por Daniela Soares Ferreira e Sónia Peres Pinto
A estratégia do Governo em ter ‘contas certas’ continua a ser cumprido, mas à custa do aumento da receita fiscal. E os números falam por si só as receitas fiscais e contributivas subiram 21,6% face ao mesmo período de 2021 e cresceram 14,9% face a 2019, permitindo um excedente de 1.113 milhões de euros, nos seis primeiros meses do ano. «O Estado conseguiu registar um excedente de 1.113 milhões de euros durante o primeiro semestre deste ano, que reflete o retomar da atividade económica no privado, apoiado também pelo período de férias que tende a trazer mais dinamização à economia nacional, nomeadamente no setor do turismo», diz ao Nascer do SOL, Henrique Tomé, analista XTB.
De acordo com os dados divulgados pela Direção-Geral do Orçamento (DGO), a receita fiscal subiu 28,1% quando comparado com igual período do ano passado, puxado essencialmente pela arrecadação do IVA. Mas vamos a números. O IVA passou de 7.920,7 mil euros nos primeiros seis meses do ano passado, para os 10.052,3 mil euros no mesmo período deste ano. Feitas as contas, o estado conseguiu arrecadar, à boleia da inflação, 55,5 milhões de euros por dia neste semestre. Um valor que é superior a igual período do ano passado em 11,7 milhões de euros por dia, tendo em conta que em 2021 o Governo conseguiu 43,8 milhões diários em 2021 em IVA.
Esta subida deve-se, acima de tudo, à inflação. E a tendência é para se manter. Ainda esta sexta-feira, o Instituto Nacional de Estatística (INE) revelou que a taxa de inflação em julho ultrapassou os 9%, tendo atingido o valor mais elevado desde novembro de 1992.
O cofres do Estado também engordaram com o imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP) a diferença entre os primeiros seis meses do ano passado (1523,9 mil euros) e o mesmo período deste ano (1608,6 mil euros) é de ‘apenas’ 84,7 mil euros. Quer isto dizer que o ISP valeu ao Governo todos os dias deste período deste ano uma média de 8,9 milhões de euros, um valor pouco acima do valor diário do ano passado: 8,4 milhões.
Mas o imposto que mais disparou e que mais ajudou à carteira do Governo foi o Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas (IRC). É que, se nos primeiros seis meses de 2021, o Estado tinha arrecadado 959,2 mil euros com este imposto, nos mesmos meses de 2022 esse valor disparou para 3.175,6 mil euros. Quer isto dizer que, se no ano passado, o Executivo amealhou 5,3 milhões de euros por dia com este imposto, este ano esse valor diário disparou para 17,5 milhões de euros. Mas esta subida está diretamente influenciada pelo aumento dos resultados das empresas, ou seja, quanto mais recebem mais pagam e que acabou por trazer para cima da mesa a hipótese de o Governo avançar com uma taxa sobre lucros extraordinários, discussão que veio a lume com os lucros da Galp de 153%, atingindo os 420 milhões no primeiro semestre.
A medida chegou a ser falada pelo ministro da Economia, mas rapidamente foi afastada com António Costa Silva a afirmar que seria uma «solução de último caso» que poderá implementar se entender necessário. No entanto, ainda esta sexta-feira, o Presidente da República não descartou essa possibilidade, considerando que é um cenário que poderá colocar-se. «As empresas que nesta situação têm a vindo a ter proveitos extraordinários devem ser as primeiras a tomarem maior iniciativa de responsabilidade social. Não podem ignorar os que sofrem à sua volta. Têm de investir mais em termos sociais, sacrificando dividendos», disse.
Argumentos que não convencem os economistas. Para João César das Neves «estas medidas de taxar lucros extraordinários são compreensíveis, mas muito perigosas. Só seriam razoáveis em casos muito especiais, que não parece o caso. Os impostos dessas empresas já sobem neste ano, porque os lucros sobem». E acrescentou: «O petróleo esteve com preços muito baixos durante muito tempo e não se retiraram os impostos. É populismo típico da extrema-esquerda».
Também Luís Mira Amaral questiona: «Agora querem mais uma taxa? Não faz sentido. O IRC já cobre isso».
Multas engrossam receita
Nos primeiros seis meses do ano, o Governo arrecadou ainda 1.516,7 mil euros em taxas, multas e outras penalidades. Isto é, o Executivo ‘meteu ao bolso’ 8,4 milhões de euros por dia. Um valor que é superior ao mesmo período do ano passado em que arrecadou 1.319,8 mil, o que perfaz 7,3 milhões por dia, menos 1,1 milhões que este ano.
Também a receita contributiva subiu 9,7% comparando com 2021 e um aumento de 16% em relação a 2019), que «evidenciam a recuperação económica dos últimos meses face ao ano anterior».
Subidas essas que não surpreendem o analista da XTB. «Esperava-se que a receita aumentasse uma vez que todos os constrangimentos impostos pela pandemia foram eliminados e os dados publicados refletem a recuperação da atividade económica, sobretudo no setor privado».
Despesa sobe mas menos
Os mesmos dados indicam ainda que o saldo primário (que não contabiliza juros) foi positivo em 4.448 milhões de euros, o que compara com um défice primário de 3.379 milhões de euros registados em 2021. «A despesa primária expurgada de efeitos associados às medidas de prevenção e combate à covid-19 cresceu 1,6% face a igual período de 2021 (9,1% face a 2019)».
Em relação aos gastos do SNS foi registado um um acréscimo de 6,9% em termos homólogos, em que é destacada a componente de aquisição de bens e serviços (+11,6%), para a qual contribui fortemente o crescimento da despesa associada a produtos vendidos em farmácias (+19%) e aos meios complementares de diagnóstico e terapêutica (+19,3%).
Já a despesa com salários nas administrações públicas cresceu 2,9% em relação ao período homólogo, destacando-se a evolução dos salários no SNS (+6,4%) e do pessoal docente dos estabelecimentos de ensino não superior (+2,8%), «refletindo o aumento no número de contratações, os aumentos salariais e as valorizações remuneratórias».
O que esperar
Para Henrique Tomé, «as expectativas mantêm-se animadoras, sendo que o retomar do setor do turismo deverá impulsionar ainda mais a atividade económica», mas lembra que existem fatores de risco que podem comprometer a médio e longo prazo.
«Portugal foi dos países da zona euro com menor taxa de inflação, contudo, neste momento a inflação no país está em níveis extremamente elevados que deverá ter impacto na economia portuguesa e no consumo dos agentes económicos, como os particulares e empresas», referindo que «este é o principal fator de risco que poderá condicionar a evolução das receitas para os próximos meses».