Portugal vive num impasse e Rodrigo Moita de Deus considera que «os políticos estão todos presos às circunstâncias e quase que se recusam a fazer reformas porque têm medo de estragar e acham que ganham mais eleições não estragando do que mexendo», o que contribui para que o país viva «numa chalupice generalizada».
No seu entender, o cúmulo dessa ‘chalupice’ foi a compra da TAP, em plena pandemia. Dá cartão vermelho aos ministros ao afirmar que servem apenas para garantir que os serviços públicos operam, mas sem resultados à vista, dando como exemplo o que se passa na Saúde, que tem um nível despesa recorde, assim como o máximo de contratações de médicos e enfermeiros, e o resultado está à vista: urgências fechadas e falta de pessoal.
Quanto ao PRR, diz apenas que «vai servir para comprar computadores e para calafetar as janelas dos edifícios públicos», mas não estava à espera de outra coisa.
Portugal enfrenta vários desafios: aumento da inflação, risco de um abrandamento económico, etc. O que podemos esperar do nosso país?
A pergunta certa é: o país tem salvação? Não, não tem. Não tem salvação possível.
E o problema é falta de de ambição, falta de estratégia?
Falta muita orientação, muita direção. E nota-se isso mesmo pelo abrandamento do inverno demográfico. De facto, a maior parte dos portugueses desistiram do seu país, o que é uma coisa extraordinária. O problema não é tanto da política, é muito mais dos próprios portugueses, que não acreditam que o país não tem salvação.
Há um sentimento de desilusão coletiva?
Sim, olhamos para a política sempre com aquela ideia de que queremos que não nos chateiem, que não estraguem tudo. Os políticos servem para não estragar as coisas e não para fazer coisas porque já vimos que cada vez que querem fazer qualquer coisa normalmente fazem pior. Há assim uma espécie de sentimento de desilusão e falta acreditar.
Esse sentimento existe por ser um Governo socialista ou acontece independentemente da cor política?
Acho que isso acontece independentemente da cor política e as coisas não vão ficar obrigatoriamente melhores com mudanças de cores políticas. Quer dizer, podem ficar aqui ou ali, mas não resolve nenhum dos problemas estruturais. Os políticos estão todos presos às circunstâncias e, por isso, quase que se recusam a fazer reformas, porque têm medo de estragar e acham que ganham mais eleições não estragando do que mexendo. E provavelmente têm razão, mas depois falta essa ideia de mudar as coisas.
Mas perante um Governo de maioria absoluta há a ideia de que, a quererem alterar, não precisam de negociar com outros partidos porque tudo passa no Parlamento…
Para isso era preciso acreditar que os portugueses não queriam uma maioria absoluta e tenho a ideia de que os portugueses queriam mesmo que alguém mandasse, até para que isto não virasse depois uma chalupice generalizada. De repente, se tivéssemos mais quatro anos no modelo da geringonça, corríamos o risco de isto virar uma chalupice. Tudo era possível, tudo se negociava e perdia-se imenso tempo a discutir soluções completamente loucas.
E essas discussões e negociações eram visíveis nas negociações dos Orçamentos de Estado….
E na própria natureza das medidas. Há uma desproporcionalidade gigantesca entre o discurso na bolha política e a realidade do país. A maior parte dos portugueses têm bom senso. São do Bloco Central. São conservadores e, de repente, o discurso político mainstream estava completamente tomado por chalupas. Estavam a discutir chalupices: nacionalizações, renacionalizações, refaz, aumenta. Era tudo um ambiente de loucura. Pior com a covid à mistura. Acho que as pessoas ficaram genuinamente assustadas. E entre todas as opções que tinham votaram num Governo de maioria. Era o tal voto útil.
Agora o Governo está a ser pressionado para apresentar medidas de apoio para combater a inflação. O que está à espera?
Está a ser pressionado? Só se for pelo efeito bolha. Estamos outra vez a discutir a bolha. E vamos ter sempre imensos protestos, por parte de imensas associações, mas é preciso ver se isso é representativo do país. Não estou a dizer que as medidas não façam falta, mas grupos de pressão há sempre imensos e ainda bem que existem. Agora temos a questão do preço da energia. Vamos ter muita pressão por causa das tarifas sociais. Então e o resto da população? Qual é a solução para a esmagadora maioria da população? Qual é a medida para a classe média? Vamos ter outra vez zero de medidas.
Geralmente é a classe média que paga sempre a fatura…
Exato. Temos Governos que ficam presos à pressão da bolha e esta faz-se por esses grupos amplos e, por isso, geralmente temos medidas avulso para minorias atrás de minorias. Não tenho um número certo, mas seguramente mais de dois milhões dos portugueses são proprietários de casas e o discurso continua a ser o aumento do preço por metro quadrado. O que quer dizer que, se olharmos somente para o preço do metro quadrado, há, pelo menos, dois milhões de portugueses que estão mais ricos. Efetivamente têm um bem, um ativo que valorizou. O problema é que o discurso é sempre feito ao contrário.
Além da energia, temos o gás. A EDP já anunciou aumentos de 30 euros, enquanto a Galp ainda não revelou valores…
Houve agora o anúncio de medidas concretas para mitigar o aumento do preço do gás, mas alguém vai pagar mais cedo ou mais tarde por isso. Será inevitável. A pergunta que deve ser feita é quem vai pagar? E quem vai pagar é a classe média.
As medidas não vão mais longe devido à obsessão do Governo pelas ‘contas certas’?
Financeiramente o ano é espetacular para o Governo, não podia ser melhor. As receitas fiscais vão aumentar, os custos efetivos vão continuar baixos porque depois o dinheiro nunca chega a sair.
Isso é visível sempre que são publicadas as execuções orçamentais…
É extraordinário. O país pode ter recessões, o Estado nunca. Vou tirar a expressão Governo, porque isto não é um exclusivo deste. O Estado é o único que nunca entra em recessão, aconteça o que acontecer. Há de se arranjar sempre maneira de ir buscar dinheiro, porque tem que ser alimentada a máquina. E nós temos um problema de máquina do Estado.
São os tais problemas estruturais em que não são feitas as reformas?
É um problema do Estado e depois isso tem consequências. Ligamos a televisão e vemos notícias do problema do Estado enquanto patrão, porque não aumenta, ou porque não dá férias ou porque dá férias ou porque não faz não sei o quê. O problema do Estado é que os serviços não funcionam e depois é tudo Estado, Estado, Estado. O Estado engoliu, na prática, o país. Trabalhamos ao serviço do Estado, somos todos funcionários públicos e a máquina não se controla, não há nenhum instituto que diga ‘vou reduzir as despesas’. Agora estamos a discutir a questão da energia, os eventuais cortes de energia que terão consequências no retalho, na indústria, etc. Mas alguém já entrou numa repartição pública para ver quantas luzes estão acesas? Estão todas. O próprio Estado não consegue fazer essa transição porque não manda na própria máquina.
E depois exige aos privados outro tipo de comportamentos…
Claro, espero que, desta vez, consigam implementar medidas eficazes, a começar nos próprios serviços públicos. Ligamos a televisão e o que vemos? A TAP, que é uma empresa pública, os médicos que trabalham para o Estado. Passamos a vida a discutir o Estado enquanto patrão. Mas, entretanto, pelo meio, há um país. Acho que ainda há um país. E, pior, até diferenciamos os partidos de acordo com as suas políticas em relação ao Estado. Não era isso que deveria acontecer. Não deveríamos estar o discutir o Estado, devíamos estar a discutir o país real.
Estava-se à espera que o PCP fosse para as ruas para mostrar o seu descontentamento, mas parece estar um pouco adormecido. Deu um tiro no pé com a guerra na Ucrânia?
Acho que é um nicho, pode não ter sido dado um tiro no pé. Vamos ver o que vai acontecer nas eleições, mas podem ter encontrado um nicho de atuação que os diferencia não só em relação ao PS, PSD, etc. mas também em relação ao próprio Bloco de Esquerda. Não nos podemos esquecer que o mercado da extrema esquerda é limitado, há de valer 15% a 20% no máximo dos máximos e, como tal, podem não ter dado um tiro no pé, não é tão líquido assim.
Mas foram alvo de fortes críticas…
É a bolha. Mas eles não fazem política para aqueles 80% porque esses não vão votar neles. Fazem política para aqueles 20% e esses odeiam a NATO, a União Europeia e acham genuinamente que a Ucrânia independente não deve existir e que faz parte da Rússia. É um posicionamento, é pena depois não serem completamente frontais na sua opinião de não acreditarem que a Ucrânia deve ser independente, como não acreditam que a Lituânia, a Letónia ou a Estónia sejam Estados independentes, continuam a achar que fazem parte da Rússia.
Então acha que podemos ter uma surpresa nas próximas eleições quando muitos já falam no desaparecimento do partido…
A partir do momento em que o PS esvazia o discurso da extrema esquerda, do PCP e do BE, e esvazia no sentido das medidas, das propostas e assume o bem estar do Estado e da máquina do Estado como sendo uma preocupação, não fazendo reformas, então ficam esvaziados. Têm mesmo de arranjar características diferenciadoras.
A carga fiscal continua a ser o nosso calcanhar de Aquiles. A gerigonça foi uma oportunidade política?
Com a geringonça nunca, porque é preciso alimentar a máquina do Estado. Não podemos reduzir a carga fiscal porque temos de manter os serviços públicos todos a funcionar e estes precisam sempre de recursos. Nunca precisam de reformas, precisam sempre de mais e mais recursos. Basta olhar para o Ministério da Saúde agora: tem o maior orçamento de sempre, o maior número de médicos de sempre, o maior número de enfermeiros de sempre e não funciona.
E é obrigado a fechar as urgências…
Saiu aquela notícia da ministra ter ligado aos diretores de serviço dos hospitais para alterarem os mapas de férias. E fazemos o exercício de pensar quantas pessoas na estrutura toda do Ministério da Saúde não falharam para a ministra ter de ligar para os diretores de serviço para alterarem os mapas de férias, porque há as ARS, há as administrações dos hospitais, ou seja, há uma estrutura gigantesca em que falhou tudo. Ninguém foi capaz de trabalhar com um Excel, não é um problema de falta de recursos, é um problema que pode ser resolvido se trabalharem com Excel e fizerem os mapas de férias de forma partilhada. Pior, fazemos um grupo de trabalho e criamos um cargo novo para haver um Excel partilhado. Estamos neste nível. E porquê? Porque não se pode dizer nada em relação ao Ministério da Saúde. Se uma pessoa falar em reforma do Serviço Nacional de Saúde está a falar sobre privatização. É chalupice completa. Uma pessoa não pode falar sobre a reforma dos serviços públicos, nem sequer pode ser exigente com os serviços públicos.
E quem paga esse serviço público são os nossos impostos…
E não funcionam. Os próprios ministérios, os próprios Governos, a própria máquina devia ser a primeira instância de exigência para com os serviços públicos. O ministro serve para garantir que os serviços públicos funcionam e o que vemos, com raras exceções, são todos os ministros, todos os secretários de Estado e toda a máquina a defender os serviços públicos. Por exemplo, quando houve o assalto ao paiol em Tancos vimos uma coisa espetacular que foi o ministro da Defesa a explicar que havia um buraco na rede do quartel. E, por isso, não havia culpa. Em vez de ser exigente para com os serviços, em vez de mandar vir três generais e ameaçá-los com a demissão. Não, foi explicar que havia um buraco na rede e que não era assim tão grave porque as munições até eram antigas. E vemos isso em tudo. No caso do fecho das urgências também, quando se esperava que a ministra da Saúde pegasse num telefone ou fizesse uma reunião geral de coordenação com as ARS, com os conselhos de administração, mais com aquela cangalhada toda que devia trabalhar e gritasse com eles, não. Pior: tivemos o caso de uma secretária de Estado ou de uma ministra que foi a uma Loja do Cidadão gritar com os serviços e foi acusada de bullying. O país está ao contrário, o que se deveria exigir é que o serviço funcionasse e passou-se a ver isso como bullying. Os serviços públicos deixaram de funcionar e o poder político, em vez de exigir o seu funcionamento, passou a defendê-los. Por isso é que os portugueses desistiram do seu país, não vale a pena.
Mas, voltando aos impostos: depois vimos os partidos de esquerda a pedir impostos extraordinários a empresas que apresentem lucros extraordinários, como a Galp…
Em vez de ficarmos felizes com o sucesso fazemos aquele papel do invejoso, ou, pior ainda, aquela coisa da mediocridade: se a vida corre bem ao outro então vamos lutar para sacar mais dinheiro. A pergunta é: por que é que a TAP não tem os mesmos resultados que a Galp? Expliquem-me como contribuinte por que razão a TAP não tem os mesmos resultados que a Galp? Por que é que a CP não tem os mesmos resultados que a Galp? Dizem que é serviço público. Não porque o serviço público não funciona. Se funcionar, aceito os prejuízos. Agora, não funcionando?
E a TAP está em rota de colisão com os sindicatos…
Temos todos a noção de que o Estado português comprou uma companhia aérea em plena pandemia. Uma companhia aérea que já estava falida há anos. O único empresário do ramo da aeronáutica que durante a pandemia ganhou dinheiro foi o senhor que vendeu a TAP ao Estado, porque alguém achou que era uma boa ideia. É surreal. Como é possível que isso tenha acontecido à frente dos nos nossos olhos? Este ano vai ser preciso pôr dinheiro, outra vez, e em cash.
Estamos a falar de 900 milhões…
Temos urgências a fechar, mas há dinheiro para a TAP. E depois dizem que é demagogia. Não é demagogia. O dinheiro vem exatamente do mesmo sítio, que é do bolso dos contribuintes, que vai para a Conta Geral do Estado e depois são feitas as transferências. E quem tem essa visão é acusado de demagogo, populista, direitolas, fascista, liberal, neoliberal. No geral, o discurso político está num nível de chalupice como nunca se viu.
O facto de termos um peso maior no Parlamento de partidos de extrema direita contribuiu para aumentar essa chalupice?
É pior, porque o sistema alimenta-os a eles próprios. Olhamos para os debates na televisão e precisamos de pôr uma chalupa de extrema esquerda e um chalupa de extrema direita. E aquilo vai crescendo, porque acha-se que dá mais audiências e assim o debate fica mais divertido do que com duas pessoas a concordar que é preciso bom senso. Por isso é que há uma desproporcionalidade gigantesca entre aquilo que é o discurso da bolha e o país real. O país real representa a maioria da população, os portugueses normais. Gostava de ter um país normal, mas como nos alimentamos desta dicotomia entre esquerda e direita, com soluções cada vez mais extremadas de um lado e do outro ficamos todos presos na chalupice. E de vez em quando a chalupice acontece mesmo, tipo comprar uma companhia aérea em plena pandemia. Não se conhece outro caso.
E avançar com o novo aeroporto…
Voltamos novamente aos grupos de pressão. Vamos a um exemplo prático: vamos perguntar aos ambientalistas qual é a melhor localização? Não. Se lhes vamos perguntar se concordam com aeroportos novos vão dizer sempre que não e vão sempre arranjar pretextos para que não se façam. Uma das coisas que os ambientalistas se queixavam era que havia um risco grande no Montijo, que, com as alterações climáticas, a subida do nível da água iria invadir a pista. Bom, se a subida do nível da água invadir a pista do Montijo, então o Terreiro do Paço ficaria debaixo de água. Este é o nível de chalupice em que estamos, mas alguém levou isto a sério. Foi discutido e tudo. O ambientalista vai sempre dizer que é contra e vão sempre arranjar um pretexto qualquer para não fazer e depois entramos na parte dos cheques, em que tem de se pagar à Força Aérea para sair… Outra coisa espetacular. Então o Estado vai pagar à Força Aérea para sair? Mas a base aérea é de quem? Dizem que é da Força Aérea porque fizeram um acordo, mas é a mesma Força Aérea que mantém uma base aérea na Portela, outra em Sintra e outra em Alverca, que está alugada. Depois também os autarcas têm de ser compensados por terem um aeroporto, em vez de ficarem felizes por verem o desenvolvimento do seu concelho.
Durante menos de 24h ficamos com a ideia de que ia haver solução…
Sim, mas no meio disto tudo a única coisa que é preciso são uns barracões, uma pista de alcatrão para aterrarem os aviões low-cost, que é aquilo que temos em N cidades europeias. Estamos a discutir a solução para fazer o maior aeroporto do mundo, porque, na verdade, fazer um aeroporto em Alcochete representa estar a construir um aeroporto do tamanho de Barajas, com a diferença de que Espanha é quatro vezes maior do que nós. E as pessoas levam isto a sério. É chalupice. Um novo aeroporto com uma capacidade para receber 60 ou 70 milhões de passageiros, sendo que Lisboa não tem capacidade para receber tanta gente. Lisboa não é do tamanho de Madrid.
O PSD aí também entra na equação e diz que só negoceia com o primeiro-ministro…
Sim, o PSD é ‘culpado’ e é responsável de muitas coisas no processo do novo aeroporto, a começar pela sua mudança de ideias. O Montijo é uma ideia que começou com Pedro Passos Coelho, depois veio Rui Rio e sentiu necessidade de negar o pai, a mãe, os tios e os primos e achar que o caminho para a pureza da social-democracia era outro e, portanto, o aeroporto tinha de ser outro. Mas Rui Rio tinha um problema mais básico: não gostava de construir coisas em Lisboa. Espero rapidamente que as coisas se endireitem e deem um barracão para os aviões aterrarem.
Montenegro é a solução para fazer uma forte oposição ao Governo?
Os problemas do país não se resolvem só com fortes oposições. O problema do país não é a ausência da oposição, seria se este Governo fosse reformista. O problema é que o Governo não quer fazer reformas. Este não é um Governo reformista, nem nunca foi essa a escola de António Costa, pelo contrário. Mexer em coisas é algo horrível. Os problemas prolongam-se e agravam-se, mas esse não é o ADN deste primeiro-ministro socialista, mas já foi de outros, portanto, não se resolve com forte oposição. Não é uma questão da oposição, é mesmo uma questão de políticas, de mudanças estruturais. A pergunta certa não devia ser se Montenegro será melhor líder da oposição do que foi Rui Rio, é se Montenegro será melhor primeiro-ministro do que António Costa. E a resposta é sim, em princípio, sim.
Mas tem de esperar pelas próximas eleições ou que o Governo está tão desgastado que não aguenta os quatro anos?
Não sei é se o país aguenta os quatro anos, com a rutura dos serviços públicos, com o cansaço que o próprio Governo tem. Mas é natural que tenha, porque António Costa é primeiro-ministro há sete anos. E, se partirmos do princípio de que há sete anos, quando formou o Governo, ligou a todas as pessoas que considerava os melhores para os cargos e que, na altura, alguns disseram sim, outros disseram que não. Então, a certa altura, a agenda telefónica esgota-se e esgotou-se há muito tempo. E quem passou mais anos no Governo não é a solução, porque o país não está melhor. A experiência não é a melhor solução.
Costa tem agora no Governo os três possíveis candidatos à liderança do PS…
Acho que agora só tem dois.
Pedro Nuno Santos ficou de fora?
Mas vai voltar e se tivesse de fazer de Marques Mendes diria que vai ser inevitavelmente o secretário-geral do Partido Socialista. É inevitável, está escrito nas estrelas. Nem vou à parte dos votos ou quem domina mais a máquina. Ele quer muito e nota-se que quer muito e, normalmente, em Portugal, quando as pessoas querem muito qualquer coisa, têm. É uma questão de fazerem por isso.
Ao contrário de Rui Rio?
Não quis muito. Se tivesse querido muito teria feito as coisas de outra maneira.
Além desses problemas todos, continuamos com outro e que se repete todos os anos, que é o caso dos incêndios e com polémicas à mistura, com a secretária de Estado a dizer que a área ardida este ano deveria ‘ser 30% superior’ segundo um ‘algoritmo’…
Voltamos à velha questão da exigência, as pessoas raramente racionalizam isto desta forma, mas o que vemos sempre é o Governo a proteger alguém e a proteger os serviços. O Governo deixou de ser o Governo dos portugueses, passou a ser o Governo dos serviços públicos. E, pior, a carreira de ministro e de secretário de Estado – vimos isso com a composição deste Governo e com o PSD não será diferente, temo o pior – é que o cargo de ministro passou a ser o mais alto cargo da carreira de um funcionário público. Só os funcionários públicos é que estão disponíveis para ir para lá e são aqueles que podem dar-se a esse luxo. Em vez de serem diretores gerais passam a ser ministros. Portanto, quando um ministro vem da carreira é natural que proteja os seus colegas. O caso da ministra da Saúde é pragmático porque é colega. Vai ser exigente onde? E temos isso em cada vez mais ministérios. A secretária de Estado da Proteção Civil era da Proteção Civil. Vai dizer o quê? Que a Proteção Civil falhou? Alguém estava à espera que uma pessoa que vem da Proteção Civil vá dizer aos colegas que estão a fazer mal? Eles também podem responder também estiveste aqui e não fizeste melhor.
Por que diz que teme o pior no PSD?
Porque fomos na conversa dos conflitos de interesses e da exclusividade, uma conversa que começou pela extrema-esquerda. Por exemplo, hoje em dia temos diretas na maior parte dos partidos. Quem é que se pode candidatar a umas diretas? Só alguém que tenha uma disponibilidade 24 horas, pelo menos, durante um mês, para fazer uma campanha interna. Só um patrão é que permite que o seu funcionário vá fazer um mês de política para ver se ganha um partido que é o Estado. E depois não é só um candidato, tem de ter uma equipa atrás. E não é remunerado porque são eleições internas para o partido. A certa altura temos de alimentar este exército de pessoas porque elas têm de comer ao final do mês. Portanto, são todos funcionários políticos.
E como vê as polémicas em torno do PRR que era visto como tábua de salvação?
Nunca foi visto como tábua de salvação. Não sei quem é que acreditou nisso. O PRR é o complemento do Orçamento de Estado para compensar os serviços públicos de todos os investimentos que não foram feitos durante anos porque a máquina engole todo o dinheiro que lá se põe. Por muito que se aumente a receita fiscal fica sempre a faltar dinheiro, o que é uma coisa extraordinária. O PRR vai servir para comprar computadores e para calafetar as janelas dos edifícios públicos.
O tecido empresarial fica de fora…
E ficaria sempre. Há uma secretária de Estado deste Governo, que é a do Comércio, Serviços e Turismo, Rita Matos, que representa 70% da economia. O que quer dizer que todos os outros estão a tratar do Estado. Aquilo que a ministra da Agricultura vai ouvir é o senhor de Évora falar sobre o curso de agricultura e que precisa de um engenheiro para calafetar as janelas. Aquilo que a ministra da Administração Pública vai ouvir é mais não sei quê, etc. Do ponto de vista de investimento estratégico quanto dinheiro está reservado para as centrais de salinização? Não há. E a seca é um problema que já existia antes. O dinheiro, na prática, foi engolido pela máquina para aquilo que existe e não para aquilo que deve existir, nem tão pouco para melhorar o país. Esse dinheiro deveria ter servido para fazer investimentos estruturantes de que o país precisa. Não estou a falar de autoestradas. Pelo contrário, devíamos estar a arrancar autoestradas.
Nem para a ferrovia…
A ferrovia é outro caso. Não é uma questão de ser contra ou a favor. É uma questão de racionalidade. Temos três autoestradas para Porto, bem ou mal, alguém as fez e estamos a pagá-las. O contribuinte paga todos os dias as autoestradas que estão feitas. Depois temos uma companhia aérea que é do Estado a fazer o transporte de passageiros de Lisboa para o Porto. E depois temos uma linha de comboio. E alguém acha que o melhor é gastar ainda mais dinheiro para fazer a renovação da linha do comboio para termos comboios novos para fazer concorrência com aquilo que o próprio Estado já tem, sendo que o número de passageiros entre Lisboa e Porto não aumentou. A ferrovia fazia sentido, enquanto investimento estruturante? Claro que sim, mas o que fazemos aos milhares de quilómetros autoestrada que fomos construindo ao longo dos anos? Desmantelamos? Pelo menos, deixem-nos pagar antes. Ao que vamos assistir? Vamos assistir aos ministros a chegarem ao Conselho de Ministros e a distribuírem o bolo. Só há um que não trata do Estado e só há um que não era funcionário público que é o ministro da Economia.
E que análise faz do seu trabalho?
Pode ser o melhor ministro do mundo, mas a prioridade é o Estado, não é o país.
E Fernando Medina?
Se António Costa fosse competente, o país seria uma superpotência porque é de longe o melhor político português, mas de há muitos anos. Pedro Nuno Santos tem de responder a Fernando Medina, pode decidir tudo o que quiser, mas não há cheque se Fernando Medina não autorizar e as relações entre os dois não são propriamente as melhores. António Costa conseguiu fazer um mecanismo de controlo, mas sobretudo para as finanças do país acho que Fernando Medina não é uma má ideia, mas para finanças puras e duras que é não gastar mais do que aquilo que se tem. E um país tão controlado pelo Estado precisa de um ministro das Finanças forreta, caso contrário, era um descontrolo ainda maior.
Mas esteve agora envolvido em polémica em torno da contratação de Sérgio Figueiredo…
E Sérgio Figueiredo era uma má contratação para as Finanças? Honestamente não sei se era. Sei que a discussão perdeu-se nas acusações fáceis. Não estou a defender Sérgio Figueiredo, estou a defender a contratação. Ainda bem que o ministro das Finanças quer ir buscar um consultor sénior, mas isso depois revela dois problemas: ninguém quer ir trabalhar para o Estado e para arranjar alguém tem de ser pago ao nível do ministro. Isso é que é preocupante.