Por Sónia Peres Pinto e Daniela Soares Ferreira
Medida inconstitucional e populista. É desta forma que vários especialistas contactados pelo Nascer do SOL reagem ao projeto de lei proposto pelo Bloco de Esquerda para proibir a venda de imóveis a cidadãos ou empresas com sede ou residência permanente no estrangeiro, como resposta ao aumento de preços no mercado imobiliário nacional. A ideia é seguir o exemplo do Canadá, onde, no início do ano, entrou em vigor uma nova lei que proíbe estrangeiros de comprar casas como investimento por dois anos.
Ao Nascer do SOL, o constitucionalista Paulo Otero diz que este projeto é inconstitucional por várias razões: «Em primeiro lugar porque traduz no âmbito do espaço europeu uma limitação às liberdades decorrentes da União Europeia, criando uma situação discriminatória entre os nacionais na aquisição de propriedade imobiliária e os cidadãos dos restantes estados membros da União Europeia».
Já em relação aos cidadãos estrangeiros que não são membros da União Europeia, Otero lembra que a Constituição estabelece o principio geral da equiparação de direitos, mas também de deveres entre cidadãos nacionais e estrangeiros: «Os que se encontram ou que residam em Portugal gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres dos cidadãos portugueses e os que querem vir também se aplicam os mesmos princípios, sobretudo no acesso à propriedade».
Também o politólogo José Filipe Pinto acena com o artigo 87 da Constituição, que prevê os investimentos por parte de pessoas singulares ou coletivas estrangeiras desde que contribuam para o desenvolvimento do país e defendam a independência nacional e os interesses dos trabalhadores. «Como tal, a proibição pura e simples é inconstitucional», diz ao Nascer do SOL.
E diz que é uma proposta populista. «Este populismo sócio-económico do Bloco de Esquerda aponta para uma tentativa de proteger o interesse das classes mais desfavorecidas e da classe média baixa em relação ao grande capital». Questionado sobre se a proposta fosse apresentada pelo Chega, atira: «Seria uma manifestação de populismo cultural ou identitário e a justificação era não vender para não pôr em causa a independência nacional, para que sejam os portugueses os donos de Portugal».
De acordo com o politólogo, o que variava era o argumento, mas a posição de partida seria muito semelhante e se avançarmos «para a questão da proibição pura e simples temos um caso nitidamente de populismo e de demagogia».
'Sem pés nem cabeça'
Também o presidente da Associação Nacional de Proprietários (ANP) dá cartão vermelho e este tipo de proposta, defendendo que é «um absurdo e que não tem pés nem cabeça». E acrescenta: «É dizer aos estrangeiros que não podem comprar mais casas em Portugal porque as casinhas que cá estão são para os portugueses». As criticas sobem de tom, com António Frias Marques a afirmar que «o passo seguinte é tirar as casas aos proprietários».
De acordo com o responsável, a solução para baixar os preços dos imóveis passa por uma aposta na construção. E lamenta que nos últimos sete anos o Governo não tenha feito nada para responder a estas necessidades. «O problema é que em sete anos deste Governo não foi construída uma casa então que as construam e que sejam atribuídas a quem delas realmente precisa. Ainda esta semana fiquei parvo com uma declaração de António Costa a dizer que vai sair mais legislação na habitação. Por dever de ofício tenho legislação da habitação e são caixas e caixas de leis, decretos de leis e portarias, etc. Ainda vai sair mais legislação? Mas a legislação não dá casa a ninguém. É um absurdo», refere.
António Frias Marques admite ainda que, «numa análise empírica, as pessoas que querem comprar uma casa não querem aquelas que os estrangeiros querem. Não lhes interessa uma casona, nem querem imóveis de centenas de milhares de euros». Já os proprietários, «se conseguirem vender uma casa por dois milhões a um estrangeiro não vão vender por um milhão só porque o comprador é nacional. Não podem proibir as pessoas que têm uma casa para vender que não o possam fazer a estrangeiros, a não ser que queiramos transformar Portugal num gueto».
E lamenta que o Bloco de Esquerda queira Portugaç a seguir o exemplo do Canadá, quando não são países comparáveis. «O Canadá é uma das maiores potências económicas do mundo. Tem indústria, comércio, agricultura, serviços, fabrica aviões, locomotivas, etc. A principal indústria em Portugal é o turismo e se acaba nem quero imaginar o que pode acontecer».
Recorde-se que no Canadá a decisão teve como base o forte aumento dos preços das casas em 2020 e 2021, apesar de ter sido revertido no ano passado, antes desta lei entrar em vigor. Segundo os dados da Canadian Real Estate Association (CREA), os preços médios das casas no Canadá superaram os 800 mil dólares canadianos (quase 550 mil euros) em fevereiro passado mas desde essa altura baixaram cerca de 13%.
Com a inflação e como tem acontecido também na Europa, o Banco do Canadá tem aumentado os juros e as taxas de hipoteca no país estão a subir. O índice de preços do CREA cresceu 38% desde o final de 2019.
Medidas 'precipitadas'
Nem as mediadoras percebem a sugestão do Bloco de Esquerda, considerando que não faz sentido. «Na sua maioria, os imóveis mais pretendidos pelo segmento internacional são distintos das habitações mais procuradas pelas famílias portuguesas, quer em termos de tipologias, dimensões, zonas, características e localização», começa por explicar ao Nascer do SOL Ricardo Sousa, CEO da Century21 Portugal, que defende que «não são medidas como esta, precipitadas e isoladas, que vão resolver o desafio do acesso à habitação», uma vez que existem «diferentes realidades no território nacional e não há uma solução que seja eficaz de forma transversal, nas diferentes regiões do país».
Questionado sobre se poderia ser uma solução para regular o preço das casas em Portugal, Ricardo Sousa diz que «é fundamental entender as políticas de habitação, enquanto parte integrante da estratégia de desenvolvimento sustentado da economia nacional» e considera que o Governo deverá «ser o elemento catalisador de uma nova estratégia integrada de desenvolvimento para o setor imobiliário, que incentive os operadores, públicos e privados, a trabalharem em conjunto na criação de uma maior oferta de habitação ajustada à classe média portuguesa».
E por isso defende ser «urgente» que se execute os programas ‘Primeiro Direito’ e a ‘Nova Geração de Políticas de Habitação’ «para se avaliar a sua eficácia e para começar a dar resposta a situações de urgência habitacional», lembrando que está também em curso uma medida de correção da atual conjuntura inflacionista, por parte dos bancos centrais, «através do aumento das taxas de juros – que já está a impactar o mercado imobiliário e a provocar um arrefecimento no número de transações – que tem como objetivo travar a subida dos preços, também, na habitação».
Preços sempre a subir e investimento estrangeiro
Os dados que dizem respeito aos preços das casas são um pouco díspares mas uma coisa é clara: os valores têm crescido muito nos últimos anos. A título de exemplo, os dados mais recentes da Confidencial Imobiliário mostram que em 2022, os preços de venda das casas em Portugal Continental cresceram 18,7%, «a valorização anual mais elevada dos últimos 30 anos».
Já os últimos dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) mostram que no terceiro trimestre de 2022, o Índice de Preços da Habitação (IPHab) aumentou 13,1% em termos homólogos. Neste período, o aumento observado nos preços das habitações existentes (14,7%) superou o das habitações novas (8,4%).
E os estrangeiros não são o maior mercado, garantem as imobiliárias. O peso das vendas de clientes internacionais em Portugal «é marginal na maioria das nossas cidades», diz Ricardo Sousa, acrescentando que, em média, este investimento representa aproximadamente 6%, segundo o INE. «As transações imobiliárias com estrangeiros registam um peso e uma subida superior na região do Algarve, nas cidades de Lisboa e Porto, muito em consequência das operações suspensas do período da pandemia, tendo em conta as restrições de viagens internacionais».
Em entrevista à Luz., Beatriz Rubio, CEO da Remax, já tinha admitido que o investimento estrangeiro contribui para o aumento de preços mas apenas no mercado de luxo. «O nosso mercado continua a ser o português: 87%, seja ele alto, médio, médio-baixo».
Também em entrevista ao Nascer do SOL, Paulo Caiado, presidente da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP), defendeu que «o investimento estrangeiro é bom para o nosso país».