Rendas. Senhorios falam em “ilusionismo” nas compensações

Governo anunciou uma compensação de 45 milhões para compensar o travão de 2% no aumento das rendas, mas presidente da Associação Nacional de Proprietários garante que esse valor só será usado em 2024, quando for apresentada a declaração de IRS.

Por Daniela Soares Ferreira e Sónia Peres Pinto 

O Governo acenou esta segunda-feira com 45 milhões de euros como uma forma de compensação fiscal que será dada aos senhorios pela introdução de um limite de 2% na atualização das rendas em 2023. Essa foi uma forma encontrada pelo Executivo para contornar a taxa de inflação, seguindo o exemplo de Espanha.

Uma medida que não agrada ao presidente da Associação Nacional de Proprietários. “É tudo muito estranho, além do ilusionismo há agora uma antecipação super providente. Este valor que estamos a falar de compensação aos senhorios de 45 milhões de euros só terá efeito em 2024. Como é que isto aparece no Orçamento de 2023?”, questiona ao i. 

António Frias Marques lembra ainda que essa compensação só será feita quando for feita a entrega do IRS em 2024, referente aos rendimentos do ano anterior.

“Os senhorios vão estar impedidos de usufruir da atualização do valor de rendas ao ser imposto um teto máximo de 2%, mas os senhorios entregam o IRS referente a 2023 até 30 de junho de 2024. Isto é um ilusionismo, porque o Estado só vai ter que mobilizar esta verba em 2024. Isto é uma trapalhada de todo o tamanho”. E acrescenta: “Os dinheiros públicos em 2023 não se mexem e, ainda por cima, essa verba só vai ser disponibilizada no segundo semestre de 2024 e entra no Orçamento do Estado em 2023? Isso é pura propaganda”.

António Frias Marques também questiona o número de senhorios que o Governo apresenta na proposta de Orçamento do Estado de um milhão. “Esse número é uma propaganda descarada porque mistura proprietários com senhorios, o que não é propriamente a mesma coisa. A maior parte dos portugueses são proprietários, nem que sejam inquilinos dos bancos. O senhorio é aquele que põe a sua propriedade no mercado de arrendamento. É nítido que este número de um milhão é para dizer que agrava a todos”, salienta. 

E questiona ainda a taxa de IRS que foi dada como exemplo pelo ministro das Finanças que vai desde 28% até 10%.

“Essa é outra trapalhada. Há muitos senhorios que fazem o englobamento dos rendimentos e, com isso, não descontam os 28% e só descontam, por exemplo, 14,5%. Esta taxa de 28% é de grosso modo para proprietários que tenham rendimentos relativamente elevados. E temos uma série de proprietários que não pagam 28% porque têm rendimentos muito baixos e acumulam os rendimentos das reformas de 400 e 500 euros – que é o que a grande maioria recebe – e depois acumulam com o rendimento que têm da propriedade de 500 euros, perfazendo mil euros mensais e por isso compensa fazer o englobamento”, refere. 

As dúvidas não ficam por aqui. O presidente da Associação Nacional de Proprietários garante que há uma série de proprietários que nem sequer vão aumentar as rendas face à elevada incerteza económica. “O que temos vindo a recomendar aos senhorios é que quando as rendas têm valores superiores a 500 ou 600 euros não devem mexer no valor e, como tal, não devem aplicar o coeficiente de atualização, porque da maneira com as coisas estão os inquilinos podem entrar rapidamente em incumprimento”.

Mas isso levanta outras questões: “O que acontece? Deduzo que mesmo esses proprietários que não vão atualizar as rendas vão receber essa compensação do Governo, mesmo sem terem aumentado os valores. Isto é um absurdo. Isto vai ser a balbúrdia do Oeste completa, porque há milhentas situações e não há nenhum programa informático que preveja todas as situações: porque há aqueles contratos que foram feitos no arrendamento acessível e que não terão direito a poder aumentar as rendas – estão isentos de todos os impostos, incluindo o IRS – e que nada lhes é devolvido, há aqueles que não aumentam por opção e os que sobem por sua decisão”, diz ao i. 

Mercado afetado pelo teto máximo? Para António Frias Marques, o teto máximo de 2% foi uma medida aprovada pela maioria do Governo que existe na Assembleia da Republica e, que no seu entender “é inenarrável”, uma vez que, não traduz confiança. “Quando tomamos uma decisão económica de colocar o imóvel no mercado temos que ter garantias do que vai acontecer, e este Orçamento do Estado fala numa medida passageira, quando não sabemos o que vai acontecer devido à incerteza provocada pela guerra, nem com este tipo de Governos”. E questiona ainda como é que em 2024 vão ser acumulados os índices de inflação. “Vai acumular 2% que é um índice administrativo ou o Governo vai acumular 5,4%?”, questiona.

Argumentos diferentes têm os profissionais do setor. Paulo Caiado, presidente da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP) garante que o Governo “não pôs nem poderia pôr qualquer travão nos preços”, afirmando que “o Governo interveio no coeficiente que determina o aumento dos arrendamentos em curso com a perspetiva de compensar por via do IRS a percentagem do aumento que não se verificou”. E diz que os proprietários de casas são “na sua esmagadora maioria impactados pelo aumento do custo de vida e seguramente é relevante para a generalidade a rentabilidade que auferem com os seus imóveis, não vejo porque motivo iriam dispensá-la”.

Por sua vez, Ricardo Sousa, CEO da Century21 Portugal, acredita que estas subidas não levarão os proprietários a retirar os seus imóveis do mercado “até porque, infelizmente, a maioria do mercado de arrendamento ainda é informal”.

Já Beatriz Rubio, CEO da Remax, defende que para a maioria dos senhorios, “os seus arrendamentos são uma fonte de rendimentos estáveis, a muito longo prazo”. No entanto, chama ainda a atenção para o facto de estarem “acauteladas medidas compensatórias para os rendimentos prediais em sede de IRS e IRC, pelo que poderá levar alguns proprietários a retirarem os seus imóveis, serão outros fatores, sempre existentes, como a má relação com os arrendatários, o incumprimento destes das regras definidas contratualmente, atrasos nos pagamentos, entre outros”.

A responsável diz ainda que alguns proprietários podem decidir “pôr término aos seus contratos para darem entrada do imóvel a uma renda maior pois o travão dos 2% não lhes é satisfatório – mesmo esta decisão poderá ser-lhes financeiramente prejudicial, caso o imóvel esteja alguns poucos meses para ser de novo arrendado”.

Face a esta opinião, Beatriz Rubio é perentória: “Não se crê que o travão nas subidas das rendas poderá levar, por si só, os proprietários a retirarem os seus imóveis do mercado, mas apenas em conjugação com outros fatores pré-existentes”.

Negócio rendeu 5,9% É certo que o valor da renda média tem vindo a diminuir. De acordo com os últimos dados do Imovirtual, o valor caiu 15,4% em setembro, fixando-se em 1 194 euros, um valor mais próximo dos registados no final do primeiro trimestre. Ainda assim, os valores estão 18,7% mais altos que no mesmo período de 2021.

“Desde janeiro que não se registava um decréscimo da renda média, que tem vindo a aumentar gradualmente desde o início do ano. Em relação ao ano anterior, quando a renda média se fixava nos 1 006 euros, há um aumento de 18,7% (cerca de 180 euros mais cara)”, diz o estudo.

Ainda assim, arrendar tem dado mais lucros. A rentabilidade bruta da compra de uma casa em Portugal para colocá-la no mercado de arrendamento foi de 5,9% no terceiro trimestre de 2022, um valor 0,2 pontos percentuais (p.p) superior à calculada para o mesmo período de 2021 (5,7%), revelou o idealista. Aos dias de hoje, a rentabilidade na habitação é inferior em 0,6 p.p em relação à observada no terceiro trimestre de 2020, de 6,5%.

Por capitais de distrito, é em Santarém onde é mais rentável a compra de casa para investimento, sendo o retorno na ordem dos 7,6%. Seguem-se Viana do Castelo (7,2%), Leiria (6%), Coimbra (5,9%), Braga (5,6%), Funchal (5,2%), Setúbal (5,1%), Viseu (5,1%) e Porto (4,7%). Pelo contrário, a rentabilidade habitacional mais baixa é obtida pelos proprietários das casas arrendadas em Lisboa (3,8%), Aveiro (4,3%) e Faro (4,5%).