Meio ano depois de o PCP ter visto o número de deputados na Assembleia da República reduzido a metade, a sua bancada esteve reunida, na segunda-feira, para as primeiras jornadas parlamentares desde que a esquerda fez cair o Governo. Nesse entretanto, rebentou uma guerra na Europa, disparou a inflação e Jerónimo de Sousa está mais convicto do que nunca que o partido tinha razão no chumbo à proposta de Orçamento do Estado que levou o país para eleições antecipadas.
No discurso de abertura destas jornadas com mote triplo – “travar o aumento de preços, valorizar salários e pensões, promover a produção nacional” –, em Palmela, o secretário-geral do PCP elencou, ponto por ponto, os “muitos e muito abrangentes problemas nacionais” para apontar culpas ao Governo. Recorrendo à atual crise no Serviço Nacional de Saúde (SNS), acusou o PS de “intransigência” e de falta de respostas para as dificuldades no setor da saúde.
“Os resultados estão bem à vista. Sim, hoje todos podem ver quanta razão tinha o PCP para votar contra um Orçamento que insistia em fugir a dar resposta ao premente problema de garantir o direito à saúde dos portugueses, reforçando o SNS”, apontou o líder comunista.
Recordando as propostas do PCP nesta matéria que têm sido rejeitadas pelos socialistas, como por exemplo dar prioridade “à formação, contratação e valorização de profissionais de saúde, das suas carreiras e condições de trabalho, do incentivo à sua fixação em zonas e especialidades mais carenciadas”, Jerónimo de Sousa deixou ainda recados aos liberais.
“Os grupos económicos do negócio da doença retiram profissionais ao SNS e retiram-lhe mesmo a capacidade de resposta”, salientou, acrescentando que esses mesmos grupos pretendem que haja uma saúde “a duas velocidades”: de um lado uma “imensa maioria da população um SNS desqualificado, com pouco investimento e responsável por tratar aquilo que não dá lucro” e, do outro, uma “minoria de ricos com os melhores e mais avançados cuidados de saúde que o dinheiro pode pagar”.
“Não faltam por esse mundo fora exemplos de sociedades ditas liberais onde essa é a infeliz realidade que os povos enfrentam e por isso também não faltam em Portugal liberais e outros que tais a defender o mesmo destino para o povo português”, atacou, vincando, contudo, que a Constituição portuguesa “não enquadra a saúde como um negócio nem o SNS como solução de recurso”.
Na mesma lógica, acusou a maioria absoluta socialista de alinhar na “demagogia liberal” para não responder ao problema dos preços dos combustíveis. “Para não enfrentar as petrolíferas e não pôr em causa o famigerado mercado que lhes garante lucros colossais, o Governo recusa-se a tomar medidas de controlo e fixação de preços, permitindo a continuação de uma espiral de aumentos que dura há anos”, denunciou.
Em matéria de produção nacional, designadamente agro-alimentar, “a situação não é menos preocupante”, afirmou Jerónimo, desta vez por causa da falta de medidas de combate à inflação. Para os comunistas, o Governo tem “fechado os olhos” ao problema da dependência portuguesa da produção externa, e que, perante uma “espiral de aumentos”, agora “ampliada pelas sanções a pretexto da guerra”, tem recusado “medidas de controlo e fixação de preços, em especial de bens e serviços essenciais, permitindo aos grupos económicos e multinacionais a acumulação de lucros de milhões, ao mesmo tempo que impõe a perda de poder de compra” aos portugueses ao não aceitar aumentos salariais e de pensões pelo menos ao nível da inflação prevista para este ano.
“Esta política do PS não tem futuro e coloca Portugal numa situação de ainda maior vulnerabilidade face a previsíveis desenvolvimentos negativos da situação económica internacional”, considerou o líder comunista.
Sobre os problemas no acesso aos serviços públicos, insistiu que “são muitos e evidentes os exemplos de desinvestimento, subfinanciamento crónico e desvalorização dos serviços públicos”. Tudo “opções da política de direita” com que “o PS não quer romper e que transformam em mero exercício de retórica as juras de amor às funções sociais do Estado com que enche os seus discursos”.
Por outras palavras, tal como resumiria de forma ainda mais dura, “de uma penada, o Governo impõe a degradação generalizada das condições de vida, agrava brutalmente as injustiças e desigualdades sociais e sacrifica a economia nacional, tudo em beneficio dos grupos económicos e das multinacionais”.