A tensão aumenta junto do Governo. Costa Silva tem vindo a multiplicar-se em anúncios. Ainda na segunda-feira acenou que quer uma descida do IRC no Orçamento do Estado para 2023, mas que seja “transversal”. Esta medida ainda está sujeita a negociação, tanto em sede do Orçamento que será conhecido no próximo dia 10 de outubro como no acordo de rendimentos e competitividade, mas recordou o discurso da tomada de posse do Governo, em que foi “claramente” manifestada a intenção de reduzir o IRC, uma vez que “o Programa do Governo fala numa redução seletiva do IRC”. E agora voltou a mostrar essa intenção: “A minha esperança é que essa redução [de IRC] não seja só seletiva, mas seja global”, lembrando que “era um sinal muito grande que se poderia dar a todo o nosso tecido produtivo”, fazendo assim pressão sobre o ministro das Finanças que tem vindo a alertar para as restrições orçamentais e para os riscos e incerteza em 2023.
Uma posição que já levou Fernando Medina a afastar o cenário de o Governo estar a falar a duas vozes. “Não seria próprio nesta fase trazermos para fora da mesa da negociação aquilo que está a ser tratado na mesa de uma negociação complexa que envolve muitos parceiros. Na matéria do IRC, como em toda a matéria do acordo, o Governo tem uma voz. A voz que é definida coletivamente, a voz do primeiro-ministro e dos ministros que participam na negociação. Pelo menos, irei aguardar pelo final da negociação para falar sobre o assunto”, afirmou.
O responsável pela pasta das Finanças considera que não é adequado antecipar posições nesta fase, admitindo, contudo, que estão a ser discutidas várias medidas, nomeadamente em matéria fiscal e que não quer ver estas questões debatidas em praça pública. “Estão a ser discutidas várias matérias que se prendem com a competitividade das empresas que estão em muitas áreas: o sistema científico e tecnológico, recursos humanos, acesso a novos mercados, na forma como podemos aproveitar este processo de deslocalização de atividades económicas da Ásia de novo para a Europa e para o nosso país de forma mais intensa e também, naturalmente, as questões de natureza fiscal. Tenho, aliás, expressado a opinião de que o país tem de fazer uso de todas as ferramentas que tenha para a melhoria da sua competitividade. Mas não me parece adequado, nesta fase em que decorrem negociações com os parceiros sociais, estar a antecipar esta ou aquela decisão sobre esta ou aquela matéria em concreto. É meu entendimento, como participante ativo desse processo negocial, que esta é a fase de uma negociação que tem de envolver estas negociações todas”, acrescentou.
Já ontem Costa Silva voltou a falar, mas desta vez sobre o crescimento económico ao garantir que os sinais estão aí e não dão grande esperança em relação ao futuro. “Provavelmente, no último trimestre deste ano já vamos ter um abrandamento da economia”. E acrescentou: “Vamos entrar no inverno. Se chegarmos ao inverno e a Rússia pura e simplesmente cortar o abastecimento de gás à Alemanha vamos ter uma convulsão em termos desmarcados. Temos de nos preparar para isso”. No entanto, remete os números do próximo ano para Fernando Medina. Mais uma vez, passando “a bola” ao responsável pelas “contas certas”.
Sinal de imaturidade Para Paula Espírito Santo, especialista em ciência política, estes dois episódios mostram que não estamos a assistir a uma articulação entre duas pastas que têm algumas convergências e proximidades. “Até pelo contrário, o que verificamos é que estamos a existir a uma incapacidade de comunicação pública que seja coerente e que faça sentido, pois tudo mostra uma verdadeira contradição”, diz ao i. E vai mais longe ao considerar que são duas personalidades políticas que não estão em conjugação e, no seu entender, “aparentemente a economia está a querer fazer a dianteira sobre as finanças mas depois publicamente também dá má imagem do Governo”.
De acordo com a especialista não há margem para dúvidas: “Publicamente, Fernando Medina tem muito mais bases para vingar as suas posições, já foi autarca e tem mais notoriedade pública e provavelmente a sua palavra será sempre muito mais respeitada nas decisões que serão tomadas, até pela proximidade que tem com António Costa”, apesar de reconhecer que os dois têm uma grande proximidade com o primeiro-ministro.
Já em relação ao comportamento de Costa Silva garante que dá sinal “de alguma imaturidade política, porque poderá sair diminuído ou colocado em xeque”, daí considerar que tem menos capacidade de conseguir resolver aquilo que é uma contradição anunciada.
Paula Espírito Santo acredita que até ao Orçamento do Estado, o primeiro-ministro não irá fazer nenhum tipo de clarificação em relação a este caso, uma vez que entende que isso seria desautorizar ou diminuir uma das duas pastas que são fundamentais para o país. E até lembra o episódio que se verificou com Pedro Nuno Santos em relação ao novo aeroporto. “Estamos perante pastas e situações diferentes e continuamos sem saber em que circunstâncias é que isso aconteceu e que pressões houve na altura”. Já em relação a este caso acredita que não haverá necessidade de António Costa intervir, até porque, se “o fizer dá a entender que não há capacidade de diálogo dentro do Governo e quando as duas pastas devem estar muito próximas do que aquilo que aparentam estar”.
E deixa um alerta: “O que vai ser decisivo vai ser a discussão do OE e algumas destas medidas que têm de ser concretizadas com o Governo provavelmente vão ser muito mais discutidas e mais descortinadas publicamente, mas acho que nas próximas três semanas vai haver uma mensagem menos pública sobre as decisões a tomar depois do OE. E também aí saberemos se há boa ou má articulação entre os dois”.
Quando questionada se algum terá de abandonar as suas funções diz apenas: “A decisão política é sempre do primeiro-ministro e provavelmente já perceberam que não podem ter este tipo de desentendimentos públicos porque não é boa altura para existirem”, lembrando que o “Governo é feito de personagens políticas, algumas com maior capacidade de articulação e de comunicação e outras menos. Aqui Costa Silva aparentemente é um ministro menos eficaz na comunicação, pelo menos, em relação com o seu colega das Finanças”.
Mas vem aí um cenário de recessão? Os dados não são animadores. O Bundesbank prevê uma recessão na economia alemã no inverno devido à escassez de fornecimento de energia causada pela guerra da Rússia contra a Ucrânia. No boletim de setembro, publicado no início da semana, os economistas veem sinais crescentes de que a economia alemã entrará em recessão, o que consideram ser “um declínio acentuado, grande e duradouro da produção económica”.
Os alarmes também já soaram em relação à maior economia mundial, mas aí as contas são diferentes. No segundo trimestre, a economia norte-americana contraiu 0,6%, ou seja caiu dois trimestres consecutivos e, como tal, o país encontra-se, por definição, em recessão técnica. No entanto, os EUA não utilizam o conceito de dois trimestres consecutivos de contração para declarar uma recessão, ao contrário da maioria das principais economias mundiais. Para oficialmente existir recessão nos Estados Unidos é necessário que o National Bureau of Economic Research (NBER), um grupo independente de oito economistas, declare que a maior economia mundial se encontra em recessão.
Instabilidades a que a economia portuguesa não ficará alheia. Mira Amaral diz que as projeções de crescimento em cadeia já estão a revelar uma desaceleração e que as estimativas para 2023 já mostram um crescimento do aumento do défice na ordem dos 2%. “O que tivemos este ano foi uma coisa espetacular, mas derivada do turismo. Em 2023 voltamos à cepa torta. As projeções do FMI já mostram que em 2023 vai-se esgotar este efeito”.
A hipótese de recessão em relação à economia portuguesa não surpreende o analista da XTB. “Há vários meses que já tínhamos alertado para essa possibilidade. Embora Portugal seja o país da Zona Euro que mais deve crescer este ano, continua muito vulnerável aos eventos externos que afetam também a economia nacional”, diz ao i Henrique Tomé, lembrando que “em Portugal os elevados níveis de dívida e a fraca atividade económica, que se refletem nos números do PIB, são sem dúvida um ponto importante de se acompanhar. Além disso, a inflação em Portugal permanece elevada e o aumento generalizado dos preços tende a prejudicar o desempenho da atividade económica, uma vez que as perspetivas de consumo começam a ser revistas em baixa”.
E face a este cenário admite que “é muito provável que sejam revistas em baixa durante os próximos meses, sobretudo no primeiro trimestre do próximo ano”. Ainda assim, para este ano, afasta um cenário de recessão, mas reconhece que “durante o próximo ano ou dois anos existem sérios riscos de assistirmos a um abrandamento significativo da economia”, daí defender que “não se pode descartar esse cenário neste momento”.
Já em relação ao comportamento da economia alemã, o analista garante que irá influenciar no sentido em que o Banco Central Europeu deverá ajustar as políticas monetárias de acordo com as necessidades das maiores economias europeias, “sendo que os restantes países como Portugal deverão ser afetados por essas mudanças em matéria de políticas monetárias”.
Incerteza em relação à contração Também para Mário Martins, analista da ActivTrades, “é expectável um arrefecimento da economia, que levará quase inevitavelmente a uma recessão, sendo a única incógnita a dimensão da contração”. E lembra que o “pior cenário para a economia da zona euro está a concretizar-se, nomeadamente na redução da atividade económica industrial, devido ao preço do gás natural, ao que se junta a redução do consumo privado decorrente do aumento dos juros, que irá condicionar significativamente a disponibilidade financeira das famílias e empresas”.
Quanto à instabilidade da economia alemã garante que, apesar de estarmos mais expostos à espanhola, “é evidente que uma contração na maior economia da zona euro terá um efeito nefasto na economia nacional, seja de forma direta, como indireta”, refere ao nosso jornal.
Uma opinião partilhada por Paulo Rosa, economista sénior do Banco Carregosa. “A Alemanha é a seguir à Espanha o maior destino das exportações portuguesas. Além disso, a Alemanha é o maior contribuinte líquido da União Europeia, logo uma recessão económica germânica é sinónimo de dificuldades financeiras acrescidas nos outros países membros. Ainda na semana passada, o Instituto Ifo alemão de Pesquisa Económica reduziu as suas previsões para o crescimento alemão, declarando que a Alemanha está a entrar numa recessão de inverno. O Ifo antecipa também que a maior economia da Europa encolherá 0,3% em 2023”, diz ao i.
E o cenário de entrarmos em recessão é considerado como “uma probabilidade cada vez mais exequível à medida que o inverno se aproxima e as perspetivas de uma recessão da maior economia europeia é uma certeza para muitos analistas”. E explica a razão: “Uma contração do motor económico europeu poder-se-á alastrar facilmente às restantes economias da zona euro, nomeadamente as mais vulneráveis como a portuguesa. A aceleração das subida dos juros pelo BCE também terão um impacto significativamente negativo na economia nacional. Todavia, o rácio da dívida pública germânica inferior a 70% do PIB poderá oferecer alguma margem de manobra a incentivos enérgicos pelo governo alemão quer à sua economia, quer às economias dos membros mais fragilizados da zona euro”.
Paulo Rosa lembra ainda que a economia portuguesa tem sido beneficiada, nomeadamente no primeiro semestre deste ano, pela reabertura da atividade e pelo aumento da procura depois de dois anos de pandemia. “Além do consumo privado, o setor do turismo foi uma das principais variáveis que justificou o bom desempenho da economia na primeira metade do ano. Certo é que à medida que o verão termina, e com ele os impulsos do turismo e do consumo privado, e o inverno se aproxima, e com ele todas as dificuldades que se avizinham devido à crise energética, a probabilidade de uma acentuada desaceleração da atividade e contração económica ganham relevância”.
E os alertas não ficam por aqui. “A crise energética, mais acentuada na Europa, e a subida dos juros pelo BCE para travar a inflação mais alta das últimas décadas, e diminuir o diferencial das taxas de juro do euro relativamente ao dólar americano, elevam cada vez mais as incertezas quanto ao futuro. E a incerteza é uma das principais variáveis que retraem os agentes económicos, culminando muitas vezes em recessão. Diante das perspetivas de diminuição dos gastos pelas famílias e redução dos investimentos pelas empresas, é bem possível uma revisão em baixa pelo Executivo português das anteriores metas económicas mais otimistas”, salienta.
2023 mais pessimista Se para o último trimestre do ano, os dados não são animadores para 2023 pioram. Os especialistas da Allianz Trade*, acionista da COSEC, mantêm a estimativa de um crescimento de 6,3% do produto interno bruto (PIB) de Portugal neste ano de 2022. Mas para o próximo ano antecipam agora uma contração de 0,3%, quando, em julho, acreditavam que a economia nacional poderia expandir 1,7% em 2023.
Quanto à inflação foram revistas em alta as suas previsões, devendo situar-se nos 7% neste ano e nos 4,3% em 2023. Anteriormente, a estimativa era de uma inflação de 5,6% em 2022 e de 3% no próximo ano. “A guerra na Ucrânia, a escalada dos preços da energia e a quebra de confiança das empresas e famílias continuam a penalizar a evolução das economias”, daí estimarem que “a zona euro irá entrar em recessão no próximo ano” e, como tal, a médio prazo, as perspetivas económicas não são muito animadoras. “Os preços da energia devem continuar elevados, a limitação no fornecimento de gás natural, conjugada com a incerteza geopolítica persistente e com as limitações ao nível das políticas, fazem aumentar os receios de um prolongamento da recessão em 2024. A Alemanha, que tem uma economia assente numa indústria fortemente exportadora, será uma das geografias que vai enfrentar um contexto económico desafiante”, afirma Ludovic Subran, economista-chefe da Allianz.
Também a taxa de inflação não parece dar tréguas. Entre as quatro principais economias do euro, a Alemanha deverá ser uma das que estará a braços com uma das taxa de inflação mais elevadas: 8,5% neste ano e 6,2% em 2023. No caso da economia francesa, este indicador deverá atingir os 5,5% em 2022 e 4,3% em 2023. Já a Espanha deverá fechar este ano com uma taxa de inflação de 9% e no próximo ano atingir os 5,7%.
À escala mundial, de acordo com o mesmo estudo, as previsões apontam para que a taxa de inflação neste ano seja de 7,9% e de 5,3% em 2023. Os Estados Unidos da América, a maior economia do mundo, deverá registar uma inflação de 7,8% em 2022 e de 2,9% no próximo ano. Já a China, a segunda maior economia do mundo, deverá terminar o ano com uma subida dos preços na ordem dos 2,1% e de 2,2% no próximo ano.