Os preços das casas têm vindo a atingir valores recorde. E os dados do INE não deixam margem para dúvidas, ao subirem 13,2% no segundo trimestre. Entre abril e junho foram transacionadas 43 607 habitações pelo valor total de 8,3 mil milhões de euros, o que representa um aumento, face ao mesmo período do ano anterior, de 4,5% e 19,5%, respetivamente.
E o risco de bolha imobiliária está aí. O aumento das taxas de juro diretoras, a subida da taxa de inflação, aliado ao risco de recessão global poderão levar o mercado a tremer.
A Bloomberg Economics depois de analisar 19 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) chegou à conclusão que o país com maior risco de bolha imobiliária é a Nova Zelândia, seguida da República Checa, Hungria, Austrália, Canadá e Portugal. E nosso país, há dois indicadores que fazem soar alarmes, de acordo com os mesmos dados: o preço das casas é 56% superior ao das rendas e quase 47% superior ao rendimento das famílias.
Mas se do lado dos mediadores, os ânimos estão serenos, os analistas contactados pelo Nascer do SOL reconhecem este risco. De acordo com o analista da XTB, Henrique Tomé, «Portugal tem alimentado a bolha imobiliária há vários anos. O problema entre a oferta e a procura de imóveis é um dos motivos, no entanto, a falta de intervenção no lado do Estado está a provocar grandes desequilíbrios no mercado». E admite que se pode esperar que os próximos dois anos de aumentos das taxas de juro «provoquem fortes correções neste mercado que tem estado extremamente inflacionado».
Uma opinião partilhada por Mário Martins, analista da ActivTrades, ao afirmar que «Portugal já está a enfrentar o rebentamento de uma bolha imobiliária», lembrando que «o simples facto de Lisboa ser a segunda cidade mais cara do sul da Europa para compra de casa, com um preço médio de 4 817 euros por metro quadrado não deixa qualquer margem para dúvidas, nomeadamente pelo reduzido poder de compra, mesmo em Lisboa, quando comparado com as restantes capitais europeias analisadas».
Mais otimista está Paulo Rosa, economista do Banco Carregosa, ao garantir que esse risco depende de vários fatores, desde «a dimensão do aumento dos juros, ao potencial recessão e à atual taxa de esforço das famílias portuguesas».
Os economistas vão reconhecendo os truques que têm sido usados pelos bancos para conceder crédito, uma vez que o travão do Banco de Portugal impõe um máximo de financiamento de 80%. Perante este cenário é frequente o sistema bancário recorrer a ‘truques’ e dar a restante verba em créditos pessoais. Uma situação que poderá levar ao risco de incumprimento.
Procura superior à oferta
O presidente da APEMIP afasta «qualquer tipo de bolha imobiliária em Portugal» ao afirmar que a oferta de imóveis em praticamente todos os segmentos é muito reduzida, logo, a procura interna e também externa é muito superior à oferta. E face a isso «não temos um mercado caracterizado por qualquer tipo de sopro ou artificialidade».
Paulo Caído diz ainda que os imóveis financiados pela banca nos últimos 10 anos estão associados a processos de financiamento que exigiram parte de capital (no mínimo 10 a 20%) aos proponentes e que o volume global financiado anualmente pelos bancos portugueses não ultrapassou 50% do volume financeiro transacionado em cada ano, enquanto os imóveis dos segmentos de valor mais elevado (acima de 500 mil euros) têm reduzida percentagem de financiamento.
No entanto, Beatriz Rubio, CEO da REMAX Portugal, reconhece que o risco de uma bolha imobiliária existe em qualquer economia de livre concorrência. Mas refere que, «no caso de Portugal, os aumentos dos preços são naturais, pois refletem a escassa oferta para a quantidade da procura. Com o tempo e com o aumento do volume de oferta, os preços tenderão a estabilizar (e mesmo em algumas zonas a diminuir) e assim esvanecer o risco de uma bolha».
E acrescenta: «O risco elevado de uma bolha imobiliária existiria sim se a subida dos preços não refletisse o desequilíbrio entre a oferta e a procura».
Já Rui Torgal, CEO da ERA, acena com uma forte componente de residência por parte deste mercado, referindo que é um setor que tem ultrapassado vários ciclos económicos menos favoráveis. «Não acredito na ideia de existir uma bolha imobiliária que pode rebentar a qualquer momento como aconteceu com a crise em 2008. O consecutivo aumento dos preços das habitações tem sido justificado por um forte aumento da procura, pelo investimento estrangeiro e sobretudo pela escassez de oferta. O que poderá vir a existir é um ajuste nos preços dos imóveis, em paralelo com a procura por imóveis nas periferias das grandes cidades por parte das famílias portuguesas», salienta.
E dá como exemplo o aparecimento de novos empreendimentos «com excelente qualidade e boas acessibilidades nas periferias que acabam por ter preços mais apelativos e oferecer uma boa qualidade de vida».
Queda de transações
Ricardo Sousa, CEO da Century 21 Portugal, admite que é expectável uma diminuição do número de transações imobiliárias. Mas afasta um cenário de risco: «Devemos ter em consideração que o mercado imobiliário, as famílias e a banca estão muito melhor preparados, a todos os níveis, para este próximo ciclo». E defende que não existe um excesso de oferta de imóveis residenciais, «até muito pelo contrário», acrescentando que «há mais poupança das famílias e menos endividamento, o desemprego continua com níveis baixos. E se as taxas de juro se mantiverem inferiores a 5%, a nossa estimativa é que em 2023 se registe um número de transações similar a 2019, ou mesmo superior».
Como está o mercado?
Paulo Caiado é claro: «O mercado imobiliário está muito ativo, caracterizado por fluxos e procura que, de modo geral, são superiores à oferta disponível». E descreve que assistimos «a um aumento de procura em novas localizações que sem serem periféricas dos centros urbanos, têm proximidade suficiente para serem novas escolhas habitacionais».
Por sua vez, Ricardo Sousa diz que desde o quarto trimestre de 2020 que o mercado imobiliário residencial «tem vindo a registar uma sólida dinâmica de procura, demonstrando uma forte resiliência e capacidade de recuperação».
E defende que esta dinâmica continua a verificar-se e é, essencialmente, a consequência de quatro fatores, que continuam a impulsionar a procura de casa: «As novas preferências de habitação dos consumidores originadas pelos confinamentos, a poupança acumulada durante o período da pandemia, as taxas de juro histórica e anormalmente baixas que se registam há muitos anos e o financiamento disponível para as famílias adquirirem casa. Estes são os principais aspetos que continuaram a impulsionar a procura de habitação, ao longo dos três primeiros trimestres de 2022».
Mas refere que há um problema do lado da oferta que é o ritmo «muito baixo de construção e a lentidão no lançamento de obra nova», problema que acontece há mais de 10 anos e que vão continuar a limitar o stock de imóveis para venda.
Dinamismo é também a palavra utilizada por Beatriz Rubio mas alerta para uma «relativa diminuição da procura em algumas zonas devido à subida dos juros, contudo nada que impacte significativamente na atividade do mercado pois essa procura continua muito superior à oferta».
Paulo Rosa fala também em resiliência deste mercado. E detalha: «A escassez de oferta e o crescente interesse de estrangeiros têm mantido os preços dos imóveis portugueses sustentados. Entretanto, a elevada inflação tem impulsionado o aumento dos custos de construção, dificultando um reforço da oferta de casas capaz de suprir a crescente procura».
Mas admite que «a subida dos juros deverá afastar parte da atual procura e penalizar o setor da construção e o imobiliário».
Já Henrique Tomé recorda que as taxas de juro estão a começar a subir na zona euro, «sendo que as taxas de referência para o crédito à habitação que as famílias seguem para perceber as variações sobre os seus empréstimos – se a taxa do empréstimo for variável – está a acompanhar a subida das taxas de referência», mas garante que ainda não se sente os efeitos da Euribor no lado da procura por imobiliário.
Por sua vez, Mário Martins diz que o mercado imobiliário está no início do processo decorrente do rebentamento de uma bolha especulativa nos preços «onde fundamentos não estruturais, como a procura por estrangeiros, o alojamento local e a incapacidade da oferta em acompanhar a procura, provocaram uma subida exorbitante do preço dos imóveis para habitação, que foi fomentada pelo oásis de juros ultra baixos».
Preços podem descer?
O presidente da APEMIP defende que «irá depender principalmente do comportamento e da evolução do fluxo de procura», acrescentando que «a oferta de imóveis é escassa e não é possível inverter essa realidade em curto prazo». O responsável diz que a reposição por via da reabilitação, a edificação de novas soluções, «são sempre processos lentos, (dois ou mais anos) e o mercado não ficará inundado de casas porque elas são indispensáveis». Mas reconhece que, em determinadas localizações, em determinados segmentos de preço e se no mesmo período de tempo houver muitas pessoas a querer vender então aí «os preços poderão descer». No entanto, de um modo geral diz que «é previsível e desejável que não desçam».
Já a Century21 fala numa estabilização dos preços em 2023. E justifica: «A descida irá depender de uma maior concentração de imóveis em venda, que será uma consequência progressiva do aumento médio dos tempos de venda e da chegada ao mercado de imóveis atualmente desabitados».
Do lado da Remax, Beatriz Rubio diz que a maioria dos especialistas antecipa uma queda da procura «algo até naturalmente expectável devido ao aumento da inflação e dos juros». Mas deixa um aviso: «Daí até assistirmos a uma queda dos valores praticados há um fator importantíssimo: a relação dessa procura com a oferta local. É por isso que os especialistas não preveem uma queda dos valores porque não apontam para um aumento relevante da oferta, e esta é muito escassa e pouco diversificada».
E lembra que a construção nova está mais cara, enfrentando ainda falta de mão-de-obra. «Assistirmos a uma queda de valores será em zonas muito específicas, não sendo algo que os especialistas assumam ser em todo o país. A tendência dos preços é assim de eventuais subidas, mas a ritmos menores do que os registados no passado».
Também a ERA lembra que até agora continuamos a assistir a um aumento de preços. Mas tudo pode mudar. «Acreditamos, contudo, que face ao contexto atual, em 2023, os preços possam a vir a sofrer algum ajuste. Este ritmo de crescimento que temos vindo a assistir nos últimos anos torna-se insustentável para a maioria das famílias».