Orecém-empossado secretário de Estado do Ambiente, Hugo Pires, vendeu em 2021 a CRIAT – Arquitetura & Reabilitação Urbana a uma empresa agrícola detida por duas irmãs: Lucinda Isabel Guimarães Gomes Marques e Adelaide Sofia Guimarães Gomes Marques. A empresa – Penedo do Frade – cultivou vários hectares de vinha num aterro sanitário do grupo Semural, Waste & Energy SA.
Lucinda e Adelaide Gomes Marques são irmãs dos dois acionistas principais deste grupo empresarial cuja atividade principal, como a própria designação indica, é o tratamento de lixo e resíduos, incluindo a importação de lixo radioativo, que gerou polémica em 2020 (tal como o SOL noticiou na altura).
E ambas são também acionistas da empresa. Sendo que Lucinda é membro do conselho de administração da Semural com o seu irmão João José Guimarães Gomes Marques.
Recorde-se que o aterro sanitário de Valongo foi durante anos contestado pela população e pelo próprio presidente da Câmara (também ele do PS) sobretudo e devido ao mau cheiro que afetava várias regiões.
Hugo Pires foi vice-presidente da bancada do PS desde 2015, tendo sido coordenador dos deputados do PS na Comissão Parlamentar da Habitação e, depois, do ambiente e energia, tendo sido co-autor da Lei de Bases do Clima.
No mesmo mês em que deixou de ser co-CEO da sua empresa – em fevereiro de 2021, segundo a sua própria declaração no site da Assembleia da República – foi o relator de um parecer na Assembleia da República sobre resíduos urbanos, precisamente no âmbito da Comissão Parlamentar do Ambiente.
João Paulo Batalha, vice-presidente da Frente Cívica, diz ao Nascer do SOL que «se a legislação em que está a dar parecer tem implicações sobre a empresa com a qual fez negócio, devia ter declarado esse conflito de interesses e pedido escusa», diz, acrescentando: «Ou, no mínimo, deixar a avaliação desse conflito de interesses ao critério da Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados».
Confrontado pelo Nascer do SOL sobre este assunto, Hugo Pires – que não respondeu a nenhuma das perguntas que lhe enviámos sobre este e sobre outros assuntos (infra) – limitou-se a dizer: «Não tenho nada a declarar, vou esperar pela vossa notícia».
Já o gabinete do ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro – para quem o gabinete do primeiro-ministro, António Costa, remeteu as explicações solicitadas –, afirmou que o secretário de Estado do Ambiente «vendeu a empresa CRIAT a 19 de maio de 2021, altura em que não previa ser honrado com o convite para assumir o cargo de Secretário de Estado do Ambiente, em 2023». E acrescentou que Hugo Pires, atualmente, «não detém qualquer participação em empresas».
O gabinete de Duarte Cordeiro garante ainda que o secretário de Estado «não se sente inibido ou impedido, de qualquer modo, no exercício das funções que lhe foram confiadas». E diz ainda que em relação à sua atividade como deputado «participou nos trabalhos da Comissão de Ambiente e de Energia da AR, experiência que reputa de muito importante para as tarefas que agora desempenha» e que foi, entre muitas outras tarefas, «relator de um parecer sobre uma proposta de lei do PCP» – ou seja, aquele que o Nascer do SOL refere.
Conflito de interessas
Sobre a compatibilidade entre a venda da sua empresa e o cargo que agora ocupa Hugo Pires, João Paulo Batalha diz que «seria útil, havendo essa ligação, que haja uma capacidade de acompanhamento autónomo das decisões que ele tomar para garantir que ele não continue essa relação, que não traga essa relação para a secretaria de Estado». E acrescenta que «isso fazia-se se nós tivéssemos um organismo de conduta ética que pudesse ir acompanhando as matérias, eventualmente ele pedisse escusa de tudo aquilo que tivesse a ver com esse grupo Semural ou, pelo menos, abrindo-se ao escrutínio para que um mecanismo de conduta ética que não existe, pudesse garantir que as decisões que são tomadas no Ministério não são uma continuação dessa relação de negócio que houve e que pode ter sido apenas episódica no momento em que a empresa foi vendida».
Mas lembra que o que acha mais problemático em relação ao secretário de Estado é a relação que teve como vereador na Câmara de Braga, aprovando o famoso ‘negócio das Convertidas’ pelo qual o presidente da Câmara na altura, Mesquita Machado, também do PS, foi condenado. Diz que o papel de Hugo Pires nesse caso «foi, na melhor das hipóteses, uma omissão de dever de boa diligência de um eleito público que não inspira muita confiança no momento em que se torna secretário de Estado. É uma pasta sensível porque mexe com muitos negócios».
Os casos de imobiliário
Mas se agora Hugo Pires se vê envolvido em mais uma polémica, é preciso lembrar que esta não é a primeira. Chegou a criticar Ricardo Robles, do BE, devido ao tema da especulação imobiliária mas depois ele próprio viu-se envolvido em caso muito análogo. Em 2019, quando era coordenador do grupo de deputados socialistas no grupo de trabalho que ajudou a delinear a nova Lei de Bases da Habitação, Hugo Pires foi acusado de conflito de interesses pelos seus próprios negócios no setor imobiliário e também foi acusado de querer despejar ilegalmente inquilinos de um prédio histórico situado junto à Sé de Braga.
Nessa altura, o agora secretário de Estado do Ambiente tinha ainda 50% da CRIAT que em 2017 comprou um edifício localizado na Rua D. Diogo de Sousa, classificado como imóvel de interesse público e património da cidade, que dois anos antes tinha sido penhorado e depois submetido a venda judicial.
Nessa altura, dois irmãos, proprietários da Mavy, um espaço cultural instalado no espaço da antiga livraria Bertrand Cruz, denunciam que o então deputado estaria a pressioná-los para abandonar o edifício – apesar de dizerem que em 2012 assinaram um contrato válido até 2034 – para ali instalar um negócio de alojamento local. Mas Hugo Pires garantia que o que estava previsto para ali seria habitação permanente e comércio.
«Os anteriores proprietários do edifício fizeram uma hipoteca junto da Caixa Agrícola, quando não havia lá nenhum arrendatário. O contrato dos irmãos Morgado foi firmado já depois da hipoteca, por isso não tem validade. [Os proprietários] entraram em incumprimento e, depois, nós adquirimos o prédio por venda judicial, livre de ónus e encargos», disse na altura.
Antes disso, soube-se então que Hugo Pires, que substituiu Helena Roseta no grupo parlamentar de trabalho sobre habitação, era proprietário e gerente de uma empresa de arquitetura, engenharia e construção que declarava, entre as suas atividades, o alojamento turístico.
No que diz respeito ao ramo imobiliário, Hugo Pires conta com ainda pelo menos um investimento, o 1869 Príncipe Real House, em Lisboa, uma guest house com nove quartos inaugurada em 2018 e que o deputado não se cansa de promover na sua página de Instagram.