O que espera do congresso do PSD?
Já muitos falaram na necessidade de refundação do partido. O PSD tem agora uma grande oportunidade de fazer uma reestruturação forte e, de algum modo, criar um futuro que não se via há largo tempo a esta parte – não se percebia qual seria o futuro do PSD. Agora isso passa pela nova liderança e de ter a capacidade de ter um envolvimento maior com o partido e com os militantes do partido, que ficaram abandonados ao longo de todo este tempo, mas também passa por introduzir na política portuguesa novas propostas, novos discursos e novas intenções e, como se costuma dizer agora, novos propósitos. Luís Montenegro tem uma oportunidade grande para o fazer, não conheço qual a equipa que irá escolher, mas acredito que tem todas as condições para poder cumprir estes mesmos objetivos.
É a pessoa certa para conduzir o partido nesta fase quando se fala que é preciso unir e pacificar?
Luís Montenegro tem essas características e tem neste momento essa condição. Foi eleito por 3/4 do partido. Não há memória dos últimos tempos de uma percentagem tão grande ter eleito o líder do partido.
Chegou a ser apontado como vice-presidente do PSD…
Já fiz saber ao líder do partido que o apoio totalmente, que estou disponível para colaborar sempre que assim o entender, nomeadamente em alguns matérias que abordámos, mas para funções executivas do partido não posso assumir, neste momento, essas responsabilidades.
Por causa da câmara?
Por um conjunto de fatores. Em primeiro lugar, o de saúde, o segundo porque preciso, quando me libertar da Câmara Municipal de Cascais, de voltar à minha atividade profissional, até por razões económicas, e isso não me leva a poder assumir, neste momento, essas responsabilidades executivas.
Esteve reunido com Montenegro. Que assuntos foram abordados?
Estive, mas não vou divulgar o que falámos.
Já esteve reunido com Montenegro, mas nunca esteve reunido com Rui Rio..
Não o conheço pessoalmente.
Mas isso não faz sentido, nem que seja por ser autarca de Cascais…
Nunca fui convocado para tal. Mas aí são os tais erros que considero que devem ser corrigidos e que estou certo que Luís Montenegro irá corrigi-los que é aproveitar ativos que o partido ainda tem. Tem excelentes autarcas, excelentes governantes no Governo Regional dos Açores e no Governo Regional da Madeira que não só têm uma experiência consolidada, como têm conhecimentos no terreno dos vários problemas e das várias soluções para esses mesmos problemas. Não ficaria surpreendido se Luís Montenegro apresentasse uma equipa em que o peso de autarcas experientes e de governantes regionais também experientes, fosse a futura equipa do PSD para os próximos dois anos. Mas tenho a sensação, embora de forma inesperada, que está a existir uma grande descoordenação do próprio Governo, e o PSD_pode ganhar com isso.
Como assim?
Em relação ao clima interno no Partido Socialista, os quatro putativos sucessores do secretário-geral do Partido Socialista no Governo estão a criar conflitualidade e, portanto, isso leva a que possa haver condições – pessoalmente não desejo, porque acho que os Governos devem cumprir os seus mandatos – para que mais cedo do que mais tarde Luís Montenegro seja o próximo primeiro-ministro.
Mas ainda falta muito tempo para o próximo ato eleitoral…
Da forma como estamos a ver como o Governo tem vindo a funcionar e, posso elencar um conjunto de dossiês, diria que pior gestão é quase impossível.
Um deles é o caso do aeroporto?
Também, mas acho que é uma questão intencional. Primeiro fui surpreendido pela decisão em si, nunca se tinha falado nesta decisão e é uma decisão que, do ponto de vista económico, não assenta nos acordos que estão estabelecidos, nomeadamente com a ANA. Está garantido o investimento por parte da empresa privada num aeroporto, não está previsto o investimento privado em dois aeroportos. E uma coisa é fazer o investimento, no Montijo, por exemplo, que tem valores completamente diferentes do investimento que terá de ser feito em Alcochete. Já não fiquei tão surpreendido com as reações de quinta-feira, acho que foram intencionais porque interpreto que Pedro Nuno Santos tem as suas ambições e isso é conhecido e é público de que quer vir a ser o novo secretário-geral do partido. Pedro Nuno Santos conhece melhor do que nós o ambiente que está gerado dentro do próprio Governo e não é só com esta questão e pode ter a interpretação de que o círculo político pode-lhe não ser favorável porque, se neste momento já há todo este desgaste do Governo, mais quatro anos o desgaste seria enorme.
Costa acenou com um entendimento com o PSD e Marcelo também, no que diz respeito à solução para o aeroporto. Os dois mostraram-se surpreendidos por isso não ter acontecido inicialmente…
Ainda agora tivemos o privilégio de ter o secretário-geral das Nações Unidas em Cascais, a propósito da conferência dos Oceanos, numa ação com jovens, em que o próprio secretário-geral teve a humildade de pedir desculpa aos jovens por a geração dele não ter salvaguardado os oceanos como entende que devem ser salvaguardados. Mas quando o estava a ouvir não pude deixar de me lembrar do secretário-geral do Partido Socialista há uns anos, em que se demitiu de primeiro-ministro porque considerou que o país estava num pântano. Ora se estava, na altura, num pântano, como é que não estaremos agora? A situação é muito mais trapalhona do que era nessa altura. Acho que tudo isso são consequências do ambiente geral que se passa dentro do próprio Governo. É muito diferente gerir uma vereação do que gerir um Governo. É muito diferente liderar vereadores do que liderar um Governo. Eu próprio numa entrevista ao SOL tive a oportunidade de dizer que, sem qualquer falsa humildade, considero-me, ou pelo menos, faço tudo para isso para ser um bom presidente de câmara, mas considero que não tenho condições, nem competência para ser um bom primeiro-ministro, são coisas completamente diferentes.
Marcelo apoiou nos últimos anos a governação socialista. Acha que agora vai intervir mais ou vai estar mais vigilante?
Estava com grande expectativa para ver como reagia em torno de toda esta situação anormal que se acabou de passar entre o ministro das Infraestruturas e o primeiro-ministro. António Costa passa a ter uma ter alternativa à sua direita, Luís Montenegro, e uma alternativa à esquerda, Pedro Nuno Santos.
E com um clima menos favorável: menor crescimento económico e uma taxa de inflação elevada…
Ainda para mais com todo esse contexto. Mas também fará uma análise que muito dificilmente o PS voltará a ter uma maioria absoluta daqui a quatro anos e hipoteticamente perderá as eleições daqui a quatro anos. E mesmo ganhando não deverá ter maioria absoluta, Pedro Nuno Santos é o homem que levou António Costa a primeiro-ministro. Foi o homem da gerigonça, como ficou conhecido. Estar a desgastar-se mais quatro anos para ter uma forte probabilidade de perder as eleições ou não perdendo ser o único que pode garantir a tal gerigonça de má memória, a meu ver, isso poderá levá-lo a fazer o corte, sendo ele um homem muito pragmático. Ou seja, poderá ter criado um fator para levar o primeiro-ministro a demiti-lo, a desvinculá-lo não só do Governo mas também de um dossiê que teve origem nele e que tem demonstrado que tem sido muito mal gerido pelo próprio Governo e que tem a ver com a questão de nacionalização da TAP com todas as consequências que estão aí. Acho que tudo foi feita de forma intencional. Tudo isso leva a que o PSD possa ser chamado ao Governo, tendo como primeiro-ministro Luís Montenegro, muito mais cedo do que seria previsto. Mas também cria uma pressão maior dentro do PSD para que tenha aprendido com os erros do passado, especialmente do passado recente, o que leva a que não só tenha de envolver mais os militantes do partido, como tenha de voltar a chamar ao partido muitos daqueles que o abandonaram nos últimos tempos, inclusivamente alguns criaram partidos que são concorrentes do PSD. O partido tem de ser mais atrativo para novos quadros poderem aderir e também para poderem dar o seu contributo ao país. São tudo fatores que, neste momento, vejo como sendo positivos para o PSD, mas que ao mesmo tempo, aumentam o nível de responsabilidade que o partido tem que assumir. E ao nível da responsabilidade é óbvio que o líder tem de dar os seus sinais, mas vai depender muito também dos próprios militantes e dos dirigentes.
Historicamente temos visto um partido marcado sempre por conflitos internos…
Penso que esse é um dos erros que o PSD, mas espero que com a pancada que levou – estamos a falar de um dos piores resultados da história do partido e o pior dos últimos 30 anos – tenha sido tão forte que tenha aberto os olhos a todos.
Daí já ter dito que o PSD estava cada vez mais irrelevante…
Mas todos estes desenvolvimentos levam a que o PSD tenha que assumir a responsabilidade e isso também passa por introduzir novos temas na agenda política, ou seja, o PSD tem de dizer o que pensa e o que propõe no combate às alterações climáticas e da mitigação dos efeitos dessas mesmas alterações. Por que é que o PSD – agora que estamos com a Cimeira dos Oceanos – não diz se considera que o mar é um ativo estratégico para o país. De que forma se pensa uma reorganização do Estado que passa pela componente da descentralização, que é um dos dossiês que está a funcionar mal com o atual Governo. Como é que o PSD pretende responder à crise forte no setor do Serviço Nacional de Saúde? Lembro que já passou a tal segunda-feira que o primeiro-ministro anunciou que estaria tudo resolvido e já sabemos que não ficou. O que é que o PSD pensa sobre aquilo que é necessário fazer ao nível do ensino, nomeadamente na salvaguarda da escola pública? Ou seja, há todo um conjunto de dossiês que nunca foi discutido dentro do PSD, que para mim é um programa político consensual e tem a ver com os objetivos de desenvolvimento sustentável proposto pelas Nações Unidas ou mesmo ao ponto de redefinirmos os próprios conceitos da democracia e a começar pela democracia interna, introduzindo aquilo que é denominado como democracia participativa e democracia colaborativa. Não podemos ficar apenas e só reféns daquilo que é passado. E isso passa por métodos e ferramentas que se podem encontrar na tal democracia participativa, democracia colaborativa, o que levará também a ajudar para que se cumpram um conjunto de outros pressupostos de que falei.
Até agora Montenegro pouco ou nada tem falado sobre estes dossiês…
Luís Montenegro não tem falado porque ainda não é presidente do partido, ainda não tem essas responsabilidades, fruto de um processo que todos concordarão que levou a que o PSD ainda estivesse mais afastado da cena política nacional nos últimos seis meses. Espero que este sábado e domingo se assista a esse renovar de esperança.
Rui Rio sai tarde?
Penso que isso hoje em dia já não é sequer uma opinião, é uma evidência. Nenhum partido com uma situação pandémica, com uma guerra mundial já a ocorrer e com tudo aquilo que se passa no âmbito do plano interno do país estar sem intervir durante seis meses é algo que é completamente incompreensível.
Então não ficou espantado com as críticas de Cavaco Silva à liderança de Rui Rio?
Não só não fiquei surpreendido, como também as subscrevo. Já tinha alertado para algumas delas, nomeadamente nas intervenções semanais no jornal i e que mostra a minha opinião sobre essa matéria.
Como um dos fundadores da JSD esperava ver o partido neste estado?
Isso é sempre um drama. Tenho duas consciências aí presentes. Basta irmos ver a história portuguesa, os partidos não são organizações que não têm fim. E temi que o PSD pudesse estar sem essa perspetiva de futuro, acredito que, a partir deste fim de semana, isso mude. Por outro lado, é natural que tendo esse histórico no PSD via com algum sofrimento o que íamos assistindo. Do ponto de vista emocional, para todos os efeitos o PSD faz parte do meu património pessoal e via de forma dolorosa todos os processos que se estavam a passar dentro do partido. Agora há que acreditar que vem aí um novo tempo, para haver a tal nova esperança que foi determinante para num processo idêntico ao que se está a passar, levou Aníbal Cavaco Silva a líder do partido e que levou o partido a liderar outra vez o país. E mais importante que tudo isto é que foram tempos de grande desenvolvimento para Portugal e que foi bom para os portugueses.
E vivemos uma fase semelhante com o PRR…
Em termos quantitativos estamos a falar de um volume de apoios europeus muito mais significativos do que foram à época. Por outro lado, também sabemos que não haverá muitas oportunidades no futuro como esta e por variadíssimas razões, uma delas torna-se evidente e tem a ver com a questão da própria adesão da Ucrânia e da Moldávia à União Europeia e da necessidade que esses países vão ter de serem apoiados, nomeadamente na reconstrução, no caso da Ucrânia. Diria que temos apenas um tiro para dar.
Tem de ser certeiro?
Exatamente, não pode andar a funcionar com truques, com ziguezagues, com hostilização das próprias pessoas. Tem que ser um movimento desta nova esperança que, na altura, foi protagonizada pelo atual Presidente da República. E consoante a forma como o PSD aproveitar esta nova esperança dependerá a continuidade do próprio partido ou não no futuro.
E como vê declarações como as de Pacheco Amorim ao garantir que com Montenegro é mais fácil fazer uma aliança como o Chega?
Está a falar de um dirigente de um partido opositor ao PSD. O que posso quanto muito acrescentar nisso é a experiência que tenho ao nível autárquico em Cascais. O PSD em Cascais nunca teve um resultado tão expressivo como teve nas últimas eleições e, na altura, também me aconselharam a que fizesse pontes para um lado e pontes para outro. E cada vez mais considero que as pessoas precisam de projetos consistentes, não precisam de projetos aos ziguezagues, assentes no truque dá jeito no dia. O PSD tem de ser afirmar enquanto PSD e tem todas as condições para o poder fazer.
E tem um desafio maior face à perda de votos para o Iniciativa Liberal e para o Chega…
Considero que isso é fruto da responsabilidade do próprio PSD. As eleições autárquicas ocorreram poucos meses antes das legislativas. Não houve uma mudança sociológica tão grande quanto isso. Analisando o que conheço bem, que é Cascais, o PSD teve nas autárquicas a maior maioria que alguma vez foi conseguida e três meses depois, em Cascais, perdeu as eleições. Penso que aí é responsabilidade do líder e é responsabilidade dos militantes do partido, nomeadamente daqueles que desempenham lugares de maior responsabilidade que podem orientar o partido para um lado ou para o outro. Espero que oriente para o lado que tivemos sucesso em Cascais.
Outro problema diz respeito à descentralização que tem sido pouco pacífica. Tem defendido que primeiro devia-se aplicar as leis locais, que nunca avançaram. O que tem estado a falhar?
É falta de estratégia. Ou seja, não se sabe qual é a estratégia e o que se pretende. Vou dar dois exemplos. O primeiro é qual é a ambição do Governo nessa mesma descentralização? Somos dos países mais centralizados da Europa, rondará na ordem dos 5/6%. Há países que têm níveis de descentralização, na ordem dos 20/25%. A ambição do Governo é podermos ser liderantes nessa descentralização e apontarmos para os 25/30% ou é passarmos para 6/7%? Quais são as áreas prioritárias? Então depois consoante essa ambição que áreas é que vamos dar prioridade? Tenho aquelas que considero serem as mais prioritárias que, naturalmente passam pelas funções sociais, quer ao nível da saúde, quer ao nível da habitação. Há dias tive uma reunião com a ministra da Saúde e manifestei exatamente isso: não tenho qualquer dúvida de que os cuidados primários seriam muito mais bem geridos pelas câmaras e libertariam o Governo para todo o Serviço Nacional de Saúde. Mas isso implica que não se fique preso por parte do Governo a questões ideológicas, que não se fique preso por parte do Governo a cooperações que ainda hoje persistem em Portugal e há aqui um fenómeno curioso. Vivemos mais tempo em democracia do que vivemos em ditadura e, ainda assim, o peso das cooperações mantém-se e tudo isso tem de ser equacionado. A outra questão que para mim é fundamental, e não vi essa discussão em lado nenhum, é que para haver descentralização tem que se passar necessariamente por uma reorganização do país, mas tem que ser eficaz.
Eficaz como?
O somatório dos gastos do Estado têm que ser menores. Não é gastar 100 e com a descentralização gastar 120. O que estou a dizer foi aquilo que apliquei com o atual primeiro-ministro, quando era presidente da Câmara de Lisboa e resultava de um acordo feito, na época, entre o PSD e o PS para a reorganização do município de Lisboa, uma promessa adiada durante muito tempo. Havia uma quantidade enorme de juntas de freguesia, eram 43 ou 46, em que havia juntas com 300 habitantes e outras com 60 mil habitantes. Não há modelo que se possa aplicar com esta discrepância tão evidente. E, na altura, as condições que coloquei ao atual primeiro-ministro, enquanto representante do PSD – era, na altura, presidente da distrital de Lisboa – era que todos tinham prometido essa reorganização, sem exceção, nenhum tinha cumprido até à data e questionei se iríamos ter essa capacidade. Mas para ter essa capacidade teríamos de definir a estratégia, o que visámos obter com essa reorganização e como poderíamos gastar menos do orçamento da Câmara Municipal de Lisboa. Sou o maior defensor da descentralização e dei provas disso. Fomos os primeiros a assumir a descentralização nas várias áreas que houve disposição do Governo e isso começou na época com o Governo liderado por Pedro Passos Coelho, por estar ciente que tínhamos de gastar no todo menos. Em Lisboa também foi assim e António Costa, na altura, presidente de câmara, concordou. Temos de ser mais eficazes nessa gestão. Não se percebe como é que agora vem uma proposta, por exemplo, ao nível da descentralização na área da Segurança Social, em que o que se propõe é ainda haver mais funcionários. Tem que haver também uma descentralização dos recursos humanos e nunca vi isso na discussão.
E a solução poderia passar por uma mudança de funcionários?
Não sendo apenas isso, mas também passa por isso. Ainda por cima hoje em dia não é difícil, sabendo que a pandemia fez uma grande aceleração ao nível, por exemplo, do próprio teletrabalho. Todos os mecanismos e ferramentas que temos hoje em dia, do ponto de vista tecnológico, viria ajudar e muito a esse desenvolvimento. Veja-se que o próprio turismo cresceu muito no chamado interior. Apesar de achar que falar em interior é quase uma ofensa, porque o nosso interior é Madrid. Não se pode dizer que alguém que está a 200 kms do litoral esteja no interior. E isso também passa por um conjunto de propostas que já cheguei a fazer: Portugal não precisa de uma regionalização. Sou contra a regionalização, mas sou favorável a aproveitarmos os movimentos policêntricos que Portugal tem. Temos áreas no país que se desenvolveram, que tem capacidade para terem uma maior envolvência das próprias cidades que estão à sua volta. Mas para isso é preciso ter estratégia, não podemos viver assentes em truques.
A tendência é para pôr regionalização e descentralização no mesmo saco…
Essa matéria veio-se a confundir em algo que me surpreendeu que foi o próprio Presidente da República que introduziu isso: Se adiarem a descentralização estão a adiar a regionalização. Na altura, isso fez-me confusão, mas sabendo que o Presidente da República é um homem inteligente, muitíssimo bem informado então alguma razão terá tido para fazer essa confusão.
Acha que foi propositado?
Isso com certeza que foi, caso contrário não teria feito essa ligação. Mas, por outro lado, hoje já estamos regionalizados. Não democratizámos foi a regionalização, porque o país está regionalizado, nomeadamente ao nível das CCDR. Mas está muito longe da própria autonomia das regiões autónomas que o PSD foi o principal defensor, mas por razões até geográficas, que se conseguem compreender. Na verdade não encontro razões em Portugal Continental para haver a necessidade de fazer uma regionalização. E outra coisa que não está discutida é que competências ficam nos vários níveis de Governo dentro do território. Ou seja, as regiões são determinadas por absorção de competências que, neste momento, estão nos municípios? Ainda ninguém esclareceu isso. Ou são competências que o Governo descentraliza para as hipotéticas regiões e aqui as regiões também vão descentralizar para os municípios? Sabendo que hoje em dia os municípios assumem um papel cada vez mais relevante na resposta aos cidadãos e sabendo também que há uma deslocalização do próprio exercício do poder porque, por um lado, há cada vez mais deslocalização para instâncias supra nacionais. Veja-se a questão da própria União Europeia e de outras matérias que não têm a ver com as autarquias, como é o caso da NATO. Por outro lado, também sabemos que há um conjunto de problemas que beneficiam da proximidade que os municípios têm aos parceiros. E, por falar em NATO, veja-se a irresponsabilidade do PS de se estar a coligar com partidos que são defensores que Portugal saia da NATO. À luz atual com aquilo que se passa na Europa do Leste, o que seria se Portugal não fizesse parte da NATO? A interpretação que faço de toda esta guerra na Ucrânia e Cascais tem estado muito envolvido no apoio que nos é possível dar – já tive oportunidade de referir ao presidente da Câmara de Irpind e à vice-presidente da Câmara de Bucha – é que eles estão nas trincheiras, estão nas linhas da frente, nós que estamos nas linhas da retaguarda, o que nos cabe dar é esse apoio e esse suporte, porque na verdade eles não estão só a defender o seu país. Estão a defender o seu país e a Europa, logo Portugal. Incompreensível é, por exemplo, a posição que vi do Partido Comunista que também andou com truques de linguagem, mas não deixou nunca de ter um discurso idêntico ao discurso completamente fora de contexto, mentiroso e aldrabão por parte das autoridades russas.
Sempre com muita resistência em usar a palavra guerra…
Só isso é uma incongruência. Quer dizer, estou em minha casa, vem um ladrão, destrói-me o que tenho dentro de casa e a minha reação é dizer ‘não, o que quero é paz’ e não vou interferir com o ladrão. Ninguém percebe isso.
Um partido que lutou tanto contra a ditadura é natural ter um discurso desses?
Tenho uma explicação mas não tenho nenhuma prova que possa apresentar: tínhamos uma perspetiva que penso que não andará muito longe de quem é que andou a financiar o próprio Partido Comunista durante estes anos todos e que na minha análise continua a financiar. Por isso é que não querem perder o seu financiador principal.
Voltando à descentralização, acha que a Associação Nacional de Municípios Portugueses devia ter um papel mais interventivo?
Sim, mas o problema não é de agora. Há um acordo na Associação Nacional de Municípios que o partido que tem mais câmaras lidera a comissão diretiva. O segundo partido lidera o congresso e o conselho geral. Fui presidente do conselho geral da Associação Nacional de Municípios Portugueses e ia com grande vontade, mas percebi que aquilo era feito para não funcionar. No meu discurso de despedida no congresso em que fui substituído fiz esse conjunto de críticas que hoje estão em cima da mesa. Isso está escrito, Foi no congresso realizado em Troia e, ainda por cima, num município que pertence a Grândola, a tal Grândola Vila Morena. Aliás, lembro-me de ter começado o discurso dizendo que se afastarmos de toda a carga ideológica do Grândola Vila Morena é um verdadeiro hino de cidadania: ‘O povo é quem mais ordena. Dentro de ti, ó cidade’. Diria que é um hino ao municipalismo, não é um hino para avançarmos para uma regionalização. E por isso digo que as críticas já as tinha feito na altura, perdemos esses anos todos porque já passaram 8/10 anos.
Estava à espera que Rui Moreira saísse da Associação Nacional de Municípios Portugueses?
Confesso que já tive essa tentação no passado, nomeadamente com a criação de algo que existe em outros países europeus. Não é a mesma coisa estarmos a falar de municípios com mais de 100 mil habitantes e depois estarmos a falar de municípios com menos de cinco mil habitantes. Rui Moreira tem toda a razão no que disse, embora considere que o método não poderia ser apenas o de sair por sair. Devia ser também uma nova forma de abordarmos a Associação Nacional de Municípios, porque é diferente falarmos de grandes municípios e de pequenos municípios porque os interesses não são todos eles convergentes.
Ribau Esteves criticou a atitude de Rui Moreira, afirmando que nunca esteve presente está nas reuniões…
Posso responder por mim. Tenho ido aos congressos da Associação Nacional de Municípios, já fui dirigente e tenho participado nessa mesma matéria. Ser presidente da Câmara do Porto ou ser presidente de qualquer outra câmara não lhe retira nenhuma legitimidade para poder participar numa discussão que tem a ver com o seu próprio município e com as suas próprias responsabilidades, como é o caso da descentralização.