A difícil missão do novo líder do PSD

Começou a transição da pasta. Luís Montenegro terá a tarefa de reorganizar um PSD com um reduzido espaço político, a perder força no PPE e com ‘feridas’ eleitorais em concelhos vitais, como Oeiras. Hugo Soares será secretário-geral.

Luís Montenegro chegou finalmente onde há muito queria estar. Com uma vitória esmagadora, arrumou Jorge Moreira da Silva (pelo menos para já), e sentou-se à cabeceira dos sociais-democratas. Mas o desafio que encontra pela frente é gigantesco.

Com o espaço político reduzido como nunca, e encurralado entre um PS maioritário e uma direita em crescimento, o líder eleito senta-se numa cadeira a arder e terá de dar nova vida a um PSD em clara perda. Entre unir e relançar o partido, ganhar as europeias e coabitar com um grupo parlamentar que é legado de Rui Rio, Montenegro terá de resolver a situação interna se quiser sobreviver até às legislativas de 2026. 

Entretanto, prepara-se uma transição de pasta «à moda dos homens bons», como tinha prometido Montenegro no discurso da vitória.  Apesar de só assumir plenas funções no congresso a 3 de julho, foi recebido esta quinta-feira por Rui Rio na sede nacional da São Caetano à Lapa para debater  «todo o processo de transição da liderança, tanto do ponto de vista logístico como político». 

Também na noite eleitoral, Montenegro não se descoseu sobre a continuidade de Paulo Mota Pinto à frente da bancada parlamentar, anunciando apenas uma reunião de trabalho para saber se há ou não condições para manter a direção do grupo parlamentar. 

Após uma reunião da direção da bancada parlamentar do PSD, na quinta-feira de manhã,  alguns vice-presidentes mostraram disponibilidade em pôr o lugar à disposição. Para já, não há manifestações expressas de vontades de avançar com pedidos de demissão, mas sim um entendimento geral de que os lugares da direção da bancada, eleita no início de abril para um mandato de dois anos, estão nas mãos do novo presidente social-democrata. Mota Pinto não se terá expressado sobre o assunto nessa reunião, mas publicamente durante um almoço do International Club esmerou-se nos elogios a Montenegro e mostrou disponibilidade em articular trabalho: «Pode trazer uma dinâmica de combate político, que espero favoreça e farei todo o possível para que possa favorecer o PSD».

Para já, a questão não se coloca. Quaisquer alterações nos órgãos nacionais só acontecerão depois do congresso. Mas certo é que, se a articulação com os deputados falhar, poderão abrir-se as primeiras brechas no mandato de Montenegro, pois os deputados, escolhidos a dedo pelo núcleo duro de Rui Rio, dificilmente vão aceitar de ânimo leve uma nova liderança da bancada parlamentar. Para se afirmar como um verdadeiro líder da oposição, Montenegro terá de manter uma certa sintonia no Parlamento. Tarefa que lhe será mais difícil por estar de fora, apesar de o novo líder do PSD ter já revelado, em declarações ao Nascer do SOL (v. edição da semana passada), que será presença constante na Assembleia da República, com gabinete parlamentar.

Acresce ainda que terá de dividir o tabuleiro mediático com Rio que quererá manter-se em funções como deputado pelo menos até à discussão do próximo Orçamento do Estado para 2023.

Hugo Soares sucede a José Silvano

Depois de ter conseguido reunir tantos apoios, entre líderes distritais e regionais, Montenegro não terá espaço para todos quando for escolher a equipa que o vai acompanhar durante os próximos dois anos. E essas escolhas podem ser o rastilho para uma eventual contestação interna, mesmo que haja nomes obviamente inquestionáveis. Joaquim Miranda Sarmento e Carlos Coelho, que o acompanharam na campanha para as diretas, deverão ser recompensados com vice-presidências ou cargos de idêntico relevo e, ao que o Nascer do SOL apurou, Montenegro deverá também chamar Hugo Soares,  um dos apoiantes mais próximos, para suceder a José Silvano e assumir funções como secretário-geral do partido.

Arrumada a situação interna, Montenegro precisará de começar a inverter a perceção pública criada em torno do PSD. A estratégia errática de Rui Rio revelou-se desastrosa nas urnas. Depois de tanto tentar colocar o PSD ao centro,  acabou por tornar impossível que alguém seguisse convincentemente a sua mensagem política.

Ainda esta semana, Cavaco Silva apareceu, em entrevista à CNN Portugal, para deixar duras críticas à gestão de Rio: «Quase que pareceu um partido regional. Penso que muitos eleitores viram ao longo do tempo um PSD que era suporte do PS. Quando às vezes era mesmo humilhado em debates na Assembleia da República pelo PS.»

O antigo Presidente da República, que continua a ter o recorde de mais tempo como líder dos sociais-democratas, comentou ainda o atraso na definição da vida interna do partido.

«O que foi muito negativo para o PSD nos últimos tempos foi o arrastar desta situação na escolha do novo líder. Cinco meses sem líder. O novo líder só estará em plena atividade de funções passado cinco meses. É um absurdo total», atirou.

Já sobre Montenegro, Cavaco Silva mostrou-se convencido que o novo presidente do PSD «saberá como fazer oposição».

Para isso, será instrumental  oferecer uma alternativa clara e inequívoca ao país. «Não vamos ser apenas a voz da oposição. Vamos ser a voz da esperança e do futuro. Vamos colocar Portugal na linha da frente da Europa», prometeu Montenegro na noite eleitoral. Resta saber se depois conguirá concretizar essas pretensões e contrariar a herança de Rio.

PSD perde histórica vice-presidência no PPE

No horizonte mais imediato, Montenegro terá de lidar com as europeias em 2024. Um resultado aquém das expectativas que o próprio traçou pode precipitar o fim do seu mandato. E o risco de dispersão de votos, bem como a elevada taxa de abstenção tradicional nestas eleições, tornam o objetivo de ganhar ainda mais exigente. 

O resultado nas diretas deram-lhe um fôlego extra e, na noite eleitoral, Montenegro puxou dessa carta para não dar respostas sobre as consequências que retirará de um eventual mau resultado nas europeias.

Além disso, o próprio PSD segue numa luta por manter a sua força dentro do Partido Popular Europeu (PPE), família europeia da qual também faz parte o CDS. Paulo Rangel era desde o congresso de Madrid, em 2015, vice-presidente do PPE. Agora, ao fim de sete anos, deixa essas funções, para assumir as finanças do partido, tendo sido eleito tesoureiro  no Congresso do PPE em Roterdão, na quarta-feira. O português tinha a oposição do checo Tomás Zdechovský, mas foi eleito com 61% (314 votos) dos delegados presentes.

Apesar de Rangel se manter como vice-presidente do grupo parlamentar, com o pelouro do ‘Futuro da Europa – conferência e convenção’, perde uma das dez vice-presidências do PPE. O eurodeputado é atualmente a figura mais influente entre sociais-democratas no PPE, mas este é mais um sinal inequívoco do desvanecimento do PSD.

De resto, tal como Montenegro com o PSD em Portugal, no plano europeu a história repete-se. Ainda que continue a ser a maior família política da Europa, o PPE não tem a liderança de nenhum país grande e tem perdido terreno no Conselho Europeu. Neste cenário, o grande desafio do novo presidente do partido, Manfred Weber, será também tentar revitalizar o PPE, já com as europeias de 2024 na mira.

«Sejamos francos, não estamos no melhor momento da nossa história. Como podemos conquistar o voto dos jovens? Como podemos diferenciar-nos entre os populistas de direita e o centro liberal? É um desafio e a luta deve começar aqui, hoje, em Roterdão», declarou o novo presidente do PPE, após ser eleito, comprometendo-se a reconquistar a confiança dos eleitores, enquanto tenta reanimar o grupo europeu após várias derrotas eleitorais.

Ora, neste cenário, é ainda mais penalizador que o PSD tenha perdido uma das vice-presidentes que historicamente sempre garantira.
 
Processos de expulsão em tempo de toque a reunir?  

Montenegro assume as rédeas com o desígnio de reconstruir o PSD, mas o partido está longe de estar unido e o novo líder terá de segurar as pontas soltas também em torno de uma outra ‘novela’ interna. É que 46 militantes do partido ‘laranja’, entre eles Francisco Rocha Gonçalves, vice-presidente da Câmara Municipal de Oeiras, arriscam ser expulsos.
Uma ‘expulsão’ coletiva que estará ligada ao apoio que estes militantes deram a Isaltino Morais nas últimas eleições autárquicas, quando o autarca de Oeiras concorreu como independente, contra (entre outros candidatos) Alexandre Poço, candidato pelo PSD.

Rocha Gonçalves considerou ser um episódio «lamentável», declarando, numa carta dirigida a José Miguel Clara, relator do processo: «Apenas por pudor evito adjetivar este exercício de contraditório. […] Nem deveria existir, caso quem de direito se tivesse comportado à altura das circunstâncias».

O vice-presidente da autarquia de Oeiras menciona «diversos encontros preparatórios», onde esteve reunido com o secretário-geral do PSD, José Silvano, o secretário-geral adjunto, João Montenegro, e o vice-presidente do partido, Salvador Malheiro, em Oeiras, bem como na sede nacional do partido, em Lisboa, pelo que «a situação não podia ser estranha» nem a Rui Rio nem a Isaltino Morais, até porque «ambos tinham jantado num restaurante em Paço de Arcos, ainda em 2019, num encontro marcado pelo vice-presidente David Justino».

Aliás, a 6 de abril, numa reunião em que estiveram presentes os líderes do partido, Rocha Gonçalves diz que o apoio do PSD à candidatura foi assegurado, só não sendo deliberado porque no dia seguinte «iria ser aprovada a candidatura da dra. Suzana Garcia à Amadora», receando-se o ruído mediático. Vivia-se, garante o vice-presidente, «uma total sintonia entre órgãos concelhios, distritais e nacionais do partido». «Há aliás, trocas de mensagens por telemóvel entre o Secretário-geral e o presidente da CP Distrital, das quais certamente o Secretário-geral se recordará, pois não podemos admitir que o PSD tenha um Secretário-geral sem palavra», garante Francisco Rocha Gonçalves, referindo-se a José Silvano. 

David Justino, o homem que terá marcado o jantar de 2019, entrou no PSD pela mão de Isaltino Morais, depois de ter sido rejeitado por duas vezes nas estruturas locais do partido, acabando por ser imposto pelo atual autarca de Oeiras através da distrital de Lisboa.

A situação ganha novos contornos quando Rocha Gonçalves lembra, na carta, que o processo terá contado com uma garantia de Rui Rio de que não haveria qualquer consequência. A quase meia centena de militantes que agora enfrentam a cessação da sua militância, «não conhecendo todos os detalhes, confiaram no processo e na palavra dos dirigentes do partido», revela Rocha Gonçalves, acrescentando que «estes esclarecimentos aproveitam certamente aos demais processos de cessação de inscrição em curso para os militantes de Oeiras».

Ora, este processo de expulsão coincide precisamente com a cessação de funções da direção de Rui Rio, da qual faz parte precisamente David Justino, cuja ambição de concorrer à Câmara de Oeiras é conhecida dos bastidores laranja. Sendo certo que em várias afirmações públicas, Isaltino Morais já apontou como seu ‘sucessor natural’ o seu atual vice-presidente, Francisco Rocha Gonçalves.