Fernando Medina está novamente debaixo de fogo. Desta vez, por causa das buscas na Câmara de Lisboa por suspeitas de corrupção, participação económica em negócio e falsificação, numa nomeação para prestação de serviços que foi assinada por si, em 2015, quando era presidente da autarquia.
Em declarações aos jornalistas, ao final da tarde de quinta-feira, quis dar nota de que não tem conhecimento de qualquer investigação, nem nunca foi instado a prestar declarações no âmbito de qualquer processo. «Nunca fui chamado ou ouvido», garantiu.
Apesar de não haver arguidos constituídos e de não haver qualquer confirmação de que é um dos suspeitos na investigação em curso, o agora ministro das Finanças solicitou à Procuradoria-Geral da República (PGR) para ser ouvido «nos moldes que o Ministério Público achar necessários», mostrando-se «disponível para prestar todos os esclarecimentos».
Questionado sobre que consequências políticas poderá tirar se for constituído arguido, recusou «especular sobre o futuro», dizendo mesmo que, neste momento, não sabe sequer se a investigação existe, uma vez que tudo o que sabe é pela comunicação social. Ainda que a PGR já tenha confirmado que as buscas realizadas decorreram «no âmbito de um inquérito que corre termos no Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa».
Segundo a CNN Portugal, que avançou a notícia, em causa está «a viciação das regras para a contratação» de Joaquim Morão, um histórico socialista e ex-autarca de Castelo Branco, tendo em vista «a gestão de obras públicas na capital».
O objetivo do esquema seria a angariação de fundos em obras públicas, com subornos de empreiteiros, para o financiamento ilícito de estruturas do PS, através de ‘sacos azuis’. Esta tese já foi «categoricamente» rejeitada pelo partido.
As suspeitas de favorecimento do PS também foram entendidas com «perplexidade» por Fernando Medina, que defendeu a decisão tomada há sete anos, quando contratou Joaquim Morão para liderar uma equipa de gestão das obras em Lisboa.
«A decisão é minha», confirmou vincando que era preciso «uma pessoa com aquele perfil e aquelas características» e que o trabalho de Joaquim Morão foi satisfatório. «Desempenhou um bom trabalho, foi capaz de assegurar que as obras se realizassem».
Quanto às suspeitas levantadas sobre as empresas envolvidas nas buscas, nomeadamente uma empresa de Joaquim Morão para consultoria das obras de requalificação da cidade, o antigo presidente da Câmara de Lisboa afastou qualquer questão em relação a esta contratação específica, referindo que o contrato em causa foi feito por ajuste direto e «não foi necessário» qualquer processo de consulta prévia.
Para o ministro das Finanças, não está em causa a transparência do negócio, apesar de Joaquim Morão ter sido contratado diretamente por si. Contudo, o ex-autarca de Castelo Branco recebeu mais de 96 mil euros da Câmara de Lisboa para prestar serviços na área da gestão de projetos e construção de equipamentos e infraestruturas municipais: 22 550 euros em 2015 e 73 788 euros em 2016.
Tal como escreveu o Público em 2018, a Câmara de Lisboa, liderada na altura por Medina, terá simulado uma consulta ao mercado, contatando outras duas empresas, que não chegaram sequer a apresentar proposta, para, no fim, adjudicar os trabalhos ao socialista Joaquim Morão.
Segundo o código da contratação pública, 50 mil euros é o valor máximo que um contrato pode atingir para se poder adotar o procedimento por ajuste direto, sendo que para um contrato de empreitadas de obras públicas o teto máximo é de 30 mil euros, e para a aquisição de serviços o valor deve ser inferior a 20 mil euros. Contudo, estas regras foram introduzidas em 2018, com uma alteração à lei, o que significa que à data em que os contratos foram celebrados não era legalmente exigido uma consulta preliminar.
Ainda assim, Fernando Medina disse estar de «consciência totalmente tranquila» e convicto de que tem condições para se manter como ministro das Finanças. Mas isso não quer dizer que este novo caso a atingir indiretamente o Governo não seja motivo de preocupação, quer para o primeiro-ministro, quer para os socialistas. Ainda para mais, depois de António Costa ter ido a Coimbra pedir ao PS que se torne «mais exigente» consigo próprio nas escolhas que faz.
Calma nas nomeações
Esse também terá sido um dos motivos que levou o chefe do Executivo socialista a dar instruções à ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, para não nomear para já o novo secretário de Estado. A expectativa era a de que a pressão mediática sobre o Governo abrandasse nestas semanas, e nos bastidores socialistas já corria um nome para substituir Carla Alves: o deputado socialista Pedro do Carmo, presidente da Comissão de Agricultura e Pescas e secretário nacional do partido para a organização.
No entanto, esta nova polémica envolvendo o ministro das Finanças trocou as voltas aos planos de António Costa, deixando o Governo novamente em maus lençóis.
Na oposição já não restam dúvidas de que Fernando Medina está «politicamente muito debilitado», não reunindo condições para continuar em funções, seja por este seu passado na Câmara de Lisboa ou pelas dúvidas que ainda existem relativamente ao caso da indemnização paga pela TAP a Alexandra Reis.
Outro dos argumentos é o de que, se o ministro das Finanças fosse agora responder ao questionário de 36 perguntas criado para recolher informações sobre futuros membros do Governo, já não passava no crivo. Questão que ganha ainda mais relevo depois de o Presidente Marcelo ter defendido que o mecanismo para apurar incompatibilidades também devia aplicar-se a atuais governantes. Mas Marcelo veio depois segurar Medina no caso da CML.
Certo é que este não é o único problema a abalar de novo o Executivo socialista. Esta quinta-feira, o Ministério Público deixou mais alertas sobre o controlo dos fundos comunitários que Bruxelas transfere para Portugal ao abrigo do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Segundo o novo relatório de acompanhamento do MP na Comissão de Auditoria e Controlo do PRR, o sistema de controlo interno da Estrutura Missão Recuperar Portugal continua a «registar insuficiências ao nível dos procedimentos» de «prevenção de conflito de interesses, de fraude, de corrupção e de duplo financiamento».
A este turbilhão juntam-se ainda as dificuldades na Educação. Apesar das propostas apresentadas pelo ministro João Costa, os sindicatos de professores não abandonam a luta que arrancou com o 2.º período deste ano letivo e mantêm as greves. Nesta matéria a oposição também não dá descanso. Esta quinta-feira, no debate de urgência no Parlamento, onde esteve presente o ministro da Educação, os partidos da esquerda à direita consideraram as propostas levadas à terceira ronda de negociações insuficientes para dar resposta aos problemas do setor.
E seguem-se os protestos dos agricultores (ver págs. 54-59).