Já toda a gente percebeu que, mais cedo ou mais tarde, a fatura da luz vai sofrer um agravamento substancial, faltando apenas saber quando e quanto.
Por isso, o primeiro-ministro não perdoou que o presidente de uma elétrica privada, por acaso fornecedora de vários serviços públicos, se descaísse numa entrevista, admitindo que os aumentos na energia pudessem ser da ordem dos 40% ou mais.
E, por despacho ‘preventivo’ – uma inovação bizarra –, António Costa pôs a elétrica de castigo, sujeitando as suas faturas ao ‘visto’ de um ‘ajudante’, conhecido pelo seu acrisolado amor ao hidrogénio e ao lítio.
Ora o despacho de Costa, embora original, tem antecedentes.
De facto, já em 2017, apontou «falhas graves» à Altice, a propósito do Siresp nos incêndios de Pedrógão Grande, e quis por na ordem o «disparate» da Galp ao encerrar a refinaria de Matosinhos – à qual prometeu «uma lição exemplar» –, e, mais tarde, em 2021, ainda repreendeu a EDP, pelas suas «manhas» na questão das rendas, ou na ‘criatividade fiscal’ na venda de barragens do Douro. Foi azedo nas críticas e expôs as empresas no pelourinho.
Claro que o PCP e o Bloco aplaudiram o despacho, em uníssono, visando a Endesa, e, com esse conforto – e a ajuda do ‘pronto-socorro’ de Marcelo, sempre em ‘estado de prontidão’ para cobrir o Governo –, o primeiro-ministro deve achar que deu ‘um murro na mesa’, para impressionar os portugueses, fartos de aumentos, agravados pela inflação.
O aparente passo em falso de Nuno Ribeiro da Silva, o presidente da Endesa, estava, obviamente, condenado à vergasta, por ter cometido o pecado de antecipar – talvez com alguma falta de tato –, aquilo que os portugueses, de uma forma ou de outra, terão de suportar, pesem as habilidades retóricas do governo.
Como já se percebeu também, o Governo gosta de controlar o fluxo da informação e que nada escape ao seu timing e filtros, sobretudo quando se trata de dar más notícias.
É certo que o problema da energia, combustíveis incluídos, não é apenas nosso. Só que tem sido encarado Europa fora e aqui mesmo ao lado, em Espanha – com maior transparência e agilidade nas medidas compensatórias ou de poupança.
E quem resida ou visite qualquer localidade fronteiriça sabe bem o que poupa se for abastecer o carro do ‘outro lado’ ou adquirir por lá o gás em bilha.
Por aqui, tanto a fiscalidade aplicada aos combustíveis, como as taxas e taxinhas que enxameiam o recibo da luz, afetam o bolso dos consumidores.
É natural que haja quem lucre com as crises, sejam as grandes farmacêuticas e os laboratórios de análises clínicas durante a pandemia, ou as petrolíferas, em consequência da guerra na Europa. Daí a sugerir mais impostos sobre os ‘lucros que caiem do céu’ é distorcer o mercado e avolumar as ilusões.
Reconheça-se, contudo, que, desta vez, Governo e Presidente não ficaram a falar sozinhos.
Depois da humilhação sofrida pela ONU na Ucrânia, quando a Rússia bombardeou, cirurgicamente, Kiev durante a visita (tardia…) de António Guterres, este sente agora a necessidade de ‘engrossar a voz’, desafiando os governos a tributarem os «lucros excessivos» das empresas de gás e petróleo para travarem a sua «ganância grotesca».
Por cá, Marcelo Rebelo de Sousa não foi tão longe, recomendando somente «maior responsabilidade social» e «bom senso às entidades petrolíferas». Eufemismos.
O certo é que o ‘despacho preventivo’ de Costa, e o acolhimento encontrado em Belém, juntamente com os ‘desabafos’ de Guterres, revitalizaram Francisco Louçã, que não foi de meias medidas, apressando-se a proclamar na SIC, com fina elegância, que «o presidente da Endesa meteu o rabo entre as pernas».
Por sorte, nunca ninguém o acusou do mesmo, quando fugiu à ‘coordenação’ do Bloco, a seguir à pesada derrota do BE nas Legislativas de 2011.
Liberto dessa liderança – embora continuando ideólogo do partido –, Louçã passou a ser mais referenciado em alguns media por ‘economista’, como se o político se tivesse eclipsado nele.
Mas é o que ele gosta de ser. É certo que, com a usura do tempo, ficou mais utópico, quer ao defender Mariana Mortágua para ministra das Finanças, quer ao incensar os feitos «extraordinários» de Catarina Martins, que estão bem à vista, com o declínio acelerado do Bloco, embora não tenha ‘pousado a toalha’ nem imitado o seu guru.
Com a maioria absoluta no Parlamento – que Costa pode confundir com poder absoluto –, não serão de excluir outros despachos ‘preventivos’, para simular que governa, quando o que faz é navegação à vista, sem fôlego nem coragem para decidir, incluindo o que é urgente. A novela do novo aeroporto de Lisboa é disso um triste exemplo.
Nota em rodapé: As relações entre o Presidente da República e o primeiro-ministro não precisam de ser tensas, como acontecia ao tempo de Cavaco Silva e José Sócrates. Mas daí à informalidade de uma sardinhada num beco de Alfama vai uma enorme distância. Não se trata apenas de uma ‘derrapagem’, a somar a outras, que não abonam a saúde das instituições. Mas com estes ‘populismos’ à mesa, o Presidente perde autoridade e o primeiro-ministro robustece a sua. É o caminho mais curto para se perderem ‘os pesos e contrapesos’ que uma democracia madura exige. A ‘mexicanizaçao’ do regime já esteve mais longe…
Nota em rodapé 2: Um amigo confesso de Sócrates, acaba de ser nomeado consultor do Ministério das Finanças por Fernando Medina, função que deverá ser relevante, atendendo à remuneração que lhe foi atribuída, por ajuste direto , equivalente à de ministro.
Por coincidência, Sérgio Figueiredo, o referido consultor, contratou Medina quando foi diretor de informação da TVI, um ‘biscate’ como comentador regular da estação, acumulando com a presidência do Município. Claro que só por maldade alguém poderá sugerir que ‘amor com amor se paga’…
O certo é que, de uma assentada, Medina não só garantiu emprego a mais um consultor (apesar de haver uma entidade estatal recém-criada, a PlanAPP, com vocação transversal e aptidões parecidas), como terá decerto sensibilizado
Sócrates por ver assim um amigo de peito ‘plantado’ de estaca nas Finanças.
Suspeita-se que Augusto Santos Silva – antigo comentador da TVI despedido por Figueiredo – não deverá ter achado graça à escolha do seu correligionário socialista. Moral da história: haja decoro!…
Nota em rodapé 3: Esta coluna vai de férias. Regressa em 3 de setembro.