As declarações de Marcelo Rebelo de Sousa, na passada quarta-feira, a meio da sua viagem para Timor a fim de participar nas comemorações dos 20 anos da independência, vieram minar os cuidados que rodeavam a deslocação à Ucrânia de António Costa.
Por razões de segurança, as visitas à Ucrânia têm sido mantidas em segredo. E o primeiro-ministro sempre omitiu a data em que iria a Kiev. Saíra de Portugal no Falcon da Força Aérea, com elementos da Corpo de Segurança Pessoal da PSP, todos munidos de capacetes militares e coletes à prova de bala, e foi apanhado de surpresa pela revelação do Presidente da República. Não deixa de ser uma «coincidência feliz», disse Marcelo, que, «na altura em que o primeiro-ministro português vai à Roménia, à Polónia e à Ucrânia em plena guerra, sempre com uma visão da paz», o Presidente vá às comemorações da independência de Timor.
Com esta inconfidência, o Presidente ficava no centro das notícias, mas colocava a viagem do primeiro-ministro em risco.
Travessia da fronteira é perigosa
A travessia, feita de carro esta madrugada, da fronteira da Polónia para a Ucrânia já implica riscos suficientes. Segundo uma fonte militar, «as declarações do PR, na sequência da visita do primeiro-ministro à Roménia e à Polónia, a indiciar a data da sua chegada a Kiev – cujo conhecimento, por questões de segurança, era ‘classificado’ – podem colocar em perigo a viagem e até deveriam de levar ao seu cancelamento recalendarizando-a para outra altura».
E a mesma fonte adiantou que o Presidente da República revelou «falta de sentido de Estado».
António Costa queria ir com os blindados
Entretanto, o Exército português não conseguiu corresponder às pressões de António Costa para que o material pesado de combate que Portugal vai fornecer à Ucrânia chegue ao destino a tempo da sua visita a Kiev este sábado – revelou ao Nascer do Sol uma fonte do Ministério da Defesa.
O primeiro-ministro teria com efeito comunicado aos militares o seu desejo de que os 15 blindados com lagartas M113, para transporte de pessoal, que o executivo português vai doar às forças armadas ucranianas no âmbito da ajuda dos países da NATO (como revelámos nas duas últimas edições), assim como um conjunto de obuses de artilharia e metralhadoras pesadas Browning, precedessem a sua viagem (o que daria a esta outro significado político).
Contudo, o Exército comunicou que precisa do mínimo de um mês para preparar os veículos (a necessitarem de revisão, pelo menos na parte mecânica, e de uma possível substituição de baterias, dado estarem há muito imobilizados no campo militar de Santa Margarida) e os colocar na Polónia. Aí cruzarão a fronteira com a Ucrânia, numa viagem terrestre (por camião TIR ou por comboio) que atravessará toda a Europa e demorará à volta de uma semana.
A ida do equipamento por avião não é aconselhável, por questões de segurança e por depender da autorização de sobrevoo de alguns países que poderão levantar obstáculos. Em princípio, o transporte do armamento fornecido por Portugal deverá receber o auxílio de militares britânicos ou norte-americanos.
Pentágono vinha a insistir
Recorde-se que o Pentágono (Departamento de Defesa dos EUA) já há algum tempo vinha a insistir com o Governo português para que enviasse para a Ucrânia estes blindados que tinham sido adquiridos pelo Exército português em segunda mão aos EUA, a preços reduzidos, aquando da diminuição do efetivo militar norte-americano estacionado na Europa na década de 1990, no âmbito do desanuviamento que se seguiu ao fim da Guerra Fria, com a queda do Muro de Berlim (1989) e a implosão da União Soviética (1991).
Sendo mais vantajoso para o Pentágono deixar na Europa esses veículos, então já em vias de obsolescência tecnológica, em vez de os transportar de volta para os EUA, cedeu-os a Portugal por valores pouco mais que simbólicos. Assim, ficámos com 104 M113A2 provenientes dos Países Baixos e 50 M113A1 que se encontravam na Alemanha (não os podendo revender sem autorização prévia dos norte-americanos). Mas o Governo português foi protelando a decisão.
Embaixada portuguesa já reabriu
Apesar deste pequeno revés, quando chegar à capital ucraniana Costa terá já a satisfação de encontrar reaberta a embaixada portuguesa, encerrada há quase três meses, na sequência da invasão russa. Para garantir o apoio à embaixada, nesta fase em que continuam os combates em território ucraniano, o Governo português nomeou um oficial do Centro de Informações e Segurança Militar do Exército, especialista na área da chamada inteligência e da contra-informação. Este elemento terá a vantagem de estabelecer relações com os outros serviços de informações de países parceiros da NATO que já se encontram no local, podendo ter acesso a alguma informação privilegiada.
Por outro lado, a segurança do embaixador estará a cargo de seis elementos dos GOE (Grupo de Operações Especiais, da PSP), que partiram dias antes para se inteirarem das questões no terreno.
Os GOE levaram camas articuladas de campanha, para dormirem na embaixada em caso de necessidade, e 80 caixas de rações de combate para distribuir por todo o pessoal da representação portuguesa, o que dará para assegurar a sua sobrevivência, em caso de cerco ou confinamento, durante cerca de um mês.