Os dados económicos têm sido animadores. Ainda esta semana, a OCDE apontou para um crescimento de 2,5%, apesar da inflação ser superior à prevista pelo Governo…
Estamos conjunturalmente melhores do que se previa, mas chamo a atenção para a inação estrutural deste Governo, desde há oito anos, e vamos continuar muito mal do ponto de vista estrutural. O que é contribui para este crescimento? Duas variáveis: as exportações, graças ao mérito dos empresários portugueses, nomeadamente da indústria transformadora. É bom não esquecer que essa tendência vem na sequência do programa da troika que forçou as empresas a ir para o exterior e já pesa 50% do PIB. Ainda é resultado da dinâmica gerada pela tal malfadada troika de que o PS não gosta nada, apesar de ter sido o responsável pela sua vinda. E depois temos o boom turístico. Portugal é seguro, longe do conflito e tem bom clima. É claro que o turismo continua a bombar e os resultados aparentemente são muito bons. No entanto, são duas variáveis que nada têm a ver com o Governo. Em termos estruturais de médio e de longo prazo todas as análises económicas mostram que o crescimento do PIB vai baixar, que vamos voltar a ter um crescimento do PIB condicionado com o fraco crescimento do PIB potencial que é fraquinho e temos um conjunto de deficiências estruturais agravadas pela inação do Governo nestes últimos anos. A meu ver não vai haver milagres e isso irá condicionar o nosso crescimento económico no futuro. Veja-se o caso do Serviço Nacional de Saúde, da escola pública, da justiça e da administração pública, que são perfeitamente desastrosos. O Serviço Nacional de Saúde e a escola pública, que deviam ser um elevador social gerador de igualdades de oportunidades estão a criar um fosso social, entre aqueles que podem pagar o colégio dos filhos e ir ao hospital privado e os mais infelizes e os mais pobres da sociedade portuguesa, que estão dependentes de uma escola pública e de um serviço de saúde que estão numa situação catastrófica.
No caso da educação temos estado praticamente o ano letivo todo em greves…
Vai-se pagar a prazo a deficiente formação dos miúdos, as deficientes condições de saúde da população mais deficitária, assim como o Estado desastroso da justiça que tem custos terríveis para o setor económico e a imensa burocracia e a ineficiência da administração pública. Tudo isto vamos pagar a prazo e não há volta a dar. E depois temos ainda uma despesa pública corrente muito elevada, com pouco investimento público. Somos o país da União Europeia mais dependente dos fundos europeus para o investimento público. Se não houvesse fundos europeus não haveria praticamente investimento público e com uma carga fiscal que já está a atingir 37% do PIB. É a mais elevada de todas. E o Governo diz que tem contas boas.
As tais contas certas…
Mas pelas razões que já disse não são boas contas e isto a prazo paga-se. Vamos também pagar a médio e a longo prazo ao que se está a assistir e que diz respeito a um fluxo de mão-de-obra indiferenciada para alimentar os setores de baixa produtividade e de baixo valor acrescentado da sociedade, como é o caso do turismo, enquanto assistimos à saída dos jovens mais qualificados. Não é preciso saber muito de economia para perceber que este mix de mão-de-obra em Portugal vai condicionar o nosso desenvolvimento futuro. Este é um caso único, antigamente eram os menos qualificados que saíam do país nos anos 60 e 70 do século passado, agora são os mais qualificados que saem e entra esta mão-de-obra indiferenciada para alimentar os setores de baixo valor acrescentado, como é infelizmente o caso do turismo. Não tenho nada contra o turismo, acho o turismo ótimo, mas devia ser visto num contexto de uma economia diversificada. O turismo em Portugal contribui em 20% para o PIB e sabe quanto é que o turismo contribui no Egito? 25% do PIB. Queremos ter o modelo egípcio ou o modelo dos países desenvolvidos? Isso é chocante. Depois há outro aspeto que se tem falado pouco que é o PRR, a tal bazuca que o primeiro-ministro fala, em que andam todos preocupados com o controlo dos fundos, com a taxa de execução e rapidez do PRR, mas há uma conceção base que não está correta: a maior parte do PRR é para o Estado e só uma parcela pequena é para as empresas. Depois o primeiro-ministro diz que é para o Estado, mas como o Estado faz concursos, depois essa verba também chega às empresas privadas, só que são empresas ligadas ao Estado de bens não transacionáveis e, por isso, o PRR não puxa pelas empresas de bens transacionáveis que são aquelas que permitem que um país pequeno como Portugal possa vir a crescer. O modelo do PRR vai conduzir, mais uma vez, a uma má afetação de recursos com o apoio do setor público a empresas, embora privadas, de bens não transacionáveis, não apoiando como devia os bens transacionáveis. Tudo isto se paga obviamente nos nossos salários, mais de 50% dos trabalhadores ganha menos de mil euros e 72%, sobretudo entre os 15 e os 34 anos, ganham menos de 950 euros. Sem contar com as grandes incertezas para o futuro do ponto de vista conjuntural, que também a OCDE refere. Por acaso a Zona Euro também escapou à recessão e, por isso, conjunturalmente estamos melhor do que se previa, mas há três ou quatro incertezas. Ninguém sabe como é que vai evoluir a guerra na Ucrânia, o que é uma tremenda incerteza sobre as economias. A segunda questão, acredito o BCE vai continuar a subir as taxas de juro, o que irá contribuir para tendências de arrefecimento da economia. Em terceiro lugar, ninguém sabe o que vai acontecer com os preços da energia que tiveram alguma distensão, mas podemos voltar a ter uma alta dos preços e em quarto lugar o crescimento económico chinês. A China tem sido o motor passado do crescimento económico mundial e está a dar sinais de algum esgotamento.
Disse que está mais preocupado com alocação dos fundos comunitários, mas aos dados de execução apontam para atrasos no PRR, Portugal 2020 e Portugal 2030. Corremos o risco de perder parte desta verba?
E o que é que isto mostra? Primeiro comecei por dizer que o nosso investimento público é hoje quase totalmente financiado por fundos estruturais e já não é pelo Orçamento do Estado. Mas depois quando vê no Orçamento a previsão que está inscrita para investimento público vê que a sua execução é sempre inferior ao que estava inscrito. Isso significa que mesmo o investimento público sendo quase, na sua totalidade, financiado por fundos comunitários, depois o que vem a ser executado é inferior ao que estava previsto no Orçamento e que já é muito baixo logo a priori.
Estes dados económicos, apesar de serem positivos, não chegam ao bolso dos portugueses porque o aumento do custo de vida tem vindo a disparar…
Aí tem duas variáveis importantes, a teoria económica diz que a produção nacional é igual ao rendimento nacional, mas o rendimento nacional tem lucros, tem juros e tem salários, não tem só salários. Mesmo que o PIB aumente e o rendimento nacional aumente, sobretudo devido à inflação, os salários não estão a ter benefícios desse aumento, porque vai uma parte para juros e outra para lucros. Depois, quando temos o crescimento económico muito alavancado pelo turismo, mostra um PIB com pouca produtividade, com pouco valor acrescentado e que pouco acrescenta ao rendimento dos que já estão. É mais para servir aqueles que entram para trabalhar no turismo. Este modelo de crescimento não gera valor acrescentado que permita melhorar a vida dos portugueses. E finalmente podemos ter algum crescimento dos salários nominais, mas com as taxas e a inflação elevadas, os salários reais ressentem-se.
O governador do Banco de Portugal tem estado contra os aumentos salariais para responder à subida da inflação por causa da espiral inflacionista. Mas quem trabalha sentiria algum alívio em termos remuneratórios…
O que tem tido em Portugal, tal como na Zona Euro e na generalidade do mundo tem sido uma inflação que não é devida aos salários. Há tipicamente uma inflação do lado da oferta devido aos choques negativos com o aumento dos preços da energia e das matérias primas alimentares. Ninguém tem dúvidas que esta inflação que se gerou não foi criada pelos salários, mas o que é a economia diz? É que depois de gerado um fenómeno inflacionista há o chamado efeito de segunda ordem. O que é que isso significa? Depois do fenómeno inflacionista gerado, por vezes, as empresas aproveitam no meio da confusão dos aumentos de preços para subir ainda mais os preços do que a taxa de inflação. Na primeira ordem não foram os salários que contribuíram para as taxas de inflação que estamos a ter e como efeitos de segunda ordem, as empresas querem aumentar as suas margens. A própria presidente do BCE já reconheceu que havia empresas que estavam a aproveitar a confusão gerada por inflações elevadas para subir preços até acima das taxas de inflação. E é nessa perspetiva que o governador do Banco de Portugal refere isso e que acho correto, mas também compreendo a sua pergunta: a inflação não é por culpa dos trabalhadores e as pessoas estão a ver devido às altas taxas de inflação uma queda dos salários e uma redução do seu poder de compra.
Em relação aos apoios que o Governo tem dado considera suficientes ou ainda deixa uma franja grande da população de fora?
O Estado tem umas finanças públicas que ainda não estão numa situação famosa e tem de ser muito seletivo e tem de ter muito bem definidos os grupos alvos a serem objeto de apoio. Não temos umas finanças públicas para podermos apoiar toda a gente e não pode ser o Orçamento do Estado a compensar a todos por isso. Tem de se ser seletivo para os grupos mais vulneráveis. Quanto às medidas avançadas, não me chocam, mas há uma que sou contra que é o famoso IVA zero, porque apoia toda a gente. Se tiver efeito também vai beneficiar aqueles que ganham mais ou que têm um maior rendimento e contra mim falo que não devia ser objeto de apoio governamental. A funcionar, o IVA zero funcionar é uma medida horizontal, não direcionada, apanha todos e beneficia quem não devia beneficiar. Depois é preciso saber se na prática se se consegue pôr a funcionar porque há sempre alguma suspeita que as empresas aproveitem a baixa do IVA para aumentarem as margens, não estamos num setor sujeito a preços controlados e tenho receio que a Concorrência não seja suficientemente forte para disciplinar as empresas, ou dito de outra forma, as empresas com o poder de mercado que, em alguns casos têm, podem-se aproveitar para não diminuírem no preço final a redução do IVA e aumentem ainda mais os preços. E como não temos preços controlados pelo Governo é muito difícil verificar a posteriori se as empresas passaram ou não para o produto final a diminuição do IVA para zero. Essa é uma medida que tenho as maiores dúvidas, curiosamente o Governo até uma certa fase resistiu e bem em aplicá-la, depois de forma inesperada e surpreendente cedeu.
Cedeu devido à pressão?
Acho que o Governo cedeu quando entrou em pânico com a bagunça que criou e podia pensar que estava vulnerável ou que a Assembleia podia ser dissolvida. Parecia que estava em campanha eleitoral a fazer estas medidas eleitoralistas.
Como vê o dossiê TAP e a manutenção de João Galamba na pasta das Infraestruturas?
Primeiro, o caso TAP para mim não é novidade. Mostra talvez uma coisa que para mim é evidente: nunca tinha visto um Governo tão fraquinho em Portugal, depois do regime democrático. São muito fraquinhos tecnicamente, com uma tendência para mentir e para aldrabar enorme e depois com uma grande bagunça no seu funcionamento. As cenas no Ministério das Infraestruturas pareciam as reuniões gerais da rapaziada que presenciei antes do 25 de Abril na universidade. Vivi estas cenas de pancadaria da rapaziada, até há um pormenor delicioso que é o assessor estar de bicicleta e não de automóvel, o que está de acordo com o que acontecia nessa altura. Mas do ministro Galamba não me surpreende nada, sempre achei que não tinha os mínimos olímpicos do ponto de vista comportamental para ser secretário de Estado quanto mais ministro. Já tinha revelado isso quando algumas pessoas, entre as quais eu, criticámos o projeto megalómano de hidrogénio em Sines e tínhamos toda a legitimidade para o fazer. Mesmo que não tivesse razão então em democracia não temos direito à nossa opinião? Fomos insultados na praça pública por João Galamba. Já mostrou nessa fase, enquanto secretário de Estado da energia, que não satisfazia os mínimos olímpicos para ser membro do Governo então como ministro o risco é muito maior. O próprio primeiro-ministro correu um alto risco em pô-lo como ministro e depois do que o Presidente da República disse, os riscos para o primeiro-ministro aumentaram ainda mais.
E tremeu até a própria relação com o Presidente da República…
Como sabe tenho experiência de governos e senti na pele o que foi no Governo de Cavaco Silva ter o Presidente da República Mário Soares como líder de oposição, não era o meu amigo Guterres. Marcelo Rebelo de Sousa não tem sido líder de oposição ao Governo e não tem que o ser e bem. Este episódio faz correr altos riscos ao primeiro-ministro e estragou-lhe a boa relação que tem tido, acho eu, com o Presidente da República. Galamba é um terrível ativo tóxico do Governo.
Estes episódios acabam por “apagar” as questões que deviam ser abordadas na comissão de inquérito…
Infelizmente estes episódios metem ruído nas questões que para mim são fundamentais: porque é que o Estado foi nacionalizar, como é que nós, contribuintes, já gastamos 3,2 mil milhões de euros e a bagunça que se criou na TAP, em que nos percebemos que era o ministro Pedro Nuno Santos e o seu secretário de Estado que mandavam na TAP com a CEO francesa reduzida a um papel de chief operating officer, em que o chairman não funcionava, assim como não funcionava o conselho de administração e a assembleia-geral. Então nacionalizou-se para chegarmos a uma situação destas? E mesmo que agora se privatize – e acho bem que se privatize – não acredito que se vá recuperar o dinheiro que lá metemos. O modelo de intervenção pública, o dinheiro que lá se meteu, a bagunça de gestão criada são as questões sérias e fundas que deviam ser discutidas, assim como a interferência constante do poder político por parte do Ministério das Infraestruturas. E depois há uma coisa que para mim é chocante: então o Ministério das Finanças não tem nada a ver sobre esta matéria? No meu tempo de Governo, os ministros das Finanças com quem trabalhei nunca admitiriam isto. A tutela das empresas públicas não é só do ministério setorial. Choca-me imenso a total demissão de responsabilidades dos ministros das finanças no dossiê TAP. Tudo isto é que devia a estar a ser discutido. Esta semana vi o ex-ministro João Leão muito calmo e tranquilo, nada escamado pelo facto de terem sido escamoteados factos importantíssimos da gestão da TAP. Os meus colegas que foram ministros das Finanças alguma vez aceitariam esse papel passivo?
Também não é explicado porque é que o Governo optou por nacionalizar e agora quer privatizar…
A TAP precisava de ajuda pública, como todas as empresas de aviação tiveram durante a pandemia, inclusive a KLM e a Lufthansa, mas o que está em causa é porque é que foi necessário chegar à nacionalização para agora se privatizar e pelo meio termos milhões e milhões de euros dos contribuintes lá metidos. Tudo isto é que devia ser discutido a sério.
Perante tudo o que temos vindo a assistir considera que a melhor solução seria dissolver a Assembleia da República?
Acho que não, até por uma razão simples: há um conceito que se utiliza muito que é a sustentabilidade. Então qual é a minha tese? Era prematuro dissolver a Assembleia, mesmo num contexto em que o Governo já estava a fraquejar para os portugueses terem a verdadeira consciência do que a casa gasta com este Governo. A comissão de inquérito tem de ir até ao fundo, tem de se apurar tudo e só depois é que vamos ver qual é a solução política. Neste momento não, até porque lembro uma coisa que aconteceu quando Passos Coelho entrou: a troika entrou e acho que alguma gente não percebeu as medidas de sacrifício que Passos Coelho teve de introduzir. Este Governo tem de ser muito mais desgastado para que as pessoas percebam que é necessária uma alternativa e a meu ver ainda não está suficientemente desgastado para isso. O que é que aconteceria? O Governo ao ser demitido sem estar suficientemente desgastado, a Assembleia era dissolvida e depois o PS todos os dias malhava nessa alternativa. Não recomendo isso face ao que se passou no tempo da troika.
Daí ter defendido que o Governo devia ficar em banho-maria…
É a minha ideia. Os portugueses têm de perceber a verdadeira incapacidade deste Governo para governar o país e só quando os portugueses perceberem isso e não tenho a certeza que já perceberam é que há condições para a alternativa, independentemente do mérito ou demérito da alternativa.
Acha que o PSD já está mais organizado para se apresentar como alternativa?
Tem vindo a crescer a sua afirmação e tem apresentado propostas que têm sido muito boas. O pacote da habitação foi muito bem feito, mas quase não passou na comunicação social. Acho que o PSD ainda tem um problema e alguma dificuldade em fazer passar a sua mensagem. Devo dizer que o pacote habitação surpreendeu-me pela positiva e já me conhece há alguns anos para saber que não estou sempre entusiasticamente a apoiar o PSD, até tenho sido cético em algumas fases. E Luís Montenegro tem dois jovens com valores muito seguros: António Leitão Amaro e Miguel Pinto Luz. Luís Montenegro e António Leitão Amaro mostraram-se de imediato contra os arrendamentos coercivos e tenho amigos a perguntar quando é que o PSD disse isto.
Mas está a ser prejudicado por não ser transparente em relação a uma eventual coligação com o Chega?
O PSD nem devia falar do Chega, isso é o que o PS quer. O Chega é euromilhões do PS. O PSD deve-se definir como alternativa ao PS, elencar tudo aquilo que é necessário para ser uma alternativa ao PS e esperar que o povo português perceba isso e que dê hipótese ao PSD de ser uma alternativa.
Foi banqueiro e disse recentemente que os bancos deviam ser moderados nesta subida dos juros. Acha que há sensibilidade parte do sistema financeiro?
O que disse é que os bancos tiveram uma situação anterior muito difícil com margens financeiras muito esmagadas e, às vezes, até com taxas de juro negativas. Agora estão com margens financeiras bastante simpáticas, as taxas de juro subiram bastante e os bancos não precisam de mais depósitos, não precisam de mais liquidez. Não precisando, não estavam interessados em remunerar mais os depósitos. No entanto os bancos com as margens financeiras simpáticas que têm podiam ser mais compreensivos em relação a estas dificuldades. Tenho ideia que o presidente da CGD disse coisas semelhantes no sentido de haver uma maior compreensão em relação a quem esteja com maiores dificuldades. Em todo caso tenho indicações que esse aumento de remuneração já começou, a banca já está em termos médios a pagar depósitos aos particulares ligeiramente acima de 1% e às empresas acima de 2%. Eu sendo um cliente com maior património financeiro já me tinham oferecido taxas de juro superiores a 2%. Já está a haver algum movimento de subida, mas reconheço que no contexto da zona euro, somos o país com a oitava taxa mais alta de crédito à habitação e éramos juntamente com o Chipre e a Eslovénia aqueles que menos pagavam pelos depósitos. Mas também gostava de chamar a atenção que no crédito à habitação, infelizmente, éramos os países mais dependentes da taxa variável. No passado éramos o país que tinha a menor taxa de juro por causa da taxa variável e como as taxas de juro do BCE eram muito baixas também estávamos a pagar no crédito à habitação menos do que os países que tinham taxa fixa. Agora, quando as taxas de juro do BCE dispararam, como somos muito dependentes da taxa variável, passámos a pagar mais do que países que continuam com a taxa fixa.
A presidente do BCE não tem mostrado grande sensibilidade em relação a essa realidade…
Não critico a política do BCE em subir as taxas de juros para tentar controlar a inflação, o que critico é que subiu tarde e a más horas.
Falou na remuneração baixa dos depósitos e como vê as mudanças das regras nos Certificados de Aforro?
Por tudo o que disse acho que sou insuspeito em defender ou a apoiar o Governo, mas neste caso nem o crítico. O que é que estava a acontecer? O Governo tinha lançado uma emissão, a série E, que teve uma grande aceitação e há uma coisa elementar que se aprende na primeira aula de economia: se tem um produto que tem maior procura do que a oferta então isso revela que o preço estava a ser excessivo, os tais 3,5% brutos, mais o prémio de permanência. Depois estou a falar de uma lógica de gestão de dívida pública que é uma situação complicada, um tipo pode comprar e vender rapidamente e o investidor não é fiel. Percebo que o Governo tenha passado da série E para a F e dos 3,5% para os 2,5% e ter diminuído de 250 mil euros para 50 mil euros, mas qual foi o azar do Governo? Um responsável de um banco disse que o Governo devia acabar com os certificados de aforro e quando lança esta medida parece que veio a reboque da banca, quando tudo indica que estava a preparar essas mudanças há algum tempo. Repito, há aqui duas razões para mim fundamentais para o Governo mudar os certificados da série E: o preço estava demasiado elevado, porque a procura era muito superior à oferta e, sendo assim, significava que o preço que o Governo estava a pagar era demasiado. E quando digo Governo digo que somos todos nós. Obviamente que para os bancos que estão no mercado em concorrência parece uma medida simpática. Mas também recordo um inquérito do BCE que mostra que Portugal é o país da zona euro com maior iliteracia financeira. O aforrador português só tinha à sua disposição ou os depósitos da banca ou os certificados de aforro, quando os investidores têm a sua disposição outros títulos de dívida pública, como as obrigações de tesouro que estão a pagar yields acima dos 3%. E os mais informados, como é o meu caso, até podem investir em obrigações de boas empresas europeias e americanas: investment grade que estão a dar yields entre 3 e 4%. Tudo isto mostra que se se tiver literacia financeira pode investir, quer no mercado nacional, quer no internacional em aplicações alternativas com yields superiores a 3%.