionado, esta quarta-feira, sobre se o Parlamento deve ouvir António Costa, Marcelo não se quis imiscuir em competências da Assembleia da República.
Facto é que a comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais rejeitou ontem o requerimento da Iniciativa Liberal para ouvir o primeiro-ministro em comissão sobre o alegado envolvimento de associações com ligações ao Kremlin no acolhimento de refugiados ucranianos. O pedido da IL foi chumbado com os votos contra do PS e PSD e abstenções do Chega, BE e PCP.
Segundo um parecer (datado de fevereiro de 2012), o primeiro-ministro responde por regra no plenário e não nas comissões, argumento que foi utilizado pelos partidos que votaram contra este requerimento.
Em reação ao chumbo na comissão, o líder parlamentar da IL, Rodrigo Saraiva, considerou que o sentido de voto dos socialistas “reforça a ideia de que o PS não quer mesmo que haja escrutínio político”.
Sobre o parecer de 2012, o deputado lembrou que esse documento “não se adequa” como justificação porque naquele ano havia debates quinzenais com o primeiro-ministro. Agora os debates acontecem apenas de dois em dois meses.
Também o Chega entregou na Assembleia da República uma proposta para abrir um inquérito parlamentar sobre este caso com os refugiados em Setúbal. Solução que o PS para já rejeita.
Confrontado com a intenção do Chega, o líder parlamentar do PS afastou um eventual inquérito parlamentar, lembrando que estão em curso investigações e a obtenção de esclarecimentos nas audições parlamentares. “O escrutínio político na Assembleia da República é exigente, mas deve respeitar as instituições”, advertiu.
Não obstante o voto contra do PSD a uma audição do primeiro-ministro, Rui Rio fez um desafio a Costa na terça-feira, aludindo ao papel das secretas no acompanhamento da situação. “Neste momento, o mais relevante é que venha a público – tanto faz que seja no Parlamento, em São Bento, onde entender – dizer se sabia ou não sabia e, se sabia, por que não agiu.”
O chefe do Executivo afirmou que já teve oportunidade de conversar com Rio, mas que repetiria o que já repetiu “várias vezes”.
“As atividades dos serviços de informações são por natureza atividades classificadas como secretas e, portanto, quem tem acesso à informação do que fazem ou não fazem os serviços secretos está obrigado a esse dever de segredo. A violação desse segredo constitui mesmo um crime”, frisou Costa, apelando ainda a que os políticos deixem as “instituições atuar”, e não se precipitem “em conclusões”.
“Pelos vistos, o Dr. Rui Rio já sabe mais do que a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD), que ainda não concluiu o inquérito, e também já sabe mais do que a Inspeção-Geral de Finanças, que também ainda não concluiu o inquérito. Pela minha parte, como não sei mais, aguardo simplesmente [pelos relatórios]”, atirou, salientando que “o Governo tem uma tutela de mera legalidade”, podendo apenas “fiscalizar se um determinado município atuou dentro da lei ou atuou fora da lei”.