A seca contribuiu para a segunda pior campanha de cereais de inverno dos últimos 105 anos, de acordo com as previsões agrícolas, divulgadas pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), que aponta para quebras de produção entre 15% e 30% nos cereais. “A atual campanha deverá ser a segunda pior desde que existem registos sistemáticos, apenas superior à produção de 2012 e próxima da de 2005 (igualmente anos de secas extremas)”, diz o gabinete estatístico, lembrando que a colheita dos cereais de outono/inverno ficou concluída no final de julho, apesar das restrições impostas à utilização de máquinas agrícolas, devido ao elevado risco de incêndio verificado entre 08 e 21 de julho.
Números que não surpreendem o secretário-geral da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP). “As condições atmosféricas foram terríveis para os cereais porque houve pouca água e antes da colheita houve muito calor”, diz Luís Mira, lembrando ainda que “40 graus à sombra representa 46/47 graus ao sol, ou seja, queima tudo”, diz ao i.
Ainda assim, garante que a produção de cereais não é muito atrativa devido às condições meteorológicas que Portugal tem. “Se fosse atrativo em termos de rendimento, as pessoas produziam mais”, refere.
Mas estas condições atmosféricas não afetaram apenas os cereais, também a produção de batata foi afetada pela seca e pelas temperaturas muito elevadas que inibiram a tuberização, verificando-se decréscimos de produtividade, bem como dificuldades de comercialização. Segundo o INE, a seca e as altas temperaturas obrigaram à antecipação da colheita de batatas, provocando quebra na produtividade. E no caso da batata de regadio os baixos níveis hídricos também estão a penalizar, devendo, esta, ter uma quebra de 15% na produção. Na de sequeiro a diminuição deve atingir 30%.
O mesmo cenário repetiu-se nas árvores de fruto, em que INE prevê uma quebra de 15% nas macieiras, 30% nas pereiras e 25% nos pêssegos. Já no caso das amendoeiras os valores deverão aproximar-se dos de 2021. “O choque térmico provocou também a paragem no crescimento dos frutos, pelo que os calibres são na generalidade bastante inferiores ao normal, situação mais evidente nos pomares de sequeiro”. Nos pomares de regadio, “devido aos escassos recursos hídricos, não foi possível efetuar as regas com a frequência e dotações necessárias”, diz o INE.
Luís Mira não hesita: “Todo este período foi horroroso. Tivemos 10 dias com temperaturas superiores a 40 graus, o que é demolidor para qualquer cultura”, refere lembrando que “as culturas não podem ter um guarda sol por cima para as tapar e isso traz sempre consequências muito graves. A acrescer a isso, a chuva não existiu. Conclusão: tudo isto tem repercussões na produção”. E por isso é “natural” ver “pereiras com as peras queimadas, vinhas com as uvas em passa, limoeiros em que as árvores deixaram cair os limões porque não tinham água”.
O responsável vai mais longe: “As pessoas têm de entender que a agricultura transforma a água em alimentos, se não há água não há alimentos” E deixa um recado: “Se os ambientalistas e os políticos tomarem medidas para acabar com a água na agricultura depois quero ver onde é que vão comer. Importam de outros países onde existe água para o setor agrícola produzir alimentos?” questiona, referindo que “sem água não se consegue produzir e esta pode ser da chuva, pode ser através da rega, mas sem água não há alimentos”.
E as vinhas? As previsões para as vindimas não são as melhores, uma vez, que também são afetadas por estas ondas de calor que afetam o país e, segundo Luís Mira, as previsões apontam para quebras entre 15% a 20%, em algumas zonas.
Previsões mais otimistas tem o INE. No global, “apesar do elevado número de cachos, a seca e as altas temperaturas condicionaram o enchimento do bago e, consequentemente, a produtividade. As temperaturas extremas de julho potenciaram ainda o escaldão, com impacto no rendimento, prevendo um decréscimo global de 10% na uva para vinho”. A mesma queda é esperada na uva de mesa.
A par da agricultura também a escassa precipitação registada na primavera afetou “o desenvolvimento vegetativo das pastagens e forragens, originando uma diminuição entre 20% a 80% na biomassa destinada à alimentação dos efetivos pecuários”, lembrou o INE, e como tal, as explorações agropecuárias já sentem as dificuldades em alimentar os seus animais.
Boas notícias Em contraciclo estão as culturas de primavera – como tomate, arroz e milho -, em que o gabinete estatístico prevê uma subida, inclusive um aumento de 5% na área do milho. Também o arroz deverá registar um período de normalidade. “As germinações foram boas, apresentando as searas bom desenvolvimento vegetativo. Ao contrário do que aconteceu com outras culturas, o arroz beneficiou do tempo quente, regularizando o seu ciclo vegetativo que se encontrava atrasado.” A produtividade do arroz deverá ser idêntica à de 2021, “apesar da presença de milhã no Baixo Mondego, infestante difícil de controlar e que compromete a produtividade da cultura”.
No entanto Luís Mira lembra que este tipo de culturas contam com água para regar. “Ninguém cultiva tomate, arroz e milho se não tiver água. São culturas de regadio. Não posso arriscar a começar a ter essa cultura e não ter água a meio. E, por serem regadas, não dependem da chuva”, salienta o secretário-geral da CAP.
Apesar destes entraves, o responsável lembra que Portugal não está num mercado fechado, ainda assim, admite um aumento de preços mas por outras razões. “Estes problemas de seca também afetam outros países e isso reflete-se numa menor produção, logo o preço acaba por subir”. Mas a subida de valores não se justifica apenas por este fator. A isto há que somar, “o aumento generalizado dos preços dos combustíveis, dos transportes e dos fertilizantes”.