«É um orçamento na linha dos anteriores. Tem como prioridade a redução do défice, o que agora é facilitado pelo clima inflacionista, e utiliza os truques habituais para fingir que a austeridade afinal não existe». É desta forma que João César das Neves avalia a proposta de Orçamento do Estado para este ano. E o economista reconhece que «o cenário, sem ser irrealista, está claramente na banda otimista das possibilidades, ignorando sinais crescentes de graves problemas no futuro», diz ao Nascer do SOL.
Em causa está o frente-a-frente entre o Governo e o Fundo Monetário Internacional (FMI).A entidade liderada por Kristalina Georgieva melhorou ligeiramente, esta semana, as perspetivas de crescimento da economia portuguesa deste ano para 6,2%, mas cortou as do próximo ano para 0,7%, revelando-se mais pessimista do que o Governo, mas dias antes tinha apontado para o risco de uma recessão mundial e que o mundo entrará agora numa época de «fragilidade e volatilidade».
Um risco que poderá trocar as voltas de Fernando Medina, mas que não deixa o Ministro das Finanças ‘inseguro’, ao referir que «o país está preparado para cenários mais adversos», caso se concretizem, defendendo que ganhou espaço orçamental com a estratégia seguida em 2022. «Estabilidade, confiança e compromisso» são defendidas pelo governante como as palavras-chave do documento, sem esquecer a famosa expressão das ‘contas certas’, por entender que mantém a trajetória da redução da dívida pública e do défice.
Apostas essas que colocam algumas dúvidas a César das Neves mas entende que tudo depende do ponto de vista. «É evidente que Portugal precisa de controle nas contas públicas e, nesse sentido, as necessidades estão satisfeitas. Mas isso é feito à custa, não de uma racionalização do aparelho público, mas de uma forte carga fiscal, que se mantém em máximos históricos. Além disso, perante a crise, os apoios a famílias e empresas são modestos, apesar da retórica que, aliás é ainda mais bombástica e vácua neste Ministro do que nos anteriores», diz ao nosso jornal.
E garante que há dois aspetos se destacam tradicionalmente pela ausência no Orçamento: os pobres e o crescimento. «O Governo está apostado na classe média, onde estão os votos. Está mesmo obcecado com ela. Mas se ela está no centro da eloquência (em especial nas descidas do IRS), ela é quem mais paga nos impostos, sobretudo os indiretos (IVA e afins) que passam despercebidos», esquecendo, no seu entender, os mais necessitados. Por outro lado, garante que o Governo continua sem compreender as necessidades de promoção de um verdadeiro desenvolvimento económico nacional. «É um mestre em retórica, multiplicando as medidas para poder dizer que acode a tudo, mas em ambos os casos a oratória fica muito aquém da realidade, mantendo um sistema que continua muito injusto com um crescimento medíocre». Mas lembra que, nenhum documento ‘satisfaz’ portugueses e empresas, porque trata dos impostos, que pesam muito. Mas afirma que «a roupagem é muito sedutora».
Empresas em segundo plano
Apesar de reconhecer que as empresas foram alvo de uma série de medidas, César das Neves garante que «entre as que surgem e as que são eliminadas, pouco beneficiam», garantindo que duvida que o PRR, «protagonista deste OE, venha realmente a apoiar as empresas e o progresso, pois está centrado na construção e no Estado».
Para o presidente da AIP, José Eduardo Carvalho, «este Orçamento tem avanços, mas claramente ainda temos caminho a percorrer no desejável aumento da produtividade e competitividade das nossas empresas», ao lembrar que o enquadramento macroeconómico deste orçamento e as suas medidas representam um equilíbrio entre, por um lado, ajudar a economia e, por outro, a necessidade de prudência orçamental dada a elevada dívida pública existente e a necessidade de conter a inflação.
«Estas medidas vão, assim, no sentido contrário à promoção do crescimento económico por via do investimento empresarial e produtivo. Dever-se-ia aproveitar a almofada do aumento da receita fiscal (até julho de 2022 tinha crescido 22%, representando mais de 5,4 mil milhões de euros; e prevê-se que até ao final do ano aumente 15,9%, até + 7,4 milhões de euros) para apoiar mais as empresas no atual contexto económico, ao invés de privilegiar novamente a despesa estrutural do Estado», refere ao Nascer do SOL.
E acena com a redução do IRC a todos os setores da atividade económica que ainda não concretizada. «Reduzir IRC de forma seletiva para empresas abrangidas por contratação coletiva dinâmica, e que procedam a aumentos salariais, merece alguma reflexão e será avisado que as confederações empresariais façam um debate interno sobre o assunto», defendendo que que o incentivo fiscal deveria ter como primeira prioridade fazer crescer o investimento e a produtividade da economia, para garantir mais crescimento económico.
Em causa está a medida que prevê que sejam majorados em 50% todos os custos – quer remuneração fixa, quer contribuições sociais – inerentes a valorizações em linha com o acordo, desde que haja uma atualização salarial de 5,1% em 2023.
O presidente da Associação Empresarial de Portugal (AEP) garante ao i que esta proposta tem algumas condicionantes. «Como se costuma dizer ‘o Diabo está nos detalhes’, aparentemente é uma coisa boa, mas depois implica que haja um aumento dos salários médios, que haja uma redução da disparidade salarial, ou seja, implica uma série de questões e, como tal, não é assim linear».
E para Luís Miguel Ribeiro ainda que há outro problema. «O Orçamento do Estado para 2023 contempla esse incentivo fiscal ao nível do IRC para quem aumentar salários acima de 5%, etc. Mas depois de serem aumentados, não podem mais diminuir e no ano seguir pode não haver incentivos. Ou seja, a empresa com base no incentivo para um ano pode estar a assumir encargos acrescidos para os anos seguintes. É um exercício que tem de ser muito bem analisado», refere, acrescentando que não é possível mexer no salário, a não ser que haja uma diminuição do tempo de trabalho.
Já em relação à taxação dos lucros extraordinários, José Eduardo Carvalho reconhece que uma medida que está a ser aplicada em quase todos os países europeus. No entanto, lembra que, em Portugal, estes setores já estavam abrangidos por taxações extraordinárias. Por seu lado, o presidente da AEP lembra que «há muitas empresas que tiveram lucros extraordinários e aparentemente não estão abrangidas. E supostamente é um imposto temporário e extraordinário, mas já vimos impostos com esse caráter e que se vão mantendo permanentes. Veja-se o exemplo da “Taxa Adicional de Solidariedade” aplicada ao IRS, imposta pela troika em dezembro de 2011 e vigora até hoje».