por Daniela Soares Ferreira e Sónia Peres Pinto
A demissão de Christine Ourmières-Widener e de Manuel Beja da liderança da TAP por ‘justa causa’ está longe de ser pacífica. Os partidos de oposição têm vindo a pedir o parecer jurídico que fundamentaria a saída da administradora e do chairman da companhia área, mas o próprio Fernando Medina já veio desfazer as dúvidas e reconhecer que o parecer não existe, havendo apenas uma deliberação da assembleia geral.
«Não há nenhum parecer adicional àquilo que é a base da justificação da demissão, que é mais do que suficiente para quem a leu, relativamente ao parecer da Inspeção Geral de Finanças», disse o ministro das Finanças, esta quinta-feira, no Parlamento, contrariando o que já tinha sido dito por Ana Catarina Mendes, que alegou que «o parecer em causa não cabe no âmbito da comissão parlamentar de inquérito» e que «a sua divulgação envolve riscos na defesa jurídica da posição do Estado». A ministra dos Assuntos Parlamentares também tinha apontado o dedo ao partido liderado por Luís Montenegro. «O que o PSD pede não é a fundamentação jurídica, que é aliás do conhecimento público da demissão da CEO da TAP, mas toda a construção da fundamentação jurídica, toda a documentação que foi trocada entre os vários atores para a construção desta decisão».
Na comissão de inquérito, a ex-CEO da TAP chegou a admitir que tinha recusado sair, mesmo depois de o ministro das Finanças lhe ter perguntado se queria demitir-se, afirmando que a única explicação que encontra para esta decisão são «motivos políticos». Ourmières-Widener explicou ainda, na altura, que «uma demissão é também um reconhecimento de que foi feito algo de errado e nada fiz de errado». Também uma das advogadas da ex-presidente executiva da TAP disse à Lusa que a responsável desconhece a existência de parecer jurídico que sustenta esta decisão.
A questão do parecer para justificar a sua saída foi levantada pelo PSD ao acusar o Governo de «atuar à margem da lei» por recusar enviar à comissão de inquérito à TAP os documentos que «deram respaldo jurídico» ao despedimento. Ainda esta quinta-feira, o líder do PSD acusou o Governo devido ao alegado parecer que justifica a saída de Manuel Beja e de Christine Ourmières-Widener da TAP. Para Luís Montenegro é claro que o primeiro-ministro está a perder autoridade política e reafirma-se como alternativa para governar. «Há uma inconsistência», disse Luís Montenegro. E acrescentou: «Temos quatro ministros que estão a brincar com os portugueses», referindo-se aos ministros das Finanças, Infraestruturas, Assuntos Parlamentares e Presidência do Conselho de Ministros.
Luís Montenegro acrescentou também que «perante esta falta à verdade, quem afinal não está preparado para governar? Quem demonstra não ter preparação? Olhem para o PS, para os atuais ministros». E questionou: «Os portugueses cada vez mais sentem uma grande desilusão com o uso e abuso da capacidade de governar, com esta ligeireza. Porque não dizem as coisas à primeira?».
Ainda assim, o socialista Jorge Seguro Sanches, presidente da comissão de inquérito, afirmou que vai proceder às diligências necessárias para insistir com o Governo para que envie a documentação que foi solicitada. E referiu que ficará claro na exposição que o pedido deste parecer «está dentro do âmbito da comissão de inquérito», refutando assim um dos argumentos do Governo para não enviar esta documentação.
Argumentos que já não tinham convencido o Bloco de Esquerda. Mariana Mortágua já afirmara que «ou esse parecer não existe e o Governo deve dizer que tomou a decisão sem que esta esteja suportada num parecer jurídico ou se o parecer existe tem de ser enviado à comissão de inquérito».
Parpública à margem
Ouvido esta quinta-feira no Parlamento,Carlos Durães, antigo vice-presidente da Parpública, afirmou que foi deixado à margem da compra de 22,5% à Atlantic Gateway, em 2020. E foi posto à margem pelo então secretário de Estado do Tesouro, Miguel Cruz. «Apercebemo-nos que na interação com a tutela o secretário de Estado do Tesouro privilegiou o contacto sobre este dossier com os consultores externos e com o jurista que o assessorava nesta matéria, em detrimento dos administradores que ficaram nos órgãos sociais», disse.
E disse ainda ter ficado surpreendido por Miguel Cruz tutelar TAP. «Estranhei que, sendo o doutor Miguel Cruz presidente da Parpública, e havendo na organização do Ministério das Finanças duas secretarias de Estado, tendo em atenção que até aí quem liderava o processo da TAP era o senhor secretário de Estado Nuno Mendes, foi com surpresa que vi a delegação de competências no doutor Miguel Cruz, que tinha acabado de ser presidente da Parpública, tutelar a Parpública, da mesma maneira que vi também tutelar o processo da TAP», afirmou Carlos Durães.
Mais do que uma Alexandra Reis
A Comissão contou ainda com a presença do presidente da Comissão de Vencimentos da TAP, Tiago Aires Mateus, que defendeu no Parlamento que o órgão não tem competências para atribuir e gerir remunerações. «A Comissão de Vencimentos não deliberou e dificilmente deliberará sobre uma renumeração variável a uma pessoa que foi demitida pelo acionista», defendendo que a «Comissão de Vencimentos serve para cumprir as atribuições que os acionistas delegam».
E deixou ainda no ar se haverá ou não mais casos como o de Alexandra Reis: «Não sei quantos casos há como a Alexandra Reis, seria especulativo, mas haverá mais do que um, a acreditar nas notícias».