Marcelo deseja António Costa em Bruxelas

Marcelo e Costa não fizeram as pazes mas parece. O tempo é de amnistia por causa da visita papal, mas Marcelo não esquece e promete mostrá-lo depois das europeias.

por Raquel Abecasis

O clima é de tréguas provisórias. Quando, no final da tarde de terça-feira, Marcelo Rebelo de Sousa se juntou à comitiva ministerial em Pedrogão Grande para a cerimónia oficial de inauguração do monumento às vítimas dos incêndios de 2017, o país viu um ambiente distendido entre Presidente, primeiro-ministro e ministros.

Simbolicamente, o aperto de mão entre o chefe de Estado e o ministro João Galamba criou a ideia de que os problemas institucionais estão para trás das costas. Tanto mais que poucos dias antes o Presidente voltou a dar a mão a António Costa no episódio da deslocação secreta a Budapeste para assistir à final da Liga Europa ao lado de Viktor Orban. Em Pedrogão, os discursos foram conciliadores e o Presidente até aproveitou para marcar encontro com António Costa no dia seguinte às europeias, ali, naquele mesmo local – por ocasião do 10 de Junho, Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas.

Os sinais são de paz, mas fontes próximas do Governo e da Presidência garantem que a relação não é, nem voltará a ser a mesma entre António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa. «Quebrou-se o elo de confiança» e isso dificilmente se restaura.

A dúvida que não deixa ninguém descansado é saber o que vão ser os próximos episódios desta já prolongada relação. Para os que conhecem bem  Marcelo, é certo  que o Presidente continua sem acreditar na durabilidade deste Governo e acabará por encontrar a ocasião para dissolver o Parlamento. Já os que há mais anos acompanham António Costa têm mais dificuldade em fazer previsões. Ao que nos dizem, António Costa mantém em aberto a aposta tripla: manter-se à frente do Governo até 2026 e talvez recandidatar-se ainda nas legislativas seguintes; sair para Bruxelas depois das europeias; ou levar a legislatura até ao fim, mas começar a preparar a sucessão logo após as europeias.

Seja como for, este é o momento de uma pausa tática, que terá ainda alguns picos de tensão, mas dos quais não se espera que venha a resultar nova crise.  

 

Papa, Jornada e verão afastam cenário de crise

O primeiro desses momentos é já no dia 13 de Julho, quando for divulgado o relatório da Comissão de Inquérito à TAP. As conclusões não deverão reunir consenso e os partidos à direita quererão apresentar um relatório alternativo, mais duro para o Governo socialista.

O Conselho de Estado prometido para o final de Julho é o segundo momento que vai reacender a discussão sobre a credibilidade e solidez do Governo. A agenda para este é encontro é a análise ao momento político e essa será seguramente uma ocasião para a oposição reacender os vários casos de uma sessão legislativa cheia deles, e todos a envolver o Governo.

São dois eventos que vão manter a tensãopolítica alta, mas que não deverão passar disso mesmo.

Os grandes eventos que se aproximam, juntamente com o tradicional período de férias de verão, são, para já, o seguro de vida da estabilidade política.

A poucas semanas de receber uma visita papal e da realização da Jornada Mundial da Juventude, o maior evento alguma vez realizado em Portugal, Presidência, Governo e autarquias não têm tempo nem espaço para crises políticas.

Neste momento, todas as atenções estão concentradas na organização do evento que vai trazer a Lisboa, pelo menos, um milhão de jovens de todo o mundo. Há ainda dossiês muito importantes que estão muito atrasados  e que exigem trabalho reforçado para evitar que alguma coisa corra mal.

Por outro lado, o tempo de férias, a menos que algo de extraordinário ocorra, não é propício a crises ou grandes discussões políticas.

 

O apelo da Europa

Os próximos meses deverão, portanto, ser de alguma acalmia, pelo menos no que respeita ao debate público, já que partidos, Governo e Presidência, sabem que o ano de 2024 é crucial para que se perceba se esta é uma legislatura para chegar ao fim ou se, pelo contrário, vai  ficar a meio caminho. Nesse cenário, o pós-eleições europeias é um marco importante. Do resultado dessas eleições, que se realizam a 9 de junho, poderá depender o futuro de António Costa e Luís Montenegro.

Várias fontes próximas do Presidente admitem ao Nascer do SOL que a crise que pôs o chefe de Estado e o primeiro-ministro de costas voltadas deixou em Marcelo a vontade de dissolver o Parlamento antes do final da legislatura.

Como pode fazê-lo, é a grande questão.

Ao que nos dizem, não estando resolvida a questão da alternativa, esse já não é o impedimento principal para uma tomada de decisão por parte do Presidente.

Embora divirjam nos cenários, todas as nossas fontes convergem num ponto: a menos que haja um imprevisto, a janela de ação presidencial abre-se na sequência das eleições europeias. E é na leitura que Marcelo fará dos resultados destas eleições que as opiniões se dividem.

Num cenário de vitória do PSD, a dimensão da derrota socialista pode ditar o futuro, da legislatura e de António Costa, que, continuando primeiro-ministro em exercício, mantém intactas as suas hipóteses de ser o escolhido para a liderança do Conselho Europeu e uma derrota pesada pode justificar a sua partida para Bruxelas, com o argumento de que o país quer novas soluções.

Para todas as fontes ouvidas pelo nosso jornal, essa seria a solução mais cómoda para o Presidente. A dissolução está justificada desde que, quando deu posse ao Governo, disse que se Costa saísse haveria eleições e, por outro lado, a iniciativa da crise política ficaria toda do lado de Costa.

Mas há quem admita que, no cenário de vitória do PS nas europeias, seja o próprio Marcelo Rebelo de Sousa a convencer António Costa a rumar para Bruxelas, acreditando que com um outro líder à frente dos socialistas fica mais fácil uma vitória de Montenegro. Esta é a aposta mais provavel do Presidente, diz-nos alguém que conhece bem Marcelo Rebelo de Sousa, que acrescenta que ao Presidente não é indiferente deixar o seu partido de sempre no poder, até porque Marcelo tem consciência de que precisa de se reconciliar com o seu eleitorado tradicional.

Com mais ou menos protagonismo, o que parece certo para todas as fontes consultadas pelo Nascer do SOL, é que o Presidente não espera deixar a legislatura chegar ao fim, até porque sabe que, se isso acontecer, o seu legado ficará muito comprometido. Marcelo achará, genuinamente, que António Costa não teve razão na crise Galamba e sabe também que o facto de estar tudo na mesma é uma afronta ao papel do Presidente. Mesmo que isso não se reflita para já nas sondagens, o seu  faro de analista político não engana: ou o tempo e os acontecimentos lhe vêm a dar razão, ou  ficará para a história como um  Presidente sem peso e sem poder.

Por outro lado, referem-nos que, ao contrário do que vai dizendo, Marcelo não quer ser o primeiro Presidente que nunca conviveu com a sua força política no Governo. «Marcelo não é Soares, mas até Soares arranjou forma de deixar Guterres no poder», diz-nos uma das fontes por nós consultadas.

Certo é que, se Costa for até ao fim, Marcelo será o primeiro Presidente em democracia que apenas conheceu um primeiro-ministro, o socialista António Costa. E esta é uma marca que não deseja, até porque sabe que, à direita, todos o responsabilizarão por isso.

Sempre atento e preocupado com a popularidade e o juízo do povo, Marcelo sabe que não há favas contadas. Os episódios dos últimos tempos causaram dano e não é liquído que o Presidente possa passar do mais popular para um dos mais impopulares. Tudo depende da forma como vai conseguir avaliar os próximos passos.

O 10 de Junho em Pedrogão Grande em 2024, que já anunciou para o dia a seguir às eurpeias, pode bem ser o dia D para avaliar se está a seguir a estrada certa ou se tem de atalhar por outro caminho.