Rendas. Oferta é pouca, preços são altos e poderá piorar com norma travão

Governo diz que “considera abusivo que, a reboque de um modelo equilibrado de resposta às famílias (arrendatários e senhorios), se considere que se está a limitar o mercado de arrendamento”. Mediadoras reconhecem que limites de aumentos de 2% poderão levar proprietários a retirar casas, num segmento em que a oferta é curta e os preços…

por Daniela Soares Ferreira  e Sónia Peres Pinto

Depois de alguma incerteza e de muita pressão, o Governo sempre avançou com a norma travão que impede aumentos de rendas superiores a 2% no próximo ano face a uma taxa de inflação galopante que parece não querer dar tréguas. A par disso, o pagamento antecipado de rendas não vai poder ser superar a dois meses, segundo uma proposta do Bloco de Esquerda aprovada esta quinta-feira no Parlamento.

E se o travão nos aumentos fez os inquilinos suspirar de alívio, por outro lado deixou os proprietários à beira de um ataque de nervos. Isto porque o valor a pagar pelas rendas de casa acompanha os níveis anuais de inflação. E para contratos celebrados a partir de 1990, essa atualização está dependente do coeficiente de atualização de renda que pondera os níveis de inflação e que o INE estipulou de 5,43%, bem acima do limite imposto pelo Governo.

Mas nem tudo são boas notícias. Para já, só estão abrangidos os contratos assinados até ao final de 2021, apesar de o Governo ter admitido que poderá avaliar a “extensão da travagem aos novos contratos” de arrendamento, “com base nos preços dos contratos anteriores”.

Questionado pelo i quando é que o Governo poderá tomar essa decisão, o Ministério de Pedro Nuno Santos afirma apenas que “relativamente aos contratos novos, não foi tomada qualquer medida, pelo que não se podem relacionar duas realidades que são distintas. Os valores aplicados pelos senhorios aos novos contratos dependem única e exclusivamente da vontade desses senhorios e nada têm que ver com a atualização de 2% determinada pelo Governo”, lembrando que a “Lei n.º 19/2022, de 21 de outubro, fixou um coeficiente de atualização anual de renda para todos os contratos de arrendamento urbano e rural, para 2023, de 2%. A mesma lei determinou também a atribuição de um apoio aos senhorios, sob a forma de benefício fiscal, que compensa na estrita medida do que não lhes é possível atualizar automaticamente nos termos da lei”, diz ao nosso jornal.

Já em relação às acusações que tem sido alvo por parte dos proprietários de estar a interferir, o Ministério não hesita: “O limite à atualização das rendas é, do ponto de vista financeiro, ‘neutro’ para o senhorio. Assim, o Governo considera abusivo que, a reboque de um modelo equilibrado de resposta às famílias (arrendatários e senhorios), se considere que se está a limitar o mercado de arrendamento”, acrescentando que “o Governo, está, isso sim, a apoiar os arrendatários (e senhorios), através de medidas de política pública justas e necessárias”.

 

Mercado perde casas com esta norma?

Para as mediadoras sempre que um mercado é regulado artificialmente provocam-se desequilíbrios a médio e a longo prazo, o que irá penalizar a oferta e logo os preços a pagar. “Foram bem conhecidas de todos as consequências do congelamento de rendas. Colocar os proprietários a executar um papel de apoio social, partindo do princípio que todos têm condições para o fazer, é um absurdo”, alerta ao i, o presidente da APEMIP, Paulo Caiado.

Também para o CEO_da ERA, este tipo de medidas, como a do travão de 2%, “além de poder vir a retirar as atuais casas do mercado de arrendamento, preocupa-me que as restrições aos proprietários sejam cada vez maiores e que com isso se retire (ainda mais) atratividade ao mercado e a ‘coragem’ dos investidores em desenvolver projetos de arrendamento de longa duração”, diz Rui Torgal.

Uma opinião partilhada por Ricardo Sousa, CEO da Century21 ao admitir que, quer em Portugal, quer em vários outros países, existem evidências que demonstram, claramente, que a intervenção e limitação dos valores de arrendamento tem mais consequências negativas do que vantagens para os inquilinos. “Em Portugal, a esmagadora maioria dos operadores do mercado de arrendamento são pequenos e médios proprietários. Na realidade, são famílias que têm as suas poupanças investidas em um ou dois imóveis, que colocam no mercado de arrendamento. Naturalmente, este tipo de medidas é altamente penalizador para estas famílias, que têm um papel fundamental no funcionamento do mercado de arrendamento e que passam a ter mais incentivo para vender os imóveis, ou para os retirar do mercado de arrendamento”.

E, de acordo com o CEO da Century 21, as consequências não ficam por aqui. Também admite que “os investidores de maior dimensão, que poderiam ter um papel decisivo no aumento da tão desejada oferta para o segmento de arrendamento não estão a entrar no mercado devido à instabilidade legislativa e à falta de políticas estruturantes, de médio e longo prazo, que garantam segurança e confiança para investir em projetos de maior dimensão pensados de raiz para o arrendamento”.

Mais otimista com esta medida está a CEO da Remax ao acreditar que poderá não retirar casas do mercado, ou pelo menos, em número algo impactante. E Beatriz Rubio justifica: “As casas para arrendar não são a primeira habitação dos seus proprietários, mas sim um investimento. Caso retirassem, deixariam de obter qualquer rendimento das mesmas e por não serem a sua primeira habitação, estariam literalmente a desaproveitar uma fonte de rendimento”.

Um risco que ganha maiores dimensões quando as mediadoras reconhecem que a atual oferta é reduzida para o elevado nível de procura.

Para Paulo Caiado, é claro que o arrendamento em Portugal “é diminuto, e o mercado é algo arcaico e pouco profissionalizado, em termos de gestão de ativos”, defendendo que se rege por “uma desconfiança que é geral, tanto por parte de senhorios como por parte de arrendatários e eventuais inquilinos”.

Para o responsável, as medidas que o Governo tem promovido “para o incrementar e, assim, contribuir, para a o aumento da oferta no mercado, não têm tido a expressão prática que se esperava”, diz, defendendo que “a legislação é demasiado dispersa, complexa, e não contribui para a clareza e transparência da relação entre proprietário e inquilino”.

Além de todos estes problemas, Paulo Caiado fala na justiça que é “pouco célere a julgar e dirimir conflitos ou a penalizar infratores”, o que “agrava o estado de desconfiança e desmotiva os proprietários a colocarem os seus imóveis e frações no mercado de arrendamento”, alerta, lembrando o mais recente estudo da Faculdade de Arquitetura de Lisboa: só na região da capital há pelo menos 160 mil frações encerradas e sem utilização.

 Ricardo Sousa lembra que, na atual conjuntura, que está marcada pelo aumento das taxas de juro e pelo preço de venda dos imóveis em muitas regiões, “há muitos jovens e famílias para quem a única opção para aceder à habitação é através do arrendamento”, acrescentando que atualmente “verifica-se uma maior procura neste mercado que não está a ser acompanhada pela oferta, o que irá seguramente provocar uma subida dos preços do arrendamento”.

Também Rui Torgal diz que o que se observa nos últimos anos “é uma clara diminuição do parque habitacional para arrendamento, situação que não está em linha com a procura”. E diz que “se a escassez de oferta já era um problema para as famílias portuguesas, o agravamento tem-se sentido ainda mais, numa altura em que o país tem atraído a atenção de estrangeiros que pretendem viver e/ou trabalhar por um período alargado em Portugal”. Assim, defende que “estamos inegavelmente perante um mercado que está em claro desequilíbrio: oferta pouco adequada à procura seja em matéria de preço, tipologias dos imóveis disponíveis e localizações”.

Mas diz que, neste “período económico mais desafiante, o arrendamento tende a aumentar ligeiramente. Para isto, contribuí a incerteza do mercado provocada pelo aumento das taxas de juro e da inflação e consequente menor disponibilidade financeira das famílias, situação que cria, numa primeira fase, alguma dúvida na compra de casa”.

Por sua vez, Beatriz Rubio defende que o mercado de arrendamento em Portugal está muito centrado nos grandes centros “com preços pouco competitivos face ao mercado de compra/venda”. E diz mesmo que em algumas cidades do país “praticamente não existem casas para arrendar e as que existem podem não corresponder à procura”, acrescentando que “a oferta é escassa tanto em quantidade, como em diversidade, o que limita o crescimento deste mercado e impõe preços muito elevados”. Uma coisa é certa: “Em muitos concelhos não há praticamente casas para arrendar, o que torna a opção de compra a única possível”.

 

E as perspetivas?

Sobre as perspetivas em termos de oferta, o presidente da APEMIP é perentório: “Pouco otimistas”. Isto porque o Estado e as autarquias “tardam em concretizar a construção, não obstante disporem de milhões do PRR. Aí, a explicação está na eterna burocracia ligada aos processos de licenciamento e aprovação. E estamos a falar de promoção de iniciativa estatal ou autárquica”. E questiona: “Como é possível que um investidor privado esteja à espera dois, três e mesmo quatro anos para ver o seu projeto imobiliário aprovado?”, respondendo: “É como se o tempo não fosse dinheiro… em particular nestes tempos que vivemos de acelerada inflação”.

Já para o CEO da Century21 não existem “expectativas de que se venha a registar um aumento significativo da oferta de imóveis para o segmento de arrendamento, a curto prazo”.

Uma opinião partilhada por Rui Torgal ao garantir que com a acentuada escassez de oferta “para as necessidades atuais, não perspetivo que num curto espaço de tempo o mercado se consiga regular: a oferta continuará bastante mais abaixo da procura”.

Face a este cenário, o responsável defende que é “urgente construir mais casas seja para aumentar a oferta do mercado de arrendamento ou o portfólio para compra, porque falamos de um bem de primeira necessidade”. E considera também importante “dar as condições de incentivo necessárias aos investidores privados para se especializarem em projetos de arrendamento de longa duração”, medidas em matéria de legislação, fiscal e burocrática.

Já a CEO da Remax é da mesma opinião e relembra que “nos últimos anos tem havido a introdução no mercado de diversos imóveis reabilitados, mas essa tendência está a diminuir, por se esgotarem as oportunidades de reabilitação”. Por outro lado, defende, “a opção de compra para colocar a arrendar é hoje menos atrativa devido à conjuntura económica mais difícil, com a subida das taxas de juro e a subida dos preços dos imóveis”.

 

Solução passa pelo aumento da oferta

Para o presidente da APEMIP não há margem para dúvidas: “Com uma fortíssima presença da promoção do Estado e das autarquias. Com construção de raiz, mas também através da intervenção de reabilitação do edificado em áreas mais amplas especificamente com esse propósito. Com uma perspetiva de intervenção de escala como não se tem visto até agora. E, neste âmbito, Estado e iniciativa privada e banca não deveriam de estar de costas voltadas”.

Já para Beatriz Rubio são necessárias várias medidas para resolver este problema no mercado de arrendamento, mas reconhece que o aumento da oferta é fundamental para dinamizar o mercado e o novo edificado é uma das fontes. “Não seria a solução completa, mas garantidamente ajudaria a equilibrar a oferta e a procura e com isso uma maior estabilização dos preços”, diz ao i.

Também para Ricardo Sousa, a solução essencial passa por criar um novo edificado pensado de raiz para dar resposta às necessidades atuais e futuras dos jovens e famílias, ainda assim, admite que existe um problema de base que tem de ser solucionado e que passa pela informalidade do mercado de arrendamento. “Se, por um lado, é muito positivo que o arrendamento em Portugal não dependa de grandes proprietários e tenha a sua base de oferta em pequenos operadores – as famílias – por outro lado, deveriam existir claros incentivos para que esta oferta atomizada esteja devidamente identificada, formalizada e elegível para apoios, para estimular um aumento nesta tipologia de poupança, por parte das famílias portuguesas”.

O CEO da ERA chama a atenção para o facto de o imobiliário ser um dos grandes motores da economia, em que gravitam neste uma série de negócios satélite. “O Estado deve olhar para o setor imobiliário privado como um parceiro e não deverá penalizá-lo com medidas que possam dificultar o seu desenvolvimento e consequentemente a economia”, daí afirmar que “a maior facilidade no processo de construção e de compra e venda de imóveis deveria ser uma prioridade, como por exemplo, maior agilidade no licenciamento e menor carga fiscal na transação de imóveis. E para uma maior oferta de arrendamento é absolutamente necessário que exista uma política direcionada para uma maior facilidade em criar mais stock habitacional. Urge dar mais condições para que se possa construir mais. Existe vontade por parte dos investidores em construir novos empreendimentos para os vários segmentos, e essa vontade tem de ser aproveitada”.

 

Rendas disparam

Certo é que nos últimos anos, o valor das rendas tem disparado. A título de exemplo, os dados do último Censos mostram que, nos alojamentos arrendados, o valor médio mensal da renda era em 2021, de 334 euros, o que representa um acréscimo de 42,1% face ao valor registado em 2011: 235 euros.

Os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE) mostram também que a renda mediana dos 21 005 novos contratos de arrendamento em Portugal atingiu os 6,55 euros por metro quadrado no segundo trimestre deste ano. Este valor representa um crescimento homólogo de 8,6%, superior ao observado no trimestre anterior, que foi de 6,4%.

No entanto, estudos sobre o aumento das rendas em Portugal não faltam e todos mostram o mesmo: as rendas estão em constante crescimento, aumento esse que, por norma, é mensal. Segundo o índice de preços do idealista, os preços das casas para arrendar no país apresentaram uma subida de 2,7% em outubro face ao mês anterior. Feitas as contas, arrendar casa tinha um custo de 12,1 euros por metro quadrado no final do mês de outubro deste ano, tendo em conta o valor mediano. Já em relação à variação trimestral, a subida das rendas em Portugal foi de 6,4% e a anual de 12,3%.

Os dados mostram ainda que a percentagem do rendimento familiar necessário para pagar o arrendamento de uma casa em Portugal aumentou no último ano, passando de 48% em 2021 para os 54% deste ano.

E também o Imovirtual revela aumentos. Assim, o valor médio dos imóveis para arrendar voltou a subir 5,4% de setembro para outubro, depois de uma queda de -15,4% no mês anterior, fixando-se agora em 1 258 euros (em comparação com os 1 194 euros em setembro). Em relação ao ano anterior, quando a renda média se fixava nos 1 020 euros, há um aumento de 23,3% (cerca de 240 euros mais cara).

E os preços vão continuar a subir. Não há dúvidas para Paulo Caiado: “Num mercado onde a oferta é muito reduzida e tantas as necessidades de casa, os valores não irão baixar”. E explica porquê: “Só com a execução de amplos projetos de renda acessível por parte do poder central e autárquico, e o contributo de empresas privadas com capital vocacionadas para a gestão e construção de casas para arrendar poderemos solucionar a eterna dependência de comprar apartamento através de empréstimo bancário”. Ora, acrescenta, “as pessoas compram, endividam-se porque não têm outra alternativa”.

Já Ricardo Sousa defende que para agora e para os próximos meses a tendência “é de subida dos valores de arrendamento, não só em consequência do impacto dos principais indicadores macroeconómicos, mas, sobretudo, pelo aumento do gap entre a procura e a oferta de soluções habitacionais, no mercado de arrendamento residencial”.

Opinião que é partilhada pelo CEO da ERA que não tem dúvidas: “Sempre que existe escassez de oferta, os preços tendem a aumentar”. Por isso, perspetiva que no caso do mercado do arrendamento, no próximo ano, “o crescimento no preço das rendas continuará, principalmente onde a oferta é menor como é o caso dos centros urbanos”.

A mesma linha de pensamento segue Beatriz Rubio. “Os valores manter-se-ão em patamares altos, por força do desequilíbrio entre a oferta e a procura”. E justifica: “É sabido que em alguns imóveis, pelos contratos terem chegado ao seu término, acabam por ser renegociados com novos aumentos ou colocados no mercado com preços mais elevados, mas estas são apenas situações que não são a regra e que podem vir a ser travadas num futuro próximo”.

 

Casos insólitos

Com a especulação de preços, são vários os anúncios insólitos que se encontram na internet. Um dos casos mais recentes e que “incendiou” as redes sociais foi o de um apartamento T0 na Rua Prior Crato. O valor – 550 euros – até é ‘baixo’ para o que se pede atualmente, não fosse o apartamento ter apenas 11 metros quadrados e nada mais nada menos que a cama em cima do fogão e do lava louça (ver foto).

Há também anúncios para todos os gostos e a preços “interessantes”. A título de exemplo, um T1 na Estrela pode ser arrendado pela módica quantia de 2 500 euros mensais. Aliás, no centro de Lisboa são poucos os apartamentos T0 que se encontram a menos de 1 500 euros por mês e, segundo um estudo do Imovirtual, a procura por T0 tem vindo a aumentar, mas os preços cresceram em todas as tipologias.

As casas de tipologia T5 ou mais foram as que tiveram o maior aumento de renda em outubro (+31%) em relação ao mesmo mês de 2021, fixando-se em 4 323 euros, seguidas pelos T4, que aumentam +28% para 2 567 euros. Já as categorias T0 aumentaram 3%, as T1 10% e as T2 cresceram 12%.

No Porto, os preços não são tão exorbitantes mas também existem: um apartamento T1 na Rua Formosa, no Bolhão, pode custar 1 500 euros por mês.