por Raquel Abecasis
A opinião é unânime entre os principais cartoonistas nacionais: «Os cartazes de António Costa podem ser de mau gosto, mas não são racistas».
A polémica instalou-se no país depois de o primeiro-ministro ter acusado de «racistas» os manifestantes que empunhavam cartazes com uma caricatura sua e que o seguiram ao longo de todo o percurso que o chefe do Governo fez entre o recinto das cerimónias oficiais do 10 de Junho e o local onde foi almoçar. O percurso foi acompanhado e visto em direto em todas as televisões. Durante a caminhada foi visível a irritação de Fernanda Tadeu, mulher de António Costa, também ela professora e que durante a governação de José Sócrates chegou a juntar-se aos protestos dos professores contra a tentativa da então ministra, Maria de Lurdes Rodrigues, de implemetar um sistema de avaliação dos docentes. Foi nessa sequência dos protestos da mulher que António Costa lançou a acusação que muitos viram como um oportunismo. Ao chamar racistas aos manifestantes que empunhavam os cartazes, Costa inverteu a luta a seu favor. Estratégia ou sorte? É a pergunta que se faz, mas não há dúvida de que a a vitimização resultou a favor do primeiro-ministro.
E os dias seguintes não deixaram dúvidas de que Costa virou o jogo. O próprio autor dos desenhos, Pedro Brito, também ele professor, explicou ao Nascer do SOL, com tristeza, que os últimos dias foram de críticas inclusivamente de muitos dos seus pares: «Estou muito triste, porque o meu objetivo é, e sempre foi , ajudar a luta dos professores». Negando qualquer intenção racista nos desenhos, Pedro Brito decidiu optar por uma ação mais discreta, para evitar que esta polémica, que considera «artificial», possa prejudicar a causa dos professores. «Não sou cartoonista do sistema, mas estou em luta», garante-nos.
Cartoonistas surpreendidos
Já António Antunes, mais conhecido como António, cartoonista há mais de 50 anos, acha que o caso das caricaturas está a ser muito empolado apenas porque apareceram durante muito tempo nas imagens das televisões. Não negando que António Costa, um político profissional, possa ter visto ali uma oportunidade para virar o jogo, António considera que os cartazes são de «mau gosto», mas não são racistas e defende que a liberdade criativa não pode nunca ser posta em causa, mesmo para os que não a compreendem.
«Je suis Charlie», diz-nos Luís Afonso, outro cartoonista com muitos anos de experiència. Embora confesse não perceber «qual é a ideia daquilo», Luís Afonso afasta por completo qualquer associação daquele boneco com racismo. «Como é que um porco pode ser racismo? Um porco é sempre usado em questões de poder». O autor do Bartoon, diariamente publicado no jornal Pùblico, diz que é muito difícil e até perigoso traçar linhas vermelhas quando se trata de satirizar e lembra o episódio do ataque ao jornal francês Charlie Hebdo, para exemplificar o risco que se corre ao procurar criar barreiras à liberdade de expressão. Luís Afonso conta-nos o episódio de um cartoonista iraniano com quem se cruzou, que tinha grande abertura com quase tudo, exceto quando se falava em caricaturar Maomé. O mesmo cartoonista deu que falar uns anos mais tarde, ao ter publicado em Teerão umas caricaturas sobre o holocausto. Conclui o cartoonista português que é muito difícil traçar linhas vermelhas nestas matérias e «é bom que assim continue a ser».
Mascarenhas Gaivão, advogado e autor das tiras satíricas que semanalmente publicados na última pãgina do Nascer do SOL com o porco Massena também se considera espantado com a polémica que os desenhos dos cartazes dos professores provocaram. «Acho que Costa está a instrumentalizar a palavra racismo», afirma o causídico e artista. Para este autor, o primeiro-ministro fez um aproveitamento político do desenho e assim tentou limitar a criatividade dos professores nos protestos. Mascarenhas Gaivão lembra que a imagem do porco é utilizada desde sempre, citando os exemplos de Dom Carlos ou Boris Jhonson.
Pedro Brito, o autor dos polémicos desenhos, fez questão de frisar ao Nascer do SOL que vai continuar a colocar a sua arte ao serviço da causa dos professores.